SERRA RECUPERA A DIANTEIRA. OU: NÓS E ELES

Publicado em 02/07/2010 18:20



Nova pesquisa Datafolha. O tucano José Serra aparece com 39% dos votos, e a petista Dilma Rousseff, com 37%. Este é o cenário com os chamados “nanicos”. Sem eles, está 38% a 39% para o tucano. Ocorre que os ditos nanicos disputam. Logo, a diferença que vale é a de dois pontos percentuais. No segundo turno, a distância se mantém: ambos ganham oito pontos: ele salta para 47%; ela, para 45%.

Fico particularmente feliz com o resultado na pesquisa Datafolha. Não porque Serra aparece na frente — e isso não me entristece de maneira nenhuma! A minha felicidade é profissional. Reforça os laços de honestidade intelectual que mantenho com vocês. Como sempre lhes digo, não vendo esperanças vãs ou catástrofes; não confundo análise com torcida. Atenção, leitores! Na semana em que havia a expectativa de uma recuperação de Serra, o Ibope apontou Dilma está na frente. Na semana em que a imprensa matou a candidatura tucana, o Datafolha apontou Serra com dois pontos de vantagem. Por que então aquela tal felicidade particular? Porque, na segunda-feira, dia 28, escrevi aqui um texto intituladoA ciência das previsões, a política e sentando na cadeira antes da hora. Observava então:

“Eu (…) prefiro lembrar que o potencial de transferência de votos de Lula está chegando ao fim - se é que não chegou, e a situação está longe de ser desesperadora para Serra. Empresas, entidades, sindicatos, partidos, toda essa gente vive monitorando a vontade do eleitor. E sabe - a começar dos petistas - que o tucano pode aparecer na frente aqui e ali. O DEM também não ignora esse fato, ou esse imbróglio todo seria, alem de desagradável, imotivado.
Mas você acha que dá para Serra ganhar?” Eu acho que é POSSÍVEL ganhar porque a história não caminha em trilhos, como alguns fazem crer.
(…)
Há os marcos com que se tenta aprisionar a história numa cadeia de previsibilidades. Mas convém não fazer de conta que já se conseguiu domesticar o imponderável, como se ele dormisse, feito a Pipoca, lá na área de serviço.
Não confundam o entusiasmo de alguns com realismo; não confundam a prudência de outros com esperanças vãs.”

Esse meu texto foi escrito na madrugada de domingo para segunda. O Datafolha nem tinha ido a campo ainda, creio.

Os colunistas isentos e especialistas passaram a semana fazendo as exéquias da candidatura tucana. Clóvis Rossi, na Folha, deixou claro que, se Serra seguisse o seu conselho, nem mesmo teria saído candidato: entregava logo a rapadura para Dilma. Ele estava bravíssimo com a indicação do deputado Índio da Costa (DEM-RJ) para vice. Uma das diferenças entre mim e eles: não confundo fatores que indicam favoritismo com escolha do eleitor; não uso uma pretensa ciência para fazer previsões. Quando muito, elas servem para fazer diagnóstico. E podem ser usadas como elementos de politicagem e manipulação. Já chego lá.

O Estadão, por exemplo, tem um “jornalista especializado no uso de estatísticas”. Não sei como se especializou, mas acredito nele. José Roberto Toledo escreveu no dia 30, anteontem, um texto que analisava a pesquisa Vox Populi em que Serra aparecia com 35%, e Dilma, com 40%. No segundo turno, 44% a 40% para ela — o Ibope de uma semana antes apontava uma diferença de sete pontos. Toledo, depois de pintar o quadro dramático da semana, afirmou que Serra poderia até comemorar — um sinal de que o analista apostava num cenário pior. Aposta da qual não se divorciou, não. Escreveu lá:
“Nesse cenário, a pesquisa Vox Populi pode até ser comemorada pelos tucanos.Mas por pouco tempo. Duas novas sondagens, uma do Ibope e outra do Datafolha, devem sair até o fim da semana.

No dia seguinte, como sabemos agora, o Datafolha mostrou Serra na frente. Eu não sou especializado no uso de estatísticas. Não sou especializado em nada. Apenas gosto do sentido das palavras. Toledo achava que Serra poderia comemorar o resultado nem tão ruim “por pouco tempo” porque viriam Datafolha e Ibope. Se uma diferença de cinco no Vox Populi era motivo de uma curta comemoração, o especialista anteviu um resultado ainda pior no Datafolha, certo? Como ele é “especializado no uso de estatísticas”, o leitor deve acreditar que não pratica chute, mas ciência.

Está na hora de contratar jornalistas especializados também no uso da prudência.

A “ciência” das pesquisas está sendo miseravelmente distorcida em favor de uma tese. Estamos com um fenômeno parecido com o do aquecimento global. Não que ele não exista — assim como existem os fatores favoráveis a Dilma, de todos conhecido: economia em crescimento, popularidade de Lula, uso abusivo da máquina (um presidente multado sete vezes pelo tribunal que cuida das eleições é, por si, um escândalo). O problema é transformar esses fatores numa bola de cristal, determinando o que vai fazer o eleitor. Assim como determinam o comportamento na natureza no ano 2397…

Fui ontem ao programa “Entre Aspas”, da GloboNews, comandado por Monica Waldvogel. Paulo Moreira Leite era meu colega de bate-papo. Afirmei acreditar naquilo que escrevera na SEGUNDA-FEIRA: Serra poderia estar se recuperando, e o tsunami que colheu sua candidatura era um fenômeno mais presente  no jornalismo que cobre política — e em sua caixa de ressonância na Internet — do que propriamente no eleitorado. Isso não quer dizer que o “casamento” entre PSDB e DEM não tenha vivido momentos dramáticos. Mas boa parte do barulho se deve ao trabalho não propriamente da cobertura política, e sim de uma prática similar à dos alcoviteiros, que ficam fazendo o tráfego — em alguns casos, é tráfico mesmo! — de fofoca.

A leitura da Folha
Eu continuo sem saber quem vai ganhar as eleições. “Eles” sabem. E, porque sabem, dão um jeito de ajustar seus critérios segundo os número da hora e  a “lógica” de sempre.

Manchete e texto da Folha de hoje, por exemplo, informam que “Serra e Dilma mantêm empate”. A Folha tem uma explicação técnica: compara o Datafolha de agora com o Datafolha de há um mês, quando os dois apareciam com 37%, rigorosamente juntos também no segundo turno: 42%.

Seria perfeito se o jornal não tivesse dado grande destaque à vantagem de Dilma no Ibope, em que o tucano aparecia cinco pontos atrás no primeiro turno e SETE no segundo: 38% a 45%. Ora, a Folha — e demais jornais — usaram o Ibope para demonstrar que havia um processo contínuo de desidratação da candidatura tucana.

Encerro com uma pergunta que não tem alcance filosófico, existencial ou moral. É só uma pergunta jornalística:
Se o jornal usa o instituto alheio para provar a desidratação de uma candidatura, por que não usa o próprio instituto para provar a sua recuperação?

O NOVO BICHO-PAPÃO

Os que não se conformam com o fato de que Serra tenha voltado a liderar no Datafolha — está para sair um novo Ibope — darão um jeito de provar que isso é temporário, uma vez que permanente é a certeza que eles têm de que Dilma já ganhou. E lembrarão o de sempre: Lula, a economia, Lula, a estabilidade, Lula, o tempo no horário eleitoral, Lula, Lula, Lula outra vez…

O monstro da hora é o tempo na TV: o dela será muito superior ao dele. E se dá de barato que isso será avassalador. O equilíbrio seria melhor para o tucano? Tendo a achar que sim. Um tempo muito curto torna quase inócuo o trabalho na TV? Sim. Mas não será o caso.

Entram aí as lateralidades que podem saltar para o centro da conversa a depender do andamento das coisas — é o tal imponderável. Tempo muito longo ajuda sempre, mesmo com o profissionalismo petista? Não sei! Pode encher o saco! Não há contra-ataque possível à onipresença de Lula na campanha de Dilma. Tendo a achar que há limites para a tutela.

Há ainda uma outra consideração: quando começar o horário eleitoral, ainda que Serra venha a ter quase a metade do tempo de Dilma, a verdade é que ele estará aumentando a sua exposição. Porque a dela, indiretamente, já é avassaladora. A publicidade do governo e a publicidade das estatais fazem, hoje, campanha eleitoral escancarada. O fato de o Ministério Público Eleitoral não ter se interessado pelo assunto, máxima vênia, depõe contra o espírito vigilante deste órgão.

NÃO! Não faço previsões. Só estou dando algumas dicas para aumentar a prudência. Seria conveniente que os “analistas” aumentassem um pouquinho a sua margem de dúvidas, deixando para os institutos de pesquisa a margem de erro.

UM BOM TEXTO DE ANÁLISE DA PESQUISA DATAFOLHA NA… FOLHA!

A Folha de S. Paulo publicou um bom texto de análise da pesquisa Datafolha. Foi escrito por Vinicius Mota, secretário de redação. Acho que já peguei no pé dele aqui. Não lembro. Pego no pé de tanta gente! É provável que não goste muito de mim — a exemplo de muitos. Não ligo, como sabem. Quando gosto, digo “gosto”; quando não, “não”. É uma regra simples.

Publico abaixo seu texto (em azul). O mérito do artigo é tentar entender o que está em curso, sem o determinismo idiota, econômico-lulista, que tem tomado conta do debate, conforme venho apontando aqui. A Folha tem recorrido aos chamados textos de “análise”. Raramente tem produzido algo que não seja “opinião”. Opinião não é nem melhor nem pior do que análise: só é outra coisa.

E ele pode ficar tranqüilo. Prometo não tornar o elogio freqüente ainda que ele venha a merecê-lo outras vezes. Eu o protegerei, doravante, dos “isentos” de um lado só, hehe. Até porque tenho uma crítica clara à edição. Tudo bem afirmar que o empate continua, comparando Datafolha com Datafolha. Mas o mesmo jornal usava o Ibope para evidenciar a suposta desidratação da candidatura tucana até ontem. Verdade ou mentira? Deveria ter usado pesquisa do seu próprio instituto para indicar, então, a recuperação. É lógica elementar. Se ela é traída, há algo de errado.

Ainda que Vinicius dispense meu elogio, sabe que não pode ignorar a crítica. Quem escreve a análise que ele escreveu tem como fazer a coisa certa. É só querer.

*

O jogo da sucessão ainda não está jogado
Ao final de 2010, a atividade econômica ao longo do segundo mandato de Lula terá crescido, em média, perto de 4,5%ao ano, cifra que cai para 4%, considerados os oito anos. Desde a ditadura militar -no quarto de século até 1980, o Brasil cresceu 7,5% ao ano- não se registra resultado tão positivo. Quanto menor a renda, mais depressa ela cresce, o que diminui a desigualdade de salários.

A recente Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, mostrou que a pobreza é menor que se imaginava. Há uma geração não se vê taxa de desemprego, em torno de 7%, tão baixa. A popularidade do presidente da República bateu novo recorde de alta.

Se imperasse o determinismo econômico em eleição, era de esperar que a candidata da situação estivesse a ponto de liquidar a fatura no primeiro turno.Mas, a 94 dias do pleito, Dilma Rousseff continua empatada com José Serra.

As eleições de 2002 e de 2006 mostraram a dificuldade de ocorrerem lavadas na eleição presidencial brasileira.

Nos dois pleitos- em ambos as chamadas condições objetivas favoreciam Lula-, o tucano derrotado teve pouco menos de 40% dos votos válidos no segundo turno. Serra é competitivo porque mantém frente de 11 pontos percentuais no Sudeste, na hipótese de segundo turno contra Dilma. Em 2006, Lula bateu Geraldo Alckmin por 14 pontos na região.

Serra também supera o desempenho de Alckmin no Nordeste. Tem 35% (39%, desprezadas intenções de voto em branco, nulo e indecisos), contra 54% (ou 61%, fazendo a mesma subtração) da petista.

No 2º turno de 2006, o candidato tucano obteve apenas 23 de cada 100 votos válidos nordestinos. É muito mais difícil explicar o fenômeno sociológico que sustenta uma divisão quase ao meio do eleitorado brasileiro.

Circulou, faz pouco tempo, a tese de que os petistas souberam cativar um certo conservadorismo das classes populares que iam ganhando poder de consumo -e isso teria desequilibrado a balança o suficiente para reeleger Lula.

Não terá, contudo, esse ganho de status recente operado uma certa “sudestização” de todo o eleitorado brasileiro?

Quando as necessidades mais básicas da maioria das famílias deixam aos poucos de ser um tema central, não terá a disputa eleitoral mudado de parâmetros? Aspectos como os valores (culturais, morais, sociais) não passariam a ter mais relevo?

Não sabemos. Sabemos apenas que o jogo que vai definir o sucessor de Lula, apesar da impressionante maré favorável da economia, não está jogado.

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Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo (veja.com

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