Nathan Blanche: mercado financeiro está 'seco' de dólares

Publicado em 23/09/2011 11:11
O mercado de dólar está "seco", ou seja, carente de um montante ao redor de US$ 15 bilhões, e o governo é o responsável por isso, afirmou ontem o sócio da Tendências Consultoria Nathan Blanche. "A volta do equilíbrio entre a oferta e demanda da moeda norte-americana só vai ocorrer a partir do fim da cobrança de IOF no mercado de derivativos, uma medida que não funcionou", comentou, referindo-se à adoção do imposto de 1% sobre a diferença de operações vendidas e compradas de dólar futuro acima de US$ 10 milhões. "A atual tempestade no câmbio só será revertida com o fim da medida, que foi adotada para evitar carry trade. Mas os fatos mudaram, o que requer que as ações do governo também sejam alteradas", disse.

Para Blanche, uma das provas de que o mercado de dólar "está sem referência e desequilibrado" é que a cotação do câmbio no balcão subiu na quarta-feira 2,84%, ao atingir R$ 1,845, e ontem saltou ainda mais, chegando a bater em R$ 1,953. Isso levou o Banco Central a retomar os leilões de contratos de swap cambial e vender o equivalente a US$ 2,715 bilhões em contratos futuros de dólar. "Mesmo assim, a oferta foi insuficiente, pois a cotação do câmbio após os leilões atingiu R$ 1,88, acima do fechamento da quarta-feira e distante de um nível mais razoável, digamos, de R$ 1,75", comentou.

Na avaliação do especialista, o mercado do dólar "está sem parâmetros" porque, entre outros motivos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse na quarta, em Washington, que não estava preocupado com a subida do câmbio quando a cotação atingiu R$ 1,85. "Política cambial normalmente é feita por uma única instituição oficial. No Brasil, contudo, ela está sendo determinada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central", destacou.

Segundo Blanche, vários empresários, alguns do setor agropecuário, entraram em contato com ele desde quarta e perguntaram o que fazer num momento de forte apreciação do dólar ante o real. Segundo ele, em razão do IOF estabelecido pelo governo sobre a diferença de operações vendidas e compradas de dólar futuro acima de US$ 10 milhões, muitos dirigentes de companhias, algumas delas exportadoras, não se sentem confortáveis para ofertar dólares, pois teriam de arcar com o custo do pagamento do tributo.

"O governo precisa agir e rápido. Ou será que vai esperar o câmbio se desvalorizar 60% e estourar o teto da inflação de 6,5% neste ano?", questionou. Com a cotação de R$ 1,880 registrada às 14h12 de ontem, o câmbio apresentava uma depreciação de 17,94% no mês.

O especialista citou alguns números para explicar como chegou à conclusão de que a demanda por dólar supera a oferta em cerca de US$ 15 bilhões. Segundo ele, no dia 31 de agosto o mercado spot mostrava que os bancos estavam "vendidos" em US$ 6,3 bilhões, mas no dia 20 de setembro ao meio-dia eles passaram à posição de "comprados" em US$ 1,9 bilhão. Portanto, ocorreu uma reversão de US$ 8,2 bilhões. No mercado futuro do dólar, as posições compradas das instituições financeiras baixaram US$ 10 bilhões no período, de US$ 10,9 bilhões para US$ 900 milhões. No caso dos "não residentes" as posições "vendidas" caíram US$ 7,9 bilhões, pois variaram de US$ 17 bilhões para US$ 9,1 bilhões. No total, ocorreu uma variação de US$ 26,1 bilhões.

Por outro lado, Blanche destacou que investidores compraram US$ 8,2 bilhões no mercado à vista entre 31 de janeiro e o meio-dia de 20 de setembro, o que fez com que a demanda por dólares baixasse para US$ 17,9 bilhões. Como nos leilões de swap cambial de ontem o BC ofereceu o equivalente a US$ 2,715 bilhões, a procura pela divisa norte-americana teria baixado para um montante ao redor de US$ 15,1 bilhões.

Segundo Blanche, o recente movimento de desvalorização do real ante o dólar tem duas origens: uma delas é a busca de investidores por ativos mais seguros, como os títulos do Tesouro dos EUA, devido às incertezas manifestadas pelo mercado com a possibilidade de o mundo ingressar novamente numa recessão. "Outro fator é a reversão interna das posições dos investidores, que não sabem qual é a política cambial do País", disse. "Essa insegurança do mercado fez com que o real se tornasse a moeda que mais se desvalorizou no mundo neste mês." 

Na veja.com.br: 

Alta do dólar já equivale a 40% da valorização de 2008

Especialistas acreditam que governo deverá eliminar medidas de controle cambial

Cédulas de Dólar

Moeda americana dispara ante ameaça de crise global (Pascal Lauener/Reuters)

A perda do real frente ao dólar desde o final de julho até a manhã de ontem já representa cerca de 40% da magnitude da desvalorização da moeda brasileira decorrente da crise financeira em 2008. Analistas e investidores internacionais, que classificam como "desordenada" a apreciação acelerada do dólar nos últimos dias, não veem espaço para recuperação do câmbio no curto prazo e não descartam a possibilidade de o governo brasileiro eliminar as medidas recentes de controle de capitais consideradas mais extremas, caso as intervenções do Banco Central não consigam segurar o tombo do real.

O dólar já subiu 27,73% frente ao real na comparação da cotação mínima de 2011 de 1,5290 real, no dia 26 de julho, até ao patamar máximo deste ano de 1,953 real, atingido na manhã de ontem. Da mínima de 1,5560 real por dólar em 1º de agosto de 2008, antes do colapso do banco americano Lehman Brothers, para o pico de 2,62 reais em dezembro daquele ano, no auge da turbulência mundial, o dólar acumulou uma alta de 68,38% frente ao real. O que surpreendeu os analistas internacionais é que a barreira de 1,92 real por dólar, atingida em maio do ano passado quando a crise da dívida soberana da Grécia agravou-se, foi superada muito antes do projetado.

"Ainda há uma elevada ansiedade dos investidores internacionais em relação à zona do euro e enquanto o pessimismo sobre a crise da dívida soberana de países europeus persistir, não vejo como o real possa se recuperar no curto prazo, pois todos os ativos de riscos, como commodities e moedas e ações de países emergentes, devem sofrer", disse à Agência Estado Win Thin, diretor de pesquisa para mercados emergentes da Brown Brothers Harriman em Nova York.

Na opinião do estrategista-chefe para mercados emergentes da RBC Capital Markets em Toronto (Canadá), Nick Chamie, a desvalorização do real está sendo exacerbada pelas medidas de controle de capital adotada nos últimos meses pelo governo brasileiro. "O Brasil poderá relaxar as medidas mais extremas de controle cambial adotadas recentemente, como a taxação de 1% de IOF sobre o aumento de US$ 10 milhões nas posições de derivativos", disse Chamie à Agência Estado. "O governo brasileiro exagerou nessa medida, o que, combinada com outras ações adotadas nos últimos meses, contribuiu para deflagrar esse movimento forte do real". Para Chamie, as perdas da moeda brasileira são consistentes com a situação muito ruim de liquidez nos mercados financeiros globais atualmente.

Para Greg Lesko, diretor-gerente da Deltec Asset Management em Nova York, que têm 850 milhões de dólares em ativos, dos quais quase 200 milhões de dólares investidos na Bovespa, o câmbio desvalorizado diminui o apetite dos investidores estrangeiros de entrar comprando ações na Bolsa brasileira, pois o retorno em dólar das aplicações fica significativamente reduzido. "Como investidor cuja base da carteira é em dólar, o cenário atual (do câmbio no Brasil) não é muito feliz para o valor dos meus papéis brasileiros", disse Lesko.

Os dados sobre fluxo de capital externo divulgado ontem pela Bovespa corroboram o sentimento de Greg Lesko. O saldo de capital externo na Bovespa está negativo em 14,732 milhões de dólares em setembro, até o dia 20, último dado disponível. É a primeira vez que os saques superam o ingresso de investimentos estrangeiros na Bolsa este mês. A cifra é resultado de compras de 26,843 bilhões de dólares e vendas de 26,858 bilhões de dólares no período. Somente no dia 20, os estrangeiros sacaram 239,316 milhões de dólares da Bovespa.

"O movimento do câmbio no Brasil tem sido desordenado e as intervenções no mercado pelo Banco Central são para tentar injetar alguma ordem", afirmou o vice-presidente para mercados emergentes da MF Global, Michael Roche, baseado em Nova York. Para ele, o governo brasileiro não deve reverter completamente todas as medidas de controle de capital para não passar a impressão de pânico ao mercado nem arranhar sua credibilidade. "Reverter, neste momento, a taxação de IOF pode até ser contraproducente, pois os investidores estrangeiros podem achar que, quando o real se recuperar, o governo poderá voltar com as medidas", disse Roche. Ele considera que a melhor ação é continuar com as intervenções no mercado de câmbio para estabilizar o câmbio.

Para Roche, a desvalorização forte do real poderá fazer com que o BC interrompa o ciclo de queda na taxa de juros iniciado na última reunião do Copom, devido ao efeito sobre a inflação da alta do dólar. "O mercado tentará saber qual é a avaliação do BC sobre a magnitude de repasse ("pass-through") para os índices de inflação da alta nos preços de importados em razão da desvalorização cambial", afirmou.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo/Veja

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