FOME X IGNORÂNCIA, artigo em defesa do consumo do caramujo africano

Publicado em 10/10/2011 07:46 e atualizado em 09/03/2020 21:59
Por Mauricio Aquino, Médico Veterinário / Mestrando em Ciências da Saúde - UFAL, em defesa do consumo alimentar do caramujo africano... “Não se chegará jamais à paz com o mundo dividido entre a abundância e a miséria, o luxo e a pobreza, o desperdício e a fome. É preciso acabar com essa desigualdade social”. Josué de Castro
A fome pode ser classificada em aguda, que é momentânea e a crônica, que é permanente e ocorre quando não consumimos, diariamente, o suficiente para a manutenção de nosso organismo.
Um bilhão de pessoas, quase um sexto da população mundial, sofria de desnutrição em 2009, de acordo com Martins (2009, p.1) e embora o Brasil seja o quarto maior produtor mundial de alimentos, produzindo 25.7% a mais do que necessitamos para alimentar nossa sua população, ele também ocupa, entre todos os países no mundo, o 6° lugar em subnutrição.

“A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que anualmente desperdiçamos 26 milhões de toneladas de alimentos no país. O montante seria suficiente para alimentar 35 milhões dos cerca de 72 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, em situação de insegurança alimentar.” (ECODEBATES, 2009) De acordo com a FUNDAMIG (2009, P.1) o desperdício diário equivale a 39 mil toneladas de alimentos, quantidade suficiente para saciar a fome de 19 milhões de brasileiros, com as três refeições básicas: café da manhã, almoço e jantar.

“A Bahia é o estado brasileiro com a maior concentração de pessoas em situação de extrema pobreza (2,4 milhões), de acordo com dados Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. [...] Os três estados com maior número de pessoas em extrema pobreza estão no Nordeste - o segundo é o Maranhão (1,7 milhão) e o terceiro é o Ceará (1,5 millhão). O Pará, na região Norte, é o quarto (1,43 milhão). O quinto é Pernambuco (1,37 milhão) e, em sexto, está São Paulo (1,08 milhão). [...] O ministério informou que o Brasil tem 16,27 milhões de pessoas nessa condição.” (WSCOM, 2011) O estado de Alagoas aparece em 10º lugar e segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, temos 633.650 pessoas em extrema pobreza, o que representa 20.3% da população total do estado. (CALHEIROS, 2011)

Para que o governo possa assegurar segurança alimentar para toda a sua população, de acordo com o Bancodealimentos (2011, p.1), é importante discutir-se várias causas: cidadania; distribuição igualitária de alimentos e combate ao desperdício; superação da pobreza; escolaridade e saneamento básico; inserção social; geração de renda; quantidade e qualidade da alimentação.
Uma educação de qualidade, pelo menos em minha opinião, é prioridade entre todas as outras, pois dar o peixe ajuda a matar a fome, mas não ensina ninguém a pescar, contribuindo apenas, para a perpetuação do assistencialismo em favorecimento da miséria, o que só beneficia a curto prazo, a classe política dominante que, tradicionalmente, manipula esses eleitores na base do toma-lá-dá-cá.

Mas até que possamos colher os frutos da conscientização social em prol da segurança alimentar, o caracol africano, que a imprensa vem alardeando como uma praga nociva, na verdade, engendra algumas das qualidades essenciais para minimizar a desnutrição do país: abundância e alto valor nutricional. Segundo Agudo-Padrón (2011)o Achatina (Lissachatina) fulica (Bowdich, 1822) encontra-se hoje ocupando todos os Estados da União, confirmadamente desde o Roraima, RR até o Rio Grande do Sul, RS. E dos sete (7) Biomas biogeográficos de terra firme ocorrentes no Brasil, apenas o "Bioma Pampa" é o único ambiente natural que "ainda" não foi invadido pelo caracol exótico africano Achatina (Lissachatina) fulica (Bowdich, 1822). A sua Distribuição mais "Meridional" (ao Sul) no Continente da América do Sul encontra-se justo no Brasil, na cidade e Município de Torres, RS, domínio da Mata Atlântica limítrofe com o Bioma Pampa. Os registros conhecidos da espécie para os vizinhos países do Paraguai e da Argentina também correspondem ao domínio da Mata Atlântica.
Em setembro deste ano participei do encontro brasileiro de malacologia, que reuniu os maiores nomes do país no XXII EBRAM – 2011, em Fortaleza e durante um dos debates, sugeri que o caracol africano, presente hoje, em todos os estados brasileiros, poderia constituir-se numa alternativa alimentar de excelente qualidade, capaz de minimizar a desnutrição das comunidades mais carentes e para isso seria necessário apenas, eliminar-se o preconceito alimentar. Esta prática contribuiria ainda para o eficiente controle do Caracol Africano, como vem ocorrendo, contemporaneamente, na China.

Não é preciso dizer que a sugestão gerou um debate exaltado entre eu e alguns pesquisadores que fingem desconhecer a realidade da fome no Brasil, ou pior, desconhecem mesmo!
Atualmente, o Brasil lidera o processo de extinção de de "caracóis nativos endêmicos" no continente sulamericanos, muitos deles ameaçados de extinção devido a ação antrópica. Mas essa situação começa a mudar, pois há um consenso quase generalizado de que a "Campanhas Públicas Terrorístas - Doentías e Mal Conduzidas" desde o ano de 2003 "Pro Erradicação do Caracol Africano (Achatina fulica) no Meio Ambiente do Brasil” têm como reflexo, a aceleração do processo de extinção das nossas espécies nativas de caracóis terrestres, especialmente os representantes específicas das Famílias BULIMULIDAE, STROPHOCHEILIDAE e MEGALOBULIMIDAE, muitas delas formas raras, endêmicas e no geral muito pouco conhecidas cientificamente até hoje. E o pior é que o Brasil, com suas dimensões continentais e aparente desenvolvimento, vem influenciando seus "vizinhos territoriais" a seguir a mesma trilha desastrosa (AGUDO-PADRÓN, 2011)

Mesmo assim outras sandices vêm sendo praticadas, entre elas, a difusão em larga escala de inverdades que definem o Africano como espécie não comestível, como hospedeiro intermediário responsável pela transmissão de um significativo número de casos de Meningite Eosinofílica, como se ele fosse o único capaz de transmiti-las no país ou até identificá-la como transmissora da esquistossomose, uma gravíssima doença transmitida por outro gênero de molusco nativo.

Resumidamente, podemos citar, de acordo com Thiengo et al. (2010, p.198) a ocorrência de apenas 4 casos de Meningite Eosinofílica no país nos últimos anos devido, exclusivamente, a ingestão de moluscos crus. Dois casos no Espírito Santo e dois em Pernambuco. (CALDEIRA et al., 2007)
NENHUM DESSES CASOS ESTÃO ASSOCIADOS AO CARACOL AFRICANO!
Além do Africano, outros moluscos têm sido apontados como hospedeiros intermediários do A. cantonensis: Sarasinula marginata, Subulina octona, Bradybaena similaris, Pomacea lineata e o Pomacea canaliculata Mas devem existir muitos outros, pois, de acordo com Thiengo et al., (2010, p.198) o A. cantonensis e outras espécies congêneres como o A. costaricensis tem baixa especificidade em relação aos seus hospedeiros intermediários e vários moluscos terrestres e aquáticos tem sido encontrados naturalmente infectados.

Outra revelação é a citação de Maldonado Júnior et al. (2010) que sugere que a distribuição silvestre do A. cantonensis no Brasil seja fruto, provavelmente, de múltiplas introduções do parasita desde o período colonial, devido ao intenso comércio existente na época que favoreceu a introdução de ratos infestados pelo parasita. Logo, tudo leva a crer que a ME é uma enfermidade muito rara, pois já deveríamos tê-la diagnosticado anteriormente no Brasil já que o parasito e os seus hospedeiros intermediários estão aqui há séculos.

Este é mais um argumento que me leva a sugerir o uso do Caracol Africano como alimento para a população e como forma de controle populacional.

Fagbuaro (2006, p.688) assegura que o Africano é uma boa fonte de proteínas (18 ~ 21%) onde na Nigéria, um único caracol pequeno, com 25 gramas, fornece 45% da necessidade diária de PTN de uma criança. Hoje em dia, caracol é uma parte significativa e essencial da dieta diária de várias tribos no litoral nigeriano. O caracol é rico em minerais como zinco, magnésio, cálcio, fósforo, potássio, sódio e ferro.

De acordo com Bender (1992) o ferro presente na carne de caracóis é 35% absorvido pelo nosso organismo, contra 1 ~ 10% do ferro presente em alimentos de origem vegetal. Portanto, o consumo do Caracol Africano não só é recomendável, mas pode minimizar a desnutrição milhões de jovens e adultos em nosso país e, quem sabe, salvar milhares de vidas.

Mas para isso, o preconceito generalizado contra o caracol africano deve ser combatido com todas as armas disponíveis. Dessa forma o copo meio vazio seria visto como meio cheio e com esta simples aceitação da realidade, estaríamos transformando um problema, numa solução.

“Não se chegará jamais à paz com o mundo dividido entre a abundância e a miséria, o luxo e a pobreza, o desperdício e a fome. É preciso acabar com essa desigualdade social”. Josué de Castro

Fonte: Prof. Mauricio Aquino

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