A crise dos emergentes está apenas começando. Ou: Pessimildo estava certo!

Publicado em 09/12/2014 14:20 e atualizado em 11/12/2014 03:49
por Rodrigo Constantino, de veja.com

A crise dos emergentes está apenas começando. Ou: Pessimildo estava certo!

Durante toda a campanha eleitoral, a presidente Dilma culpou a “crise externa” pelos problemas brasileiros, pela estagnação econômica e a alta inflação. Mas era uma falácia. O Brasil tinha seus problemas produzidos em casa mesmo, pelo próprio governo. O resto do mundo emergente crescia bem mais com bem menos inflação. Era apenas uma desculpa esfarrapada do governo.

Mas agora a crise está mesmo começando. A retirada dos estímulos monetários do Federal Reserve, o banco central americano, pressionará todos aqueles que devem dólares no mundo. O fluxo de capital se inverte e retorna para os Estados Unidos. O custo do dinheiro sobe para todos, e quem estava nadando nu fica exposto com a maré mais baixa.

Além do aumento no custo de capital e a reversão do fluxo de dólares, há a queda de atividade na China. O crescimento chinês foi a grande mola propulsora dos países com recursos naturais abundantes, pois fez tanto o preço das commodities como a quantidade exportada por tais países dispararem. Isso também está mudando agora, como o preço do minério de ferro, um dos principais itens de nossa pauta de exportação, demonstra:

Minério de ferro. Fonte: Bloomberg

Minério de ferro. Fonte: Bloomberg

Aquilo que na época da campanha era apenas uma falácia inventada pelo PT para fugir da responsabilidade pela crise brasileira, agora deverá se tornar realidade. A crise dos emergentes chegará em um momento extremamente delicado para o Brasil, que já está mergulhado em uma série de problemas por conta própria.

Quando Lula assumiu o poder em 2003 e teve a sabedoria de delegar a gestão econômica a um banqueiro como Henrique Meirelles e a um médico com bom senso como Palocci, o cenário era completamente diferente. Os ventos externos estavam começando a soprar forte em nossa direção. Era o começo do ciclo das commodities.

Agora Dilma indicou Joaquim Levy para a Fazenda, mas isso não basta, não é suficiente. O que vem pela frente é possivelmente um tsnunami contra os países emergentes, e a fase de ajustes será muito dolorosa. Dilma teria de ter muita convicção na receita adequada para bancar a ortodoxia “fiscalista” nesse período de crise. Ela precisaria confiar muito em Levy para lhe conceder a autonomia necessária para administrar o barco na tormenta.

Pouco provável. Quando alguém está gripado, precisa descansar, esperar o pior passar. Mesmo o Bolt não conseguirá um bom desempenho se resolver correr no auge da gripe. O Brasil está doente, precisa “descansar”, ou seja, precisa de um período de ajustes dolorosos de recuo dos gastos públicos para voltar a ter chances de crescer de forma sustentável depois. Dilma terá paciência para aguardar? Terá tolerância para a ressaca após a euforia artificial? Vai bancar a impopularidade e o risco político de fechar as torneiros mesmo com o escândalo da Petrobras apertando seu cangote?

Como diz Warren Buffett, não importa quão grande seja o esforço ou o talento, algumas coisas simplesmente demandam tempo: não é possível produzir um bebê em um mês engravidando nove mulheres diferentes. O Brasil precisará de tempo para digerir o abacaxi. E justo quando a crise dos emergentes desponta no horizonte e o cenário político se encontra extremamente fragilizado no quadro doméstico.

Vai faltar dinheiro, os investidores estarão mais atentos e rigorosos, as exportações brasileiras serão menores, as empresas não terão fácil acesso ao capital barato. O governo resolveu ser mais realista e reviu para 0,8% a estimativa de crescimento em 2015, diferente dos arroubos megalomaníacos de Guido Mantega. Mesmo assim, é um número muito otimista ainda. Provavelmente teremos recessão ano que vem, pressionando a taxa de desemprego para cima.

Pessimildo

Isso pode gerar maior inadimplência, e os bancos privados pisarão ainda mais no freio. O que vão fazer os bancos públicos? No passado recente, pisaram no acelerador para compensar o efeito. Se fizerem isso novamente, o estrago em seus balanços será inevitável. Não há mais espaço para tais estímulos. O que fazer?

Na campanha, o marqueteiro de Dilma criou o personagem Pessimildo, um ranzinza cujo pessimismo era rebatido pelos defensores do governo como infundado. Mas Pessimildo estava certo, afinal. O Brasil não vai crescer nos próximos meses ou anos, e a inflação continuará elevada. É um quadro preocupante, assustador até. E isso vinha acontecendo mesmo com um cenário externo favorável. Isso agora mudou.

O Brasil estava gripado quando o resto do mundo ostentava boa saúde. Agora os emergentes começam a espirrar com mais força. O que vai acontecer com nossa economia doente?

Rodrigo Constantino

 

 

NO GLOBO

Efeito sobre os gigantes

A queda do preço do petróleo, que ontem atingiu nova mínima em cinco anos, pode dar um impulso extra às duas maiores economias do mundo. Nos EUA, a gasolina mais barata, combinada com o mercado de trabalho mais forte, tende a aumentar a renda e o consumo. Na China, que continua dando sinais de desaceleração, a queda do barril abre espaço para novos estímulos do governo.

Não há análise da economia mundial hoje que não leve em conta a forte redução do preço do petróleo. No balanço entre quem ganha e quem perde com o óleo mais barato, EUA e China estão entre os beneficiados. Os chineses ontem contribuíram para a forte queda da bolsa brasileira, ao divulgarem dados mais fracos de importação. Nesse contexto, o petróleo mais barato é uma boa notícia porque reduz a inflação e permite mais gastos do governo chinês.

Em relatório divulgado ontem com perspectivas para a economia mundial, a agência Fitch afirmou que o mundo está mais dependente dos americanos, que estão roubando o lugar dos chineses como principal locomotiva do planeta. A agência estima que o país terá crescimento de 2,3% este ano; acelerando para 3,1% em 2015; e 3% em 2016. Percentuais muito fortes que vão incidir sobre um PIB de US$ 16 trilhões. Já as projeções para a China estão indo na direção contrária, perdendo vigor: 7,3% em 2014; 6,8% em 2015; e 6,5% em 2016. Taxas ainda elevadas, mas cada vez mais distantes dos números de dois dígitos que impressionaram nos anos 2000.

O economista Rodolfo Oliveira, da Tendências Consultoria, explica que há vários motores voltando a funcionar ao mesmo tempo na economia americana. O déficit fiscal do governo federal caiu de 9% do PIB, em 2009, para abaixo de 3% este ano. Daqui para frente, o ajuste será menos intenso. Além disso, os índices de confiança estão elevados — como se vê pelo recorde das bolsas — e isso favorece investimentos. O mercado de trabalho, com forte criação de vagas, e a queda do preço da gasolina vão impulsionar o consumo das famílias por duas frentes.

Para o Brasil, esses números trazem uma preocupação, que é o aumento das taxas de juros pelo banco central americano. A boa notícia é que há projeções apontando para o aumento apenas em 2016.

— A queda da gasolina vai reduzir a inflação nos EUA, e ela está abaixo de 2%, que é a meta perseguida pelo Fed. Além disso, ainda é preciso mais sinais de crescimento dos salários — explicou Oliveira.

 

Petrobras perde duas vezes 

Por falar em gigantes, a queda da cotação das commodities afetou as ações das duas maiores companhias brasileiras. A Vale perdeu 3,2%, ontem, e no ano cai 41%, como reflexo direto do recuo das importações da China, maior compradora de minérios do mundo. O petróleo no valor mais baixo em cinco anos (US$ 66 em Londres) derrubou as ações da Petrobras, que apenas na segunda-feira caíram 6,1%. A ação preferencial, que valia R$ 21,7 há três meses, fechou ontem a R$ 11,5. Desde maio de 2008, quando o papel chegou a R$ 42,7, o tombo é de 71%. Paulo Gala, estrategista-chefe da Fator Corretora, explica que, após desidratar com as notícias sobre corrupção, a cotação agora sofre o ajuste do novo patamar do petróleo. Há quem projete o barril ainda mais barato, abaixo de US$ 60.

 

Petróleo: Europa e Japão perdem

A redução do preço do petróleo pode trazer problemas para a zona do euro e o Japão, segundo a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria. Isso porque a gasolina mais barata vai aumentar o risco de deflação. Para a Europa, a dor de cabeça pode ser ainda maior: seu sistema financeiro tem alta exposição às empresas estatais russas, e o governo de Vladimir Putin vai sentir o baque do preço mais barato porque é grande exportador de petróleo.

— O sistema financeiro ocidental tem cerca de US$ 700 bilhões de empréstimos concedidos aos russos, em sua maioria, bancos europeus. Eles ainda não se recuperaram totalmente da crise financeira e podem passar por novo ciclo de desconfiança — disse Monica.

 

 

O alerta de Laocoonte

 

O cavalo de Troia foi o famoso presente de grego para os troianos, que acabaram abrindo os muros de sua cidade para abrigar aquele imenso trambolho de madeira. Laocoonte, sacerdote de Apolo, veio correndo do interior da cidadela gritando, alarmado: “Estarão ensandecidos? Miseráveis criaturas! Pensam, acaso, que o inimigo partiu? Acreditam não ser obra de traição os presentes gregos?”

Justamente quando Laocoonte já convencera a maioria, os guardas trouxeram Sinon, um grego que fingia ter sido deixado para trás devido à inimizade com Ulisses, mas que na verdade fora por ele plantado como parte do plano. Sinon jurou tratar-se de uma oferenda genuína, feita pelos gregos em tamanho grande deliberadamente, para evitar que os troianos a introduzissem em sua cidade, o que significaria vitória final de Troia.

O resto da história é conhecido. Entorpecidos pelo vinho, os troianos foram dormir, Sinon libertou Ulisses e seus companheiros de dentro do cavalo, os gregos caíram sobre o inimigo adormecido e a matança correu solta. Troia foi saqueada e ficou em ruínas. Laocoonte acabou fatalmente punido por ter percebido a verdade, fazendo advertências a propósito.

Desde então não foram poucos os casos em que certos grupos fizeram oferendas sedutoras aos seus inimigos, enquanto os que alertavam para o perigo acabavam desacreditados ou mesmo ridicularizados.

Deixando Homero para trás e chegando ao presente, temos uma oferenda por parte do PT ao “mercado”, visto muitas vezes como seu inimigo. O governo Dilma acena com mudança de rumo na condução da economia, e indica inclusive um “fiscalista” ortodoxo para o Ministério da Fazenda, um doutor em Chicago, para desespero da turma da Unicamp. Joaquim Levy é a garantia de que a presidente se convenceu de seus equívocos e decidiu mudar, querem acreditar muitos investidores.

Leia mais aqui.

O segredo de Dirceu

Dirceu, o empresário de sucesso. Fonte: GLOBO

Calma, caros leitores, não farei aqui nenhuma revelação chocante sobre o mensalão, sobre o petrolão ou sobre a morte de Celso Daniel. O tema aqui é sobre negócios, mais especificamente o sucesso empresarial de Dirceu. Documentos da Operação Lava Jato revelaramque José Dirceu recebeu quase um milhão de reais da empreiteira Camargo Corrêa, prestando serviço de consultoria:

Assinado em 21 de fevereiro de 2010, o contato previa prestação de consultoria na “integração dos países da América do Sul” e análise de aspectos sociológicos e políticos do Brasil. Segundo o contrato, Dirceu deveria ainda divulgar o nome da empresa dentro e fora do Brasil, ministrar palestras e participar de conferências, além de estar à disposição da empreiteira sempre que solicitado para os serviços mencionados. O contrato, marcado como sigiloso, previa o pagamento de R$ 75 mil por mês. Os comprovantes apreendidos mostram que a JD Assessoria recebeu R$ 886,5 mil. O primeiro pagamento foi retroativo, equivalente a três meses de consultoria.

A firma de consultoria de Dirceu é um estrondoso sucesso. O ex-ministro já era consultor em 2008, e três anos depois de cassado tinha ao menos 15 clientes no Brasil e no exterior. Carlos Slim, o homem mais rico do mundo e empresário que quase não tem ligação com governos, era um dos clientes. O mexicano não ficou bilionário à toa: sabe reconhecer um talento nato, e aposta pesado na meritocracia.

Outro que contratou a peso de ouro os serviços de Dirceu foi Eike Batista. Foi na época em que teve problemas na Bolívia, pois Evo Morales queria tomar seus ativos por lá. O empresário do grupo X viu em Dirceu a capacidade de persuasão de que precisava, e resolveu bancar os R$ 70 mil mensais cobrados pelo petista.

Não conseguiu resolver o imbróglio, mas foi pura falta de sorte. Seu mapa astral mostrou que vivia em seu inferno astral, e uma “filósofa” apontou para a direção errada do sol no logo de sua empresa. Estava explicado o fracasso, que isentava o consultor de qualquer responsabilidade.

Otávio Cabral, em sua biografia sobre Dirceu, mostra que a consultoria amealhou ao menos R$ 40 milhões de faturamento em contratos com grandes grupos. Outros petistas poderosos se deram bem com consultorias também, como Palocci e Pimentel, mas nada perto da magnitude de Dirceu. Qual seu segrego?

Os jovens empreendedores leem muitos livros de autoajuda empresarial, ou de análises históricas dos casos de sucesso, como os bons livros de Jim Collins. Mas esqueçam isso! O meteórico sucesso de Dirceu coloca todos os demais casos como insignificantes. É Dirceu quem deveria escrever um livro sobre o xis da questão.

Mas vou ser legal com o leitor e lhe poupar o esforço de tentar descobrir que segredo é esse, até porque Dirceu tem usado o tempo na Papuda para ler e não escrever os seus “cadernos do cárcere”, como poderia fazer inspirado no guru Gramsci. Atenção, pois vou revelar agora o segredo empresarial de Zé Dirceu!

O amor pelos pobres. Isso mesmo! Vários consultores se digladiam no mercado competitivo, tentam conquistar bons clientes, cair nas graças das empresas grandes, mas não conseguem. E Dirceu fecha contratos com enorme facilidade. Pois ama os mais pobres!

Os petistas ainda o tratam como um herói nacional injustiçado, e a própria presidente Dilma não respondeu quando foi perguntada sobre o que achava da condenação do companheiro. Claro, em época de eleição não pegaria bem dizer a verdade: Dilma também admira Dirceu. Ele jamais foi expulso do PT, afinal de contas, o que demonstra que todos que continuaram no partido são solidários ao camarada.

Qualquer um que critique o ex-ministro petista o faz por pura inveja. Lamenta o fato de não conseguir clientes tão bons por mérito próprio ou talento, como faz Dirceu. Diz que não se trata de um consultor, e sim de um lobista, mas é pura intriga da oposição. Dirceu ganha milhões porque ama os pobres! Todo petista adora os mais pobres, eis a verdade que os “coxinhas” ignoram.

Querem outro exemplo? Leonardo Sakamoto, brilhante  jornalista, aquele que culpa o rico por ser assaltado, pois quem mandou usar coisas boas em um país desigual como o Brasil?, faturoumais de um milhão em sua ONG no ano. O rapaz trilha o caminho do sucesso. Inspira-se no mestre Dirceu: ama os pobres como a si mesmo.

Portanto, estimados leitores, fica aqui a dica para quem quer acumular fortuna: é preciso ser abnegado, altruísta, igualitário, desprezar a ganância dos capitalistas, rejeitar o lucro, odiar os banqueiros, e acima de tudo, amar muito os pobres. Ou seja, é preciso ser um petista. Assim se chega mais rápido aos milhões na era do lulopetismo…

PS: Viram só? Dessa vez nem precisei alertar que era ironia no primeiro parágrafo. Bastou marcar como humor o texto, que até os petistas sacaram o sarcasmo. Até os petistas…

Rodrigo Constantino

 

 

A Lei de Responsabilidade Orçamentária de Dilma: o fim da República

Por Flavio Morgenstern, publicado noInstituto Liberal

Dilma Rousseff não conseguiu atingir a meta de superávit primário e, para não ser punida, mandou uma ordem de cima através de seu partido para que a Lei de Responsabilidade Fiscal fosse modificada – não apenas isso, mas que a mudança retroagisse, transformando o seu crime de responsabilidade em algo normal.

A manobra jurídica é tão absolutamente absurda que nem mesmo os mais ferozes porta-vozes do PT para a sociedade e a militância, os relações públicas travestidos de jornalistas na grande mídia e na internet, ousaram defende-la. Preferiram um cúmplice silêncio. Dilma, reprovada em matemática, apenas abaixou a média para 2.

Contudo, há algo muito mais sério em discussão. Algo que exige um retorno à ciência política mais antiga.

O PT destruiu o restolho de república possível no Brasil. A coisa é infinitamente mais séria do que parece. A república, res publica, é o regime do cuidado com a coisa (res) pública. É disso que os romanos tanto se orgulhavam, ostentando orgulhosamente o emblema SPQR – Senatus Populusque Romanus, o Senado e o Povo de Roma – onde quer que fossem – e tal sigla pode ser vista ainda hoje até nos bueiros da cidade. O Senado é a reunião pública dos altos cidadãos, e o povo se sente protegido por ter um Senado que lhe garanta leis.

É fácil, então, supor que qualquer país com leis seja uma “República”. Leis existem em praticamente qualquer comunidade, mas uma República de fato possui leis para o cuidado com a coisa pública.

Em Roma, era impossível usar fundos públicos para causas pessoais como se dava no Império. A lei era voltada para o povo (e usualmente até a plebe se beneficiava das leis republicanas), e não para proteção dos senadores. Eles, que tinham de ter honra para serem ostentados no mote SPQR, protegiam a República – não era a República que tinha leis para protege-los do povo.

A República, uma tecnologia mais avançada do que formas anteriores de governo, não funcionava pela força maior. Era o governo do povo, mas não o governo da maioria: não importe quantas pessoas decidam por matar alguém sem julgamento, há uma lei pública que proíbe o assassinato, e esta lei é catedrática, imutável – não é modificada nem com maioria de votos no Senado.

Esta República é tradução do grego Politéia, algo como “direito dos cidadãos”. É uma forma de governo baseada em uma espécie de Constituição, mas não de leis apenas escritas – também de regras de conduta, tradições, usos e costumes para manter a sociedade em ordem.

Diferentemente da monarquia (governo de um) e da aristocracia (governo de poucos), a República é debatida por todos os que tenham direito à cidadania.

É oposta a uma forma denegrida de governo de multidões, a democratia (poder do povo comum). Apesar da acepção positiva que o termo “democracia” ganhou, sobretudo a partir do Iluminismo, por mais de 20 séculos seu sentido foi oposto ao da lei pública: trata-se apenas da ditadura da maioria, em que qualquer coisa proposta por uma maioria de 50% de votos mais 1, torna-se lei – mesmo que atente contra tradições, costumes, torre todo o Tesouro público, seja imoral ou que nem todos os que tivessem direito de voto de fato votassem.

A República é o terreno da lei, a Democracia o terreno da maioria. Na primeira vemos representados, modernamente, países como Suíça, América, Israel, Alemanha ou, de forma curiosa, mesmo uma monarquia parlamentar como a britânica. Na segunda, a mentalidade do bolivarianismo venezuelano se espalhando pela América Latina através do Foro de São Paulo, o Irã (que se autodenomina “República Islâmica”), a Rússia sob Putin, o califado islâmico com suas leis anti-semitas e contrárias à apostasia, a mobilização black bloc, do Occupy ou das revoluções de momento.

E, mais oficialmente do que nunca, o Brasil.

Sob o PT, agravando-se ainda mais com Dilma Rousseff, a democracia brasileira (que também se auto-denomina uma “República Democrática”, desconhecendo o sentido canônico de ambos os termos) avançou a passos largos rumo à ditadura da maioria.

A presidente Dilma não cumpriu uma das poucas leis republicanas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e alterou ad hoc esta lei tão somente para que esta passe a encarar seu crime de responsabilidade como um não-crime, retroagindo ex tunc para antes mesmo de tal lei ter sido modificada – e considerando assim que o crime de Dilma, cometido antes da modificação da lei, já seja encarado sob a luz da lei alterada.

Isto é o poder da maioria – conseguindo maioria de votos no Parlamento, Dilma pode malgastar a coisa pública – o dinheiro do contribuinte, sua moral, sua liberdade e seu futuro – e considerar-se lícita e legitimada, tão somente por ter “conquistado a maioria”.

Despiciendo lembrar que tal maioria foi “conquistada” com um pacotão legislativo ainda mais agressivo à res publica: o Planalto condicionou a liberação de R$ 444,7 milhões do nosso dinheiro em emendas parlamentares individuais, garantindo um aumento de R$ 747,5 mil a mais para cada um dos 513 deputados e 81 senadores.

Tradução: para encobrir um crime com o nosso dinheiro, a presidente exigiu que cada parlamentar modificasse a lei, prometendo ainda mais do nosso dinheiro para que cada um obtenha mais poder político em seus redutos eleitorais.

Há poucas leis versando sobre a coisa pública no Brasil. É o oposto perfeito da maior República consolidada do mundo moderno, a América, que consegue tal feito com uma população com 100 milhões a mais de habitantes do que a nossa.

A Constituição americana, o documento protetor da liberdade mais forte já escrito na História, é bastante curta, e continua funcional há mais de 200 anos. Entre outros tantos, suas emendas versam:

O Congresso não pode fazer lei estabelecendo uma religião oficial, ou proibindo o livre exercício de alguma; nem cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito de reunião pacífica, ou de petição ao Governo para reparação de injustiças.

O direito das pessoas de possuírem armas não pode ser infringido.

Nenhum soldado pode ser aquartelado em nenhuma casa em tempo de paz sem o consentimento do proprietário.

Etc etc. A Constituição da República americana, em resumo, proíbe o governo disso, impede o governo de restringir tal direito das pessoas, inibe o governo de tomar tal e qual medida que ferirá o ordenamento pacífico e a vida pública e privada das pessoas.

É o exato oposto do que Dilma faz. Tal diferença se vê no sentido de uma “prática republicana” e de uma mera “participação democrática”.

Ora, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, importada das Constituições francesa e alemã, já veio ao Brasil reduzida de sua função política, já que é arquitetada pelo Executivo central, e não pelo Legislativo (que, aqui, apenas a vota). Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, esta lei torna-se um instrumento estratégico para impedir que um governante malverse o dinheiro público a ponto de deixar o país na bancarrota. E até agora a imprensa não deu nome aos bois: Dilma quebrou o país.

É uma das poucas leis que, de uma forma ou de outra, aponta para uma responsabilidade pública perene, uma forma de agir que não deve ser discutida: quem promete uma meta com nosso dinheiro e não a cumpre deve ser punido. Mas, “democraticamente” (em sentido canônico, ou seja: através de uma maioria de votos), Dilma simplesmente transformou seu erro em lei.

Se o país sofre de uma forte crise de representatividade, tal se dá também porque os candidatos têm programa político antes mesmo de eleitos, e legalmente podem ser acionados por não cumprirem o que dizem. Todavia, o Brasil não é um país muito bem informado, e raríssimos são os que conhecem os programas de seus eleitos, ou de que tal mecanismo existe. Se as pessoas soubessem de fato o que é a mudança na LDO proposta por Dilma, o país inteiro estaria em guerra civil.

Urge notar, por fim, que qualquer lei também gera jurisprudência, ou seja, legitima atos futuros, inclusive de fazedores de leis. Apesar de nosso sistema jurídico não ser consuetudinário, ou baseado nos costumes, como o anglo-saxão, entre as fontes do Direito positivista brasileiro, além da lei, estão normas, costumes, doutrina e jurisprudência.

Isto quer dizer que se uma lei existe, mas um dia não foi cumprida e foi então simplesmente derrubada por maioria de votos no Congresso – mesmo que os votos tenham sido descaradamente comprados através de promessas de aumento de verbas eleitoreiras – qualquer outra lei, futuramente, poderá sofrer o mesmo.

Basta apenas apelar para o passado – se foi legítimo uma vez, será legítimo outras, a não ser com intervenção da oposição (que ainda não está tunada o suficiente) ou do Judiciário, que costuma precisar ser acionado para tal.

Se um crime fiscal pode se tornar não apenas legal, mas a própria lei através da compra de votos, qual será o próximo crime que se tornará não apenas norma implícita, mas norma legal no Brasil?

De corruptos e malversadores a assassinos e golpistas, o caminho está aberto para o Brasil viver sob o império da força bruta.

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Blog Rodrigo Constantino (VEJA)

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1 comentário

  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    O artigo “A lei de responsabilidade orçamentária de Dilma: O fim da República”, publicado por Rodrigo Constantino e escrito por Flávio Morgenstern é a melhor análise que li até agora sobre o crime cometido por Dilma, e que na ânsia de ser aprovado pelos parlamentares acabou por instituir através desse ato criminoso, outro, o emplacamento das máquinas agrícolas.

    Entre outras coisas pode-se ler isso, “A presidente Dilma não cumpriu uma das poucas leis republicanas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e alterou ad hoc esta lei tão somente para que esta passe a encarar seu crime de responsabilidade como um não-crime, retroagindo ex tunc para antes mesmo de tal lei ter sido modificada – e considerando assim que o crime de Dilma, cometido antes da modificação da lei, já seja encarado sob a luz da lei alterada,”

    É isso mesmo, não há nada mais a ser dito, é a própria desgraça instalada em nosso País, não importa o que digam nossos representantes, que já não apresentam sequer o mínimo resquício de vergonha.

    E isto, “Despiciendo lembrar que tal maioria foi “conquistada” com um pacotão legislativo ainda mais agressivo à res publica: o Planalto condicionou a liberação de R$ 444,7 milhões do nosso dinheiro em emendas parlamentares individuais, garantindo um aumento de R$ 747,5 mil a mais para cada um dos 513 deputados e 81 senadores.

    Tradução: para encobrir um crime com o nosso dinheiro, a presidente exigiu que cada parlamentar modificasse a lei, prometendo ainda mais do nosso dinheiro para que cada um obtenha mais poder político em seus redutos eleitorais.”

    Leiam amigos, é mais um excelente trabalho do instituto liberal, que quanto mais se aproximar da classe rural, mais próximo estará de uma militância forte e aguerrida.

    Encerro com as palavras do poeta grego Kostis Palamás, aos parlamentares da FPA que votaram a favor do crime de Dilma, “A verdade não é para escravos. O escravo já renunciou à liberdade da verdade, ao escolher o poder, a riqueza ou a fama para amo e senhor. A verdade é daqueles que nunca cessam de libertar-se da escravidão para a liberdade de uma verdade redentora”.

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