Liberação de emendas: Parlamentares venceram queda de braço com Planalto
É preciso uma certa prática para desvendar as reais declarações por trás do estilo diplomático das declarações de Maia. "A prorrogação é uma questão que ainda temos que aguardar e dialogar até o último minuto para ter uma decisão definitiva por parte da presidente. De qualquer forma, é uma decisão importante que ela toma de forma equilibrada", afirmou. Tradução: a simples renovação dos restos a pagar não deve aquietar o clima na Câmara.
Senha - Dilma Rousseff só se convenceu da necessidade de renovar os restos a pagar depois de informada sobre a paralisação na Câmara. Os líderes aliados se recusaram a votar qualquer projeto nesta quarta-feira. O plenário vazio foi a senha para que a presidente se conscientizasse que a disputa havia chegado ao limite. Ela tomou a decisão no último momento possível, já que as emendas perderiam o efeito nesta quinta-feira. Como contam com as emendas para viabilizar a realização de obras em seus estados - o que garante dividendos eleitorais -, os deputados não aceitam o congelamento desses recursos.
"Numa empresa, se você tiver todos os seus trabalhadores unidos, motivados, com respostas por parte do chefe, a empresa acaba produzindo mais. Aqui acaba acontecendo um pouco isso. O Parlamento quer ter com o Executivo a harmonia necessária para o seu funcionamento institucional. É essa harmonia que estamos buscando", diz Marco Maia. Tradução: o Executivo precisa estreitar os laços com o Congresso. O petista afirma, entretanto, que já houve um "distensionamento" do clima na Câmara.
Segundo Marco Maia, a colocada em pauta da Emenda 29, que cria gastos adicionais na área da saúde, não foi uma tentativa de chantagear o governo - comentário recorrente em Brasília nas últimas semanas. "Há pressão da sociedade, de prefeitos, da própria Câmara, dos líderes, para que se termine a votação de Emenda 29. Isso não tem nenhum caráter de represália ou de enfrentamento”, afirma o petista. "Nós vamos criar condições para que a matéria seja votada", explica. Na prática: a medida deve continuar na pauta de votações, mesmo depois da renovação das emendas parlamentares.
Avaliação - A crise foi o primeiro percalço da ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, desde que ela assumiu o cargo. O presidente da Câmara diz que ainda não é possível analisar o trabalho da articuladora política do Planalto: "É muito cedo para fazer uma avaliação do trabalho da ministra Ideli, mas eu tenho a convicção de que ela vai fazer um bom trabalho". Tradução: o diálogo da petista com a Câmara ainda não é o ideal.
Na comparação com o antecessor, Luiz Sérgio, Ideli tem vantagem por ter recebido mais poder do Planalto. É o que diz Marco Maia: “A diferença está na divisão mais precisa que a presidente fez do papel da Casa Civil e das Relações Institucionais. Isso deixa mais claro qual é o poder e qual é a influência das tomadas das decisões que as ministras têm”, avalia o presidente da Câmara.
Finanças públicas
Mantega garante que pagamento de emendas pendentes não compromete equilíbrio fiscal
Ministro da Fazenda foi o porta-voz da decisão do governo, que recuou após pressão de parlamentares da base aliada
Em pronunciamento de três minutos, Mantega oficializou mudança de opinião (Wilson Dias/ABr)
A Dilma de terça-feira garante que a Dilma de quinta agiu contra os interesses do país
No meio do almoço com nove senadores de partidos governistas, Dilma Rousseff jurou que resistiria à rebelião dos alugados. “Em benefício dos interesses nacionais”, avisou a presidente com fama de durona, não toparia prorrogar por três meses, como exigiam os deputados federais, o prazo para pagamento de emendas aprovadas em 2009, relativas a obras já iniciadas. A promessa formulada no começo da tarde de terça-feira começou a ser engavetada na noite de quarta. “A ministra Ideli acabou de me ligar para dizer que o decreto vai ser prorrogado até setembro”, revelou o deputado Lincoln Portela, líder da bancada do PR. “Ela conversou com a presidente Dilma, que se sentiu sensibilizada especialmente com a situação dos pequenos municípios”.
“A prorrogação sai amanhã”, foi mais preciso o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves. Nesta quinta-feira, como informa o site de VEJA, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, oficializou a capitulação sem luta. Escalada por Dilma para a missão vergonhosa, Ideli Salvatti tentou primeiro repassá-la para a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que devolveu a bola quadrada. “Não trato desses assuntos”, avisou. Sobrou para Mantega, que cumpriu a tarefa em três minutos, num encontro com jornalistas impedidos de fazer perguntas. Não faltava tempo ao ministro. Faltavam respostas.
No curtíssimo pronunciamento, Mantega disse, por exemplo, que “isso não afeta o resultado fiscal do governo, que continuará implementando o corte de 50 bilhões de reais e o superávit primário ficará acima de 3% até o final do ano”. Conversa fiada. No almoço com os senadores, a própria presidente da República garantiu que o desembolso dos R$4,6 bilhões necessários ao pagamento das emendas configuraria a revogação do ajuste fiscal. Disse muito mais, comprovou o Globo na edição de quarta-feira. À senadora Vanessa Grazziotin, por exemplo, contou por que se sentia obrigada a sufocar a rebelião.
“Não tenho outro caminho”, explicou. “Se flexibilizar agora, será um péssimo sinal. A mensagem negativa do afrouxamento virá carregada do simbolismo de que o governo está abrindo mão do ajuste fiscal, que é um preceito fundamental para a credibilidade do governo, controle inflacionário e estabilidade econômica”. Mantega disse o contrário. Um dos dois mentiu. Surpreendentemente, desta vez Dilma disse a verdade. Na hora da sobremesa, a anfitriã reiterou o elogio da sobriedade. “Tenho um compromisso com o país e com a austeridade fiscal”, declamou. “Tivemos muito trabalho para conquistar isso e não podemos agora dar um sinal de fragilidade”.
Ao ceder às pressões dos extorsionários de estimação, portanto, a presidente prejudicou os interesses nacionais, emitiu sinais de raquitismo político, reforçou a suspeita de que o governo é frouxo, abriu mão do ajuste fiscal, colocou em risco a estabilidade econômica e afagou o monstro inflacionário. Tudo somado, a Dilma da terça-feira garante que a Dilma de quinta mandou às favas os compromissos assumidos com o Brasil.
(Por Augusto Nunes)