Anvisa: Proibição de agrotóxico produzido por empresa nacional favorece concentração de mercado por companhias estrangeiras

Publicado em 28/09/2011 11:26
A primeira decisão do ano da diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada no Diário Oficial da União em 17 de janeiro, se arrasta até hoje e pode se transformar na maior polêmica da história do órgão, criado em 1999 para cuidar da saúde dos brasileiros. Na RDC 01/2011, a agência determinou a retirada do ingrediente ativo metamidofós, um inseticida aplicado há mais de 50 anos nas lavouras de soja, algodão, feijão, trigo, batata, tomate e amendoim. Os técnicos da Anvisa entendem que o produto provoca sérios danos à saúde do agricultor e dos consumidores e induz ao suicídio, embora em cinco décadas de uso nunca houve um só caso de indenização contra a empresa que trouxe o metamidofós para o país. O brasil possui 425 defensivos agrícolas registrados com a classe toxicológica I (extremamente tóxicos). O metamidofós faz parte desse grupo (leia mais aqui)

A fabricação deveria cessar em 30 de junho. A principal prejudicada, a brasileira Fersol S/A, líder de mercado, entrou com ação na Justiça pedindo a suspensão da medida. Seus argumentos: a Anvisa não ouviu e sonegou informações à empresa, não apresentou estudos atualizados para embasar a proibição e tomou decisão contrária à soberania nacional. Os estudos informados, inclusive, são os mesmos que a agência usou para revalidar o metamidofós em 2002, ou seja, naquele ano os estudos foram válidos para a continuidade do produto. Agora, não.

Em situações de banimento de produtos agroquímicos do mercado, os fabricantes tem a oportunidade de apresentar estudos científicos de defesa. No caso de confirmação da decisão, é dado um prazo de retirada programada para não desestabilizar o mercado. Esse tempo, conhecido como phase out, varia de três a cinco anos. Para o metamidofós foi determinado um prazo inferior a seis meses.

A lentidão da Anvisa na concessão de novos registros – média de 42 por ano desde 2005 e mais de 400 na fila - somada às restrições impostas a diferentes produtos ao longo dos anos, levou a Fersol a concentrar 90% de sua produção no metamidofós (leia mais aqui). O jogo cruzado de conveniência na obtenção de determinados registros praticado por um limitado grupo de companhias estrangeiras exclui as poucas empresas nacionais, o que complica ainda mais a existência da Fersol. Por isso, a proibição, caso vigore da forma como foi feita, será um tiro de misericórdia na empresa, considerada exemplar no quesito responsabilidade social (leia mais aqui). Dois dias antes do prazo fatal (30 de junho), o juiz bruno César Bandeira Apolinário, da 3ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, concedeu liminar garantindo sobrevida à empresa (leia decisão aqui). A Anvisa recorreu e a tendência é o caso se arrastar na justiça.

O que está em jogo

"A decisão da Anvisa fala em defesa da saúde, mas isto é uma cortina de fumaça que esconde o principal: o avanço das importações no setor agroquímico", afirma Michael Haradom, diretor-presidente licenciado da Fersol. Há 20 anos, as empresas brasileiras detinham 50% do mercado de defensivos. Atualmente, a participação não alcança 6% e a Fersol tem 1,5% dessa presença. Em 2010, o setor movimentou cerca de 7,2 bilhões de dólares. Para este ano está previsto um faturamento acima de 8 bilhões de dólares. Nesse ritmo, Haradom acredita que em três anos o brasil vai importar a totalidade do que necessita, tornando-se refém dos produtos e preços impostos por um reduzido grupo de companhias globais ( leia aqui estudo sobre a concentração do mercado agroquímico). "Sem opções internas, vamos sucatear o que resta da indústria nacional e gerar desemprego, além de atrasar o processo de inovação tecnológica do setor", afirma.

O principal agroquímico que deve ocupar o espaço deixado pelo metamidofós, caso a decisão da agência prevaleça, é o ingrediente ativo imidacloprid, da família dos neonicotinóides e patente da mesma companhia que introduziu o metamidofós no brasil (leia mais aqui). Detalhe: vai custar de quatro a cinco vezes mais (leia mais aqui). Curiosamente, outro ingrediente ativo dessa companhia, o endossulfan, considerado extremamente tóxico, entrou na reavaliação da Anvisa e recebeu um phase out maior, com retirada prevista para outubro de 2013.

Para o agricultor, acostumado com o metamidofós, não é uma boa notícia e a reação foi imediata. Centenas de cartas exigindo a suspensão da proibição foram encaminhadas ao Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama, órgãos responsáveis pelas decisões sobre agrotóxicos no país (leia mais aqui).

De uma só vez, as autoridades sanitárias querem retirar do mercado uma das últimas empresas 100% brasileiras do setor de defensivos e abrir espaço para um novo agrotóxico classificado pela própria Anvisa como altamente tóxico (classe II) e medianamente tóxico (III). O Imidacloprid vem sendo contestado em vários países da Comunidade Européia e está sob investigação no Canadá e Nova Zelândia porque é apontado como o causador da extinção de abelhas, fundamentais para a polinização no campo (leia mais aqui).

Histórico

O metamidofós foi introduzido nas lavouras na década de 60 e é considerado eficaz no combate de pragas e insetos típicos do clima tropical. Em meados dos anos 90, com o fim da patente no brasil, o produto se tornou genérico e várias empresas passaram a fabricá-lo, entre elas a Fersol. Uma reavaliação da Anvisa em 2002 considerou o inseticida prejudicial para o cultivo de hortaliças e tomate in natura, mas o manteve apto para as demais culturas, com algumas adequações na formulação e nas orientações de uso.

Em 2007, a companhia estrangeira líder absoluta desse mercado sofreu um incêndio em sua planta de metamidofós em Belfort Roxo, no estado do Rio de Janeiro (leia mais aqui). três operários sofreram queimaduras leves e tomaram um banho do produto no corpo. Nenhum deles morreu nem ficou com sequelas. Com a interrupção temporária da produção, a Fersol assumiu o primeiro lugar de vendas.

Depois de um investimento de dez milhões de dólares, a fábrica foi reaberta em 2009. Em setembro desse ano, numa fiscalização de rotina, a Anvisa interditou um lote de 1 milhão de litros de defensivos por incompatibilidade com a fórmula original registrada, a maioria de metamidofós (leia mais aqui). Em fevereiro de 2010, a empresa ingressou com novo pedido de registro do metamidofós com o objetivo de legalizar a fórmula interditada pelos fiscais e evitar a perda do produto (leia mais aqui). De forma inédita para os prazos atuais de obtenção de registro na Anvisa (leia mais aqui), em menos de seis meses a solicitação foi aprovada (leia aqui). Entre setembro e dezembro do ano passado, a empresa comercializou o lote todo. Nesse mesmo período, outras companhias estrangeiras foram autorizadas a importar mais de seis milhões de litros de produto à base de metamidofós. Já no final de 2010, a companhia estrangeira retirou voluntariamente o último de seus registros de metamidofós (leia mais aqui).

Em 17 de janeiro deste ano, a diretoria colegiada da Anvisa deliberou pela retirada do metamidofós do mercado, menos de seis meses após ter concedido novo registro à companhia estrangeira que deteve a patente do produto por décadas e foi a responsável por introduzí-lo no país. A decisão está baseada em estudos de 2002 que, curiosamente, serviram de base para a continuidade do metamidofós na reavaliação efetuada naquele ano (leia mais aqui e aqui).

Cenário

Quem trabalha no campo está preocupado. Do ponto de vista econômico, a retirada intempestiva de um defensivo usado há muito tempo, sob o argumento de que é proibido em outros países (leia mais aqui), provoca um desequilíbrio no abastecimento com reflexo direto na produtividade porque a terra exige tempo para incorporar e reagir a novos produtos. O resultado é uma pressão sobre a inflação por meio da alta no preço dos insumos (leia mais aqui). A tendência é haver ainda mais concentração de mercado nas mãos de poucas empresas estrangeiras. Para um país que depende economicamente da agricultura isto representa um sinal de alerta (leia estudo da FAO aqui).

Por outro lado, vem crescendo a produção e venda do agrotóxico imidacloprid, apresentado como substituto natural do metamidofós, apesar do custo maior e da suspeita de dizimar as abelhas (leia mais aqui). Casos já foram relatados em vários países e até mesmo no brasil. Procurado para comprovar a veracidade dessa informação, o Ministério da Agricultura diz que a responsabilidade pela avaliação do produto é do Ibama, que também não se manifestou (leia mais aqui). Na Anvisa existem 33 registros à base de imidacloprid (leia mais aqui). A maioria em nome de companhias estrangeiras.

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Fonte:
Newswire Comunicação

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