O BNDES e nós, por Antonio Delfim Netto
O BNDES tem um corpo técnico de reconhecida competência. Até duas décadas atrás escolhiam - ou procuravam escolher - projetos nacionais pioneiros com boa taxa de retorno no longo prazo e alta probabilidade de sucesso. Em anos recentes, porém, ele tem sido induzido por obra e arte do Poder Executivo de plantão a apoiar ambiciosos programas cujos resultados têm sido duvidosos.
Estimularam a criação de oligopsônios combinados com oligopólios (poucos compradores em mercados com milhares de fornecedores e milhões de consumidores), o que lhes dá enorme poder econômico e a possibilidade de controlar as margens de seus fornecedores e impor preços mais altos aos consumidores. Mais do que isso, o Banco tem sido chamado para salvar bancos privados que se meteram no financiamento entusiasmado de alguns setores sem a preocupação de aumentar-lhes a eficiência. Envolve-se agora, de forma pouco razoável, numa intriga comercial entre dois sócios que nada tem a ver com o interesse nacional. Sem maiores cuidados apoiou antecipadamente uma operação que seria "boa para todos", exceto para os consumidores e fornecedores brasileiros, que mais uma vez seriam contrastados como um aumento do poder econômico. No final, o recurso do BNDES (ou seja, o nosso dinheiro ) irá reforçar um "campeão francês" em pura decadência, comprando ações na França dos controladores do Carrefour que querem vendê-las e não tem para quem.
Riscos sobre o BNDES, por CARLOS LESSA
Certamente Abílio Diniz multiplicaria seu patrimônio, mas não haveria ampliação significativa de emprego nem geração de renda para o povo |
A veiculação da possível troca de bandeira que o grupo Pão de Açúcar faria, substituindo o grupo varejista francês Casino pelo grupo também varejista e também francês Carrefour, gerou perplexidade.
Seria megaoperação, pela qual o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) aplicaria mais de US$ 2 bilhões, permitindo que o grupo Pão de Açúcar se fundisse com a rede Carrefour já existente no Brasil. Ao vazar a informação, surgiram alguns defensores no governo.
A ministra Gleisi Hoffmann disse que a operação seria feita com os fundos do BNDESPar, argumentando que não comprometeria o BNDES, o que foi uma declaração estranha, pois o BNDESPar é uma empresa 100% do BNDES, e este é 100% do Tesouro Nacional.
O ministro Fernando Pimentel, inicialmente, afirmou que a operação interessava ao Brasil, pois "aumentaria a presença brasileira no varejo europeu" (!?). Ao que eu saiba, a associação Pão de Açúcar-Casino não gerou superavit comercial para o Brasil; a rede importa muito mais do que exporta.
Alguém disse que o BNDES iria lucrar muito financeiramente com a operação. O BNDESPar subscreveria um importante lote de ações do Novo Pão de Açúcar, e essas ações iriam se valorizar.
Certamente Abílio Diniz multiplicaria seu patrimônio, mas, para o Brasil, praticamente nenhuma vantagem. O setor varejista já está desnacionalizado. Não haveria ampliação significativa de emprego nem geração de renda para a massa de brasileiros.
Fui presidente do BNDES durante 23 meses, no primeiro mandato do presidente Lula. Assumi logo após um longo período de esvaziamento da proposta de um banco de desenvolvimento para o Brasil.
Na década de 90, o BNDES foi mutilado e convertido no "banco das privatizações", uma função totalmente distinta de sua tarefa histórica de desenvolver as forças produtivas brasileiras para ampliar a capacidade de produção, gerar emprego e renda e fazer avançar o nível tecnológico da economia.
Simultaneamente, fazendo eco ao Consenso de Washington, o BNDES foi preparado para se converter em vulgar banco de investimento. Esse tipo de banco, voltado para o mercado de capitais, é orientado por lucro financeiro, não por desenvolvimento de emprego e renda na economia nacional.
A vitória do presidente Lula interrompeu o processo que levaria o BNDES, inexoravelmente, à sua privatização. Ele me deu carta branca para repor a instituição em seu papel histórico, porque queria o banco como "o agente dos sonhos dos brasileiros", além de refazer seu papel de animador de uma retomada da trajetória nacional de desenvolvimento.
Conheço Luciano Coutinho, atual presidente do banco, e creio que atuou com presteza e visão, defendendo a presença pátria na produção e exportação de proteína branca e de celulose de fibra curta.
Foi estratégico ter o BNDES na Petrobras para o desenvolvimento da economia do petróleo.
Não sei o que o conduziu a apoiar o projeto Pão de Açúcar; percebi que, agora, condicionou a presença do BNDESPar à concordância do grupo Casino. Provavelmente haverá uma batalha judicial entre Casino e o projeto de fusão de Carrefour e Pão de Açúcar, o que converteria a fusão em um péssimo negócio financeiro para o BNDESPar.
Com essa operação, mesmo se abortada, haverá desgaste da sua imagem. Para instituições públicas em tempos de neoliberalismo, debito à atual direção do banco ter chamado raios sobre o instrumento financeiro por excelência para o desenvolvimento futuro do país.
CARLOS LESSA é professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Foi presidente do BNDES (governo Lula).