O Brasil está entregue a um bando de aproveitadores enquanto é observado por outro bando de covardes"...

Publicado em 28/10/2013 20:54 e atualizado em 19/02/2014 13:17
por Reynaldo Rocha, no blog de Augusto Nunes, de veja.com.br

Reynaldo-BH: O Brasil está entregue a um bando de aproveitadores enquanto é observado por outro bando de covardes

REYNALDO ROCHA

Somos oposição. Real. Exercemos o direito de nos opor ao que julgamos deletério ou imoral. Não aceitamos números falsos. Repudiamos promessas não cumpridas, expostas a todos como um cadáver putrefato ─ como é o caso da Norte- Sul, do Trem-Bala, da Transnordestina, da transposição do São Francisco, das 9.000 creches e dos 800 aeroportos.

Sequer rotulamos estas obras como mal feitas. Antes, precisam ser feitas.

Somos contra a substituição do mérito pela ajuda ao companheiro ignorante, roubando de todos o direito de exercer o que o estudo e esforço garantem.

Somos oposição às tentativas de comprar juízes e ministros do Supremo com se o Judiciário fosse a feira livre dos sem-vergonha do Poder Legislativo. Sim, não têm vergonha de nada.

Queremos ser o que sempre fomos: a parte decente do Brasil. A que não se corrompeu, se vendeu ou idolatrou fantoches e ídolos de pés de barro. Já é muito.

Não temos representantes. Não nos vemos em nenhuma alternativa de poder, o que nos leva, por exclusão, a aceitar qualquer uma que mantenha a democracia e enxote os micilianos lulopetistas do poder.

Estamos a um ano das eleições. Tempo que a oposição tem para formar um discurso,  bandeiras e para que nos ouçam. E é o mesmo tempo que eles têm para manter pratos equilibrando no ar. Eles sabem que em 2015 o desastre estará completo. Mas o objetivo terá sido alcançado e as esperanças de bolivarianizar definitivamente o país estarão renovadas.

É um jogo de perde-perde. Sabemos (não somos inocentes) que vamos perder no final. Que estaremos fazendo o trabalho que, por incompetência, medo ou covardia, as oposições nunca fizeram.

As palavras críticas nas bocas oposicionistas são ocas. Vazias como foram os anos de dócil conivência com o poder. Os textos de blogueiros e jornalistas que leio são mais aprofundados e oposicionistas que discursos de qualquer um deles.

Não me lembro de nenhum!  E lembro de centenas de textos, na internet, expressando até de modo repetitivo o que as oposições se recusam a ler e ouvir.

Um ano. Pouco, muito pouco tempo.

O PT sabe se equilibrar na corda bamba. É mestre no show de Monga, a mulher-gorila que usa o truque dos espelhos.

Um ano para as oposições é a eternidade, pelo ritmo que sempre se portou. Para a seita, um ano é um fim de semana, como comprovam a ânsia de continuidade ao assalto aos cofres e perpetuação da imoralidade já demonstradas.

A oposição não demonstra ter bandeiras. Mas está com a mortalha pronta. Sabe como nunca ser dividida, brigando por um naco do bolo que sequer foi ao forno. Lutando pela primazia de ser o perdedor.

Enquanto isso, vemos a campanha de Dilma já nas ruas, usando dinheiro público, benesses a apaniguados, butim da base alugada, ajeitamentos dos piratas na nau da insensatez, escárnio com a lei eleitoral e repetição das fantasias alucinadas que a alguém com dois neurônios, provocam risos. E asco.

Estamos sós. Somos a oposição.

O Brasil está entregue a um bando de aproveitadores e é observado por um bando de covardes.

Um ano de expectativa de que surja uma bandeira de luta, entre tantas que oferecemos.

Sinto que não haverá.

E um ano de repetição de um programa/discurso que se repete há 11 anos.

Sei que será assim.

Sou pessimista ?

 

‘A loquacidade de Lula’, editorial do Estadão

Publicado no Estadão desta sexta-feira

Ao disparar uma saraivada de farpas contra sua ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que aderiu a Eduardo Campos, ex-aliado e agora adversário eleitoral de sua favorita, Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela um aspecto inusitado da disputa pela Presidência no ano que vem. A um ano da abertura das urnas, a campanha já tem um aspecto completamente diferente de eleições anteriores, com três candidatos declarados a presidente – Dilma, o tucano Aécio Neves e o governador de Pernambuco – e dois ocultos: o próprio Lula e a ex-senadora e fundadora de seu Partido dos Trabalhadores (PT).

 

A intensa atividade de Lula na campanha contraria frontalmente as lições que deu ao professor Fernando Henrique Cardoso, depois que o substituiu no governo. Disse, então: “Ele dá palpite o tempo inteiro e não se comporta como um ex-presidente deve se comportar”. Àquela ocasião, Lula e seu partido já tinham trocado o objetivo de “mudar tudo o que está aí”, quando chegassem ao poder, pela tática realista de “fazer o diabo para ficar no poder” e decretado, com isso, “às favas com os escrúpulos”. E exigiu que Fernando Henrique não fizesse a oposição que Lula fez quando o seu adversário estava no poder. Por um motivo que lhe parecia indiscutível: “Nós estamos fazendo o governo que ele não quis fazer. Eu estou fazendo o Brasil que ele não conseguiu fazer”.

Mas seria perda de tempo cobrar coerência de um líder político populista que, assim que lhe foi conveniente, adotou como lema de vida e postura um verso famoso cantado por Raul Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Da mesma forma, ingênuo seria estranhar a virulência com que o ex-presidente passou a tratar dois antigos companheiros de estrada – o neto de Miguel Arraes e a herdeira da luta ambientalista de Chico Mendes. Na práxis do PT e de Lula eles são inimigos a combater e vencer.

A realidade é que o projeto do PT e de Lula é levar Dilma à vitória, se possível no primeiro turno. E isso tem parecido mais difícil depois que os índices de popularidade da presidente despencaram com as manifestações nas ruas em junho, nas quais ficou patente a insatisfação popular com os serviços públicos. Na queda, a fragilidade da candidata à reeleição se revelou por inteiro: dificuldade de se expressar, inabilidade ao se comunicar e incapacidade de seduzir. Mestre nessas artes, Lula, o rei dos palanques, foi chamado para salvar a pátria.

Marina atacou a política econômica de Dilma, dizendo que a marca do atual governo “tem sido o retrocesso. Não gostaria que a presidente tivesse essa marca. Ela cumpriu o seu papel, mas o modelo se esgotou, não tem mais para onde ir”. E, já que a presidente não encontrou resposta para este repto, Lula respondeu por ela, na festa de aniversário do Bolsa Família, caça-votos prioritário das três gestões federais petistas: “Ela (Marina) deveria parar de aceitar com facilidade as lições que estão lhe dando”. Fez, com isso, uma referência indireta à ligação de Marina com o economista André Lara Resende, um dos criadores do Plano Real, principal causa das vitórias que Fernando Henrique lhe impôs nos pleitos de 2002 e 2006.

Depois, num almoço com Dilma e ministros no Palácio da Alvorada, Lula não escondeu que assumiu com entusiasmo a tarefa de poupar a pupila de ter de responder às críticas dos adversários, reservando-se esse papel. “Depois de desencarnar por quase três anos, estou voltando à atividade política. Me aguardem em Pernambuco.” Deixou claro com isso que o neto de seu velho aliado Miguel Arraes não perde por esperar.

Mostrando que a falta de modéstia não é mesmo seu maior defeito, Lula insinuou que o candidato de Campos a prefeito do Recife só ganhou a eleição porque ele não subiu no palanque do pretendente petista. E deixou claro que a missão de escudo de Dilma que ora cumpre pode ser um treino para a própria campanha no futuro: “Se me encherem o saco, em 2018 estou de volta”. Ou seja, o lobo perdeu o pelo, mas não perdeu a manha.

(O Estado de S. Paulo)

 

‘Amplia-se o campo da oposição’, de Sergio Fausto

Publicado no Estadão deste domingo

SERGIO FAUSTO

Dissidências são um problema para quem está no poder. Exemplos disso não faltam. O fim do reinado de 70 anos do Partido Revolucionário Institucional (PRI), no México, iniciou-se quando uma dissidência à esquerda lançou candidato próprio nas eleições presidenciais de 1988. Os sucessivos governos da Concertación, no Chile, entre 1990 e 2009, interromperam-se por igual razão. Aqui, no Brasil, o governo de Fernando Henrique Cardoso começou a perder a sucessão quando se rompeu a aliança entre PMDB, PFL e PSDB, em 2001.

Ainda é cedo para prever os reflexos eleitorais da aliança entre Eduardo Campos e Marina Silva. Mas já é possível dizer que se abriu uma dissidência que ameaça a reeleição de Dilma Rousseff. Não se trata de um evento menor. Campos e Marina são as duas novas lideranças políticas mais expressivas do bloco de forças que se reuniu em torno da candidatura do ex-presidente Lula em 2002 e 2006.

Não será simples combinar a “sustentabilidade” de Marina com o “desenvolvimentismo” de Campos, tampouco o “utopismo” dela com o “pragmatismo” dele. Não estamos diante, porém, de uma dupla de amadores. Quem supunha que Marina se enquadrava nessa categoria mudou de ideia depois da ousadia da aliança com o governador de Pernambuco. Foi um lance de mestre não apenas porque surpreendeu a todos, mas principalmente porque definiu um claro objetivo estratégico: pôr um ponto final na já longa permanência do PT no poder. Depois de sentir na carne a mão pesada do governo, pelas dificuldades criadas para o registro de seu partido, ela concluiu, como há muito já o fez a oposição, que a penetração do PT no Estado brasileiro alcançou um estágio perigoso para a vida democrática do País. “Mais quatro anos, não” – essa já era a mensagem implícita da candidatura de Campos. Coube a Marina, entretanto, pronunciá-la em alto e bom som político.

A ex-senadora empresta à aliança a legitimidade das “jornadas de junho”. Campos oferece a perspectiva de transformar a aliança na base de um governo viável, com apoio e interlocução mais amplos do que Marina poderia obter. Seria relativamente fácil para o governo neutralizar ambos isoladamente. Contra a ex-senadora pesaria o argumento de que o Brasil é um país complexo demais para ser governado por uma força incipiente, sem base parlamentar e quadros experimentados, à margem das correntes principais da política brasileira. Já a candidatura do governador se encontrava no divã político do ser ou não ser de oposição e ante a dificuldade de converter a alta popularidade em Pernambuco em maior intenção de votos no âmbito nacional. Juntos, Marina e Campos representam um desafio muito mais complicado para o governo.

Pela primeira vez desde que o PT ascendeu ao poder existe a possibilidade real de uma frente de oposições capaz de mobilizar as diversas insatisfações contra o governo e organizá-las em torno do objetivo de encerrar o ciclo político aberto em 2002. Partido mais bem estruturado da oposição, o PSDB vem com candidato novo para as eleições de 2014. O estilo agregador de Aécio Neves facilita em muito a formação dessa frente de oposições, seja quem vier a encabeçá-la num provável segundo turno. É sintomática a forma leve e amistosa como o senador reagiu à notícia da surpreendente aliança entre Campos e Marina, mesmo sabendo dos desafios que o fato novo coloca para a sua candidatura. Prova de inteligência política de quem confia em suas boas credenciais como ex-governador de Minas e tem o respaldo de seu partido.

A possibilidade de derrota do governo alargou-se no horizonte. Dilma tem a maioria dos partidos, o que lhe dará mais tempo na televisão, mas é uma maioria com cara velha. E que envelhece a olhos vistos à medida que se intensifica a disputa por cargos e verbas dentro do condomínio governista. Grande parte da energia do governo é consumida em reuniões políticas para fazer e refazer o quebra-cabeças das alianças eleitorais e do loteamento do Estado. Outra parte é destinada a medidas e anúncios que visam a dividendos eleitorais, atividade que se tornou frenética, com ajuda do twitter presidencial. O que sobra é dedicado à tentativa de reconquistar a confiança perdida com os insucessos do “novo paradigma de política econômica” e do “novo modelo de desenvolvimento”. Como a tentativa é atrapalhada e os ventos externos não a favorecem, o governo terá um balanço modesto a apresentar em 2014. E dificuldade para convencer que, sob a mesma administração, dias melhores virão nos quatro anos seguintes.

O eventual encerramento do atual ciclo de poder desobstruirá canais para a renovação da vida democrática brasileira. O PT tornou-se uma força conservadora. A lógica férrea da manutenção do poder freia o debate interno ao partido e limita as possibilidades de consolidação de novas forças no campo da centro-esquerda. A dissidência de Marina e Campos é uma resposta a esse cerceamento ativo. De igual forma, a denegação da gravidade específica do “mensalão” é sintoma de esclerose dentro do partido, embora a disciplinada ausência de crítica pareça sinal de força. A mesma lógica férrea da manutenção do poder estimula deliberadamente o auxílio à criação e proliferação de legendas de aluguel, a deterioração da política e das instituições do Estado e o amesquinhamento do debate público.

O possível retorno do PT à planície refletirá a formação de uma maioria em favor de fronteiras de separação mais nítidas entre Estado e governo, entre governo e partido, entre governo, partido e sociedade civil. No Brasil consolidamos algumas conquistas: democracia eleitoral, estabilidade, prioridade à inclusão social. Falta-nos uma República em que o Estado esteja a serviço da coisa pública e o fortalecimento da cidadania, definida como exercício efetivo de direitos e obrigações iguais para todos, seja a razão de ser da vida política. É um logo processo, sem um ponto fixo de chegada. Nesta etapa, avançar nessa construção requer a quebra da hegemonia do PT na política nacional.

 

Demagogia agrária, editorial do Estadao

Uma das boas marcas do governo de Dilma Rousseff era o aparente cuidado com a reforma agrária. Em lugar de desapropriações desenfreadas, feitas com o mero objetivo de satisfazer a movimentos sociais, a presidente havia optado por tentar melhorar os assentamentos já existentes, para favorecer o desenvolvimento sustentável dessas unidades. Todo esse zelo, porém, está sendo abandonado: movida pela mais pura demagogia, a um ano da eleição presidencial, Dilma quer agora fazer reforma agrária de cambulhada.

Em discurso dirigido a representantes de sem-terra e de outros movimentos sociais, Dilma anunciou que o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, providenciaria nada menos que 100 novos decretos de desapropriação até o final de dezembro.

Considerando-se que a presidente não havia desapropriado um único imóvel rural para reforma agrária neste ano, parece claro que a nova disposição de Dilma resultou não de ponderações técnicas, e sim de objetivos eleitoreiros. Se for mesmo executada, a ordem de Dilma representará a desapropriação de 200 mil hectares para assentamentos, como calcula o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Para técnicos do Incra ouvidos pelo Estado, não existe a menor possibilidade de que, em tão pouco tempo, tamanha quantidade de terras resulte em assentamentos com infraestrutura minimamente satisfatória. Subsiste, desse modo, a situação que levou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, a dizer, num surto de sinceridade, que os assentamentos haviam se transformado em "quase favelas rurais".

Dilma parecia empenhada em mudar esse quadro. Seu governo desapropriou até agora apenas 86 imóveis rurais. Desde a redemocratização do País, em 1985, apenas Fernando Collor desapropriou menos (28). Como comparação, Luiz Inácio Lula da Silva desapropriou 1.990 imóveis; no governo de Fernando Henrique Cardoso, foram 3.532.

O Movimento dos Sem-Terra (MST) diz que os números da reforma agrária de Dilma provam que ela se aproximou dos ruralistas e que é "refém do agronegócio". Nas contas do grupo, há 150 mil famílias à espera de um lote de terra.

O presidente do Incra, Carlos de Guedes, argumenta, com razão, que "o grande desafio é viabilizar o assentamento" e que "não adianta só dar terra". Se os assentamentos estão realmente sendo melhorados, são outros quinhentos - dados do Incra indicam que 70% dos descendentes de assentados em terras do Rio Grande do Sul, em geral mais férteis que as do Norte e do Nordeste, não ficam no campo, o que sugere falta de condições de vida e de trabalho.

Seja como for, a intenção de melhorar os assentamentos é correta e deveria ser estimulada. No entanto, parece claro que não é isso o que está norteando o governo neste momento, e sim as urnas em 2014. Dilma segue assim o exemplo de Lula, que usou a reforma agrária para apaziguar os movimentos sociais em momentos de grande tensão ou de necessidade política. Os anos em que Lula assentou mais sem-terra foram 2005, durante o escândalo do mensalão, e 2006, quando disputou a reeleição. Depois disso, sua média de desapropriações despencou.

Para conseguir acelerar a instalação de assentamentos, Pepe Vargas baixou uma portaria que facilita esse processo. Mas Ricardo Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários, diz que essa medida do ministro apenas "flexibiliza outro decreto assinado em fevereiro, que exigia estudos mais rigorosos e normas internas para a criação de novos assentamentos".

No discurso em que tentou aparecer como campeã da reforma agrária, Dilma disse que os novos decretos de desapropriação serão elaborados "já garantindo a sustentabilidade". Com a contínua redução das verbas disponíveis para realizar a reforma agrária - de R$ 4,7 bilhões em 2010 para R$ 2,4 bilhões neste ano -, parece improvável que mais essa retumbante promessa da presidente seja cumprida.

 

‘Privilégio para a patota’, editorial do Estadão

Publicado no Estadão desta quarta-feira

É a privatização do Estado com outro nome, mas sempre com o mesmo objetivo – dar aos companheiros, no caso, a entidades direta ou indiretamente vinculadas ao PT, oportunidades excepcionais de negócios na exuberante estrutura da administração federal. E isso com absoluto descaso pelas leis e sem o mais remoto vestígio de decoro.

O exemplo da hora é o decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff no último dia 7 e publicado na edição seguinte do Diário Oficial da União, eximindo uma fundação de direito privado de participar de licitação para vender planos de saúde a funcionários federais – um mercado potencial estimado em 3 milhões de usuários e R$ 10 bilhões por ano, atendido por 34 operadoras.

 

Chama-se Geap Autogestão em Saúde a organização contemplada com a sorte grande. Ela atende 625 mil servidores (e dependentes) de 99 órgãos da administração direta e indireta. Nos últimos 10 anos, o Estado carreou para os seus cofres mais de R$ 1,9 bilhão em repasses cuja licitude não pode ser avaliada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por ser o destinatário ente privado.

A presidente, ao privilegiar a Geap, evidentemente não se sentiu tolhida pelo fato de ela estar sob intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar desde março passado em razão do seu endividamento da ordem de R$ 260 milhões – um claro indício de má gestão. O favorecimento à entidade (que chegou a ser dirigida por uma apadrinhada do então ministro da Casa Civil José Dirceu) vem de longe.

Tendo sido criada por funcionários da União para atuar exclusivamente nos Ministérios da Previdência e da Saúde, Dataprev e INSS – os seus patronos e únicos autorizados por lei a contratá-la sem licitação –, a Geap foi aquinhoada com um decreto do presidente Lula, divulgado por este jornal em março de 2004, que estendeu o seu monopólio na prestação de serviços de saúde e previdência complementar.

À época, a sua clientela já estava na casa de 740 mil usuários, cobrindo cerca de 80 órgãos além daqueles para os quais havia sido criada. Passados dois anos, a Procuradoria-Geral da República endossou um parecer do TCU ao considerar inadmissível que uma fundação de direito privado se conveniasse com quaisquer órgãos que não fossem os seus patrocinadores originais. Os acordos adicionais representam “prestação de serviço para terceiros” – devendo ser, portanto, objeto de licitação.

Uma ação contra a tese do TCU, movida por 18 associações de servidores, foi derrotada em março último no Supremo Tribunal Federal (STF), mas o acórdão ainda não foi publicado. A esperteza do decreto de Dilma, revelado pelo Estado nesta terça-feira, consiste na permissão para que a fundação assine convênios com o Ministério do Planejamento – que gere toda a folha de pagamento federal.

Isso significa que a União passa a ser a patrocinadora da Geap Autogestão em Saúde, um dos entes em que a entidade se subdividiu – no mesmo dia da publicação do ato da presidente -, conservando o CNPJ da fundação original. Tudo foi claramente feito para burlar a lei. A manobra, observa o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, dificulta definir o regime jurídico aplicável à Geap, “pública para o que convém e privada para o que convém”.

No primeiro caso, para ser dispensada de licitação; no segundo, para não prestar contas ao TCU. O decreto foi qualificado como “inconstitucional, uma aberração e uma afronta” pelo deputado Augusto Carvalho, do Distrito Federal, filiado ao Solidariedade. Ele pretende preparar uma proposta de decreto legislativo para sustar os efeitos da canetada de Dilma. Já o seu colega do PDT, Antônio Reguffe, se diz espantado com o ato.

Relator na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara de uma proposta de fiscalização e controle dos convênios da Geap, ele resume a sua perplexidade: “Se a Geap foi considerada privada pela Justiça, deveria haver licitação para que fosse escolhida a empresa que melhor atendesse o interesse público; ou o governo teria de criar uma estatal para tocar o plano de saúde de seus servidores”. E se pergunta: “Agora, quem vai fiscalizar isso, se o TCU se julga incapaz porque considera a Geap um ente privado?”.

 

Black Bloc é o codinome pernóstico de uma ramificação da família dos fora-da-lei

Num parágrafo do artigo que publicou em seu blog neste domingo, ilustrado por vídeos que documentam a ação abjeta dos agressores e a reação exemplarmente sensata do coronel Reynaldo Simões Rossi, da PM de São Paulo, o jornalista Josias de Souza fez o resumo da ópera: “Já passou da hora de definir melhor as coisas. Está nas ruas uma estudantada corpulenta, de cara coberta e violenta. Esse grupelho adquiriu o vício orgânico de tramar contra o sossego alheio. Vândalos? É muito pouco! Black Blocs? O escambau! Traduza-se para o português: bandidos, eis o que são”.

Perfeito: bandidos, é isso o que são os integrantes dessa ramificação da grande e prolífica família dos fora-da-lei. Em sua versão brasileira, Black Bloc é o nome pernóstico de uma quadrilha sem chefe. No País do Futebol, o time vestido de preto é o primo mais idiota da pior das torcidas uniformizadas. No País do Carnaval, é o filhote poltrão do Comando Vermelho, que cobre o rosto com máscaras para fazer em liberdade o que os colegas engaiolados fazem de cara lavada.

O ataque ao coronel Rossi parece ter acordado os responsáveis pela manutenção da ordem pública. “Não vamos tolerar as ações desses marginais”, subiu o tom neste sábado o governador Geraldo Alckmin. “O Estado vai dar uma resposta muito forte a esse bando de criminosos”, prometeu no mesmo dia o major Mauro Lopes, porta-voz da PM paulista. “É necessário restituir o que a cidade perdeu. A cidade é nossa”.

Não existe resposta mais forte do que a imediata aplicação da lei. Basta identificar, capturar, processar, julgar e prender os sequestradores de cidades. “O direito de se manifestar será sempre garantido pela polícia”, lembrou o coronel Rossi no hospital onde se recupera de uma fratura na clavícula. “Mas os manifestantes precisam ter responsabilidade. Devem separar-se dos criminosos e nos ajudar a identificá-los. O silêncio dos bons é muito pior do que o ruído dos ruins”.

Os pastores do vandalismo não querem negociação, pondera Rossi, um dos 70 policiais militares feridos nas manifestações deste ano. “Eles atacam a PM por representar o Estado, é o Big Brother deles”. Atacam sobretudo porque se sentem impunes. Nada que uma boa cadeia não resolva. É hora de mostrar aos rebeldes sem cabeça que chegou ao fim a paciência da cidade flagelada por devotos da violência gratuita.

A ofensiva começa pelo fim da fantasia: não existem Black Blocs. Existem bandidos, que de bandidos devem ser chamados. E como bandidos precisam ser tratados pelas instituições incumbidas da preservação do Estado de Direito.

Tags:

Fonte: Blog Augusto Nunes (veja.com.br)

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Imac orienta produtores sobre as maiores dúvidas sobre notificações do Prodes
Prejuízos na pecuária devem continuar em 2022, avalia o presidente da Assocon
Exportações totais de carne bovina caem 6% no volume e 11% na receita em janeiro
Santa Catarina mantém proibição de entrada de bovinos vindos de outros estados