O PROGRAMA DOS SOCIALISTAS TEM A RUBRICA DE DILMA; O DAS SOCIALITES NÃO TEM

Publicado em 06/07/2010 08:56

Ontem, vocês acompanharam, deu-se algo realmente notável. O PT apresentou dois programas de governo, o dos socialistas e o das socialites, como classifiquei aqui; um com o boné do MST, e outro sem. As respectivas versões online dos jornais — onde, parece, os hooligans têm um poder imenso — fizeram direitinho o trabalho de assessoria de imprensa para o PT. Falou-se em “troca”, “confusão” e “equívoco”. Só não se informou o óbvio: o primeiro programa do partido era mesmo aquele “radical”, que incorporava as diretrizes do “Programa Nacional-Socialista dos Direitos Humanos” e as teses da Confecom (Conferência de Comunicação), comandada por Franklin Martins. No programa real, o partido manifesta a intenção de criar mecanismos de audiência pública com os invasores de propriedade antes de um juiz determinar a reintegração de posse e prega abertamente o controle social dos meios de comunicação. A prova de que era aquele o programa real está no fato de que só ele leva a rubrica da candidata petista Dilma Rousseff, conforme se pode ver abaixo.

O assunto corria solto nos blogs. O programa estava lá no TSE, com link tornado disponível pelo próprio tribunal. Aquele era o programa do PT. Mas não se conseguia ler uma linha nos portais dos jornais. Dedicavam seu tempo ao “gravíssimo” crime eleitoral de Indio da Costa, vice do tucano José Serra, que escreveu uma mensagem a um leitor no seu Twitter dizendo que contava com o seu voto. Nunca antes na história destepaiz um candidato havia feito coisa tão grave em seu perfil… De fato, o que é a relativização do direito à propriedade ou a criação de mecanismos de censura perto dessa flechada na lei e da ordem dada por Indio da Costa? Ora, nada!

Horas depois, o PT decidiu, então, substituir aquele documento por um outro, sem as chamadas teses polêmicas. E nada! O jornalismo online resistia bravamente! Aquele havia se tornado um não-assunto. Quando, finalmente, a questão foi abordada, falou-se, então, em “troca”, “confusão” e “equívoco” contra a evidência dos fatos. E a maior delas fala por si mesmo: um documento tem a rubrica de Dilma, o outro não tem. Um documento foi previamente preparado pelo PT; o outro teve se ser arranjado às pressas, provavelmente rubricado por advogados, para cumprir a determinação legal. Um documento é aquele em que o PT pensa, reflete, planeja — é o radical; o outro é redigido para não assustar; serve para chás amistosos com socialites.

Aqui e ali, diz-se:  “Ah, os blogs não são de nada; os blogs são apenas um subproduto do jornalismo praticado pelos grandes veículos”. Os fatos provam que as coisas não são bem assim. As respectivas versões impressas da Folha, do Globo e do Estadão trazem a informação correta. Será que o leitor do papel tem mais apreço pela precisão do que aquele que está diante do computador? A Folha, diga-se, avança na apuração e informa:
A Folha apurou, porém, que uma ala da campanha optou deliberadamente por apresentar como programa de Dilma o texto aprovado no congresso do partido, em fevereiro, com concessões às alas mais à esquerda.
Era, afinal, o que aqui se sustentava desde o primeiro momento: não se tratava de equívoco coisa nenhuma, mas de uma escolha. Escreve ainda o jornal:
No início da noite, o secretário de comunicação do partido, André Vargas (PR), ainda sustentava que a decisão de apresentar o texto foi da coordenação da campanha.
“Não há problema em ter pontos polêmicos nele. Nós somos polêmicos. Isso não é problema, é qualidade. Agora, é um texto provisório que vai ser sempre discutido.”

Como se vê, os que me acusaram de ter forçado a barra ao sustentar que aquele era o documento que o PT realmente havia preparado para o TSE estão sendo desautorizados por um dirigente do próprio partido — não o tivessem sido já pela rubrica de Dilma.

Jornalismo online - uma hipótese
Mas, afinal, que diabos se passa, então, com essas versões online dos jornais? Sei lá. Tenho uma hipótese. Estão todos hoje em dia, políticos e jornalistas, atuando nas chamadas “redes sociais”, que se transformam numa algaravia de versões, avaliações, provocações, palavras de ordem. E tudo na velocidade vertiginosa dos menos de 200 toques. Estamos vivendo a fase do “jornalismo-torpedo”.

“Olhem quem fala… Você está na Internet, Reinaldo!”. É verdade. E até no Twitter, prestes a chegar a 10 mil seguidores — 4 mil e poucos acrescidos em 10 dias. Mas, convenham!, eu produzo verdadeiros tijolaços e costumo dar muito pouca bola para correntes de opinião. O que estou tentando dizer é que o jornalismo online pode estar sendo exercido sob uma intensa patrulha, que quase impede o pensamento, tais e tantas são as correntes organizadas para fazer prevalecer esta ou aquela versão.

Qualquer modalidade de jornalismo — informativo, analítico, opinativo — se faz com fatos. Mas não existe jornalismo de modalidade nenhuma sem um conjunto de valores. O exemplo caro que tenho cá comigo é justamente o Programa Nacional-Socialista de Direitos Humanos, base do verdadeiro programa entregue por Dilma, aquele rubricado.

Muita gente havia lido aquilo e achado tudo normal. Quem viu anormalidade na extinção da propriedade privada, na perseguição aos crucifixos, no aborto como um direito humano e no controle dos meios de comunicação fui eu. Não basta, pois, ter o fato na mão. É preciso mais:
- o jornalista que só noticia precisa considerar que a ocorrência é notícia;
- o que se dedica à análise precisa considerar que o fato é digno de ser visto nos detalhes;
- o que se dedica à opinião precisa sentir no acontecido o cheiro da divergência.
Sem isso, esqueçam! O sujeito pode estar vivendo um grande momento histórico sem se dar conta — citei aqui outro dia, a propósito, o romance A Cartuxa de Parma, de Stendhal.

Pois bem… Essa velocidade excessiva, com patrulha para todo lado, talvez leve a uma diluição ou relativização de valores. O sujeito pode se sentir perdido, bombardeado o tempo todo por versões as mais conflitantes. E há, obviamente, os alinhamentos que pré-existem a essa coisa toda, que são de natureza ideológica mesmo. Quantos são aqueles que acham realmente absurdas as propostas contidas naquele programa rubricado pela candidata Dilma Rousseff? Infelizmente, não são tantos assim.

Encerrando
Quanto ao documento, dizer o quê? Os petistas tentaram avançar naquelas teses  nos oito anos do governo Lula. Não conseguiram. O texto deixa claro que não vão desistir.  Perceberam que não seria um bom documento para ajudar a ganhar as eleições. A questão é saber se consideram um bom documento para governar. E, está claro, eles consideram!

Caso Dilma seja eleita, os que estão na mira do programa petista não aleguem ignorância. Não terá sido por falta de aviso. Ela bem que está avisando e rubricando!

A BENEVOLÊNCIA DA IMPRENSA COM O DOCUMENTO SECTÁRIO DO PT: MAIS DOIS CASOS

É, leitor… Abaixo, seguem textos do Portal G1 e do Estadão Online sobre a confusão que o PT fez ontem com o programa de Dilma Rousseff protocolado no TSE.  Como vocês vão ver, no Portal G1, o PT “trocou” as diretrizes. No Estadão Online, tudo não passou de uma “confusão” da equipe de apoio. Na Folha Online, tinha sido “equívoco”.

“Troca?”
“Confusão”?
“Equívoco”?

Fosse assim, constatado o “problema”, que já estava na Internet havia horas, bastaria pegar o novo arquivo e fazer a substituição. Ocorre que o PT só conseguiu entregar o novo documento 12 minutos antes da hora final.

O partido transformou tudo numa mera confusão, conseguiu vender a sua versão, e ficou por isso mesmo. Num dos posts abaixo, publico link dos dois documentos. É visível que o segundo não passa de um arranjo, feito às pressas.

Para registro:
A notícia da Folha é das 19h59; a do G1, das 20h55, e do Estadão, das 21h59.

No Portal G1, a notícia foi dada assim:
Campanha de Dilma ameniza o tom em programa de governo entregue ao TSE

A campanha da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff,trocou as diretrizes para o programa de governo que haviam sido protocoladas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta segunda-feira (5).
A coordenação da campanha havia protocolado o programa do partido aprovado em congresso no mês de fevereiro. O documento previa mais impostos para fortunas, fim da criminalização de movimentos sociais; maior controle sobre a mídia; e confirmava apoio à jornada de trabalho de 40 horas sem redução de salários.
A assessoria da campanha disse que, “por equívoco”, foi entregue o programa errado. O texto das novas diretrizes, disponíveis no site da campanha, é basicamente o mesmo, mas com diferenças significativas de tom. Alguns pontos considerados polêmicos foram excluídos e frases mais críticas, alteradas.
Por meio da assessoria, o TSE confirmou que foi entregue um novo documento.

No Estadão Online, assim:
Dilma apresenta ao TSE programa de governo radical e depois recua

Uma confusão da equipe de apoio da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, fez com que fosse registrado nesta segunda-feira, 5, no Tribunal Superior Eleitoral, um resumo errado de seu programa de governo. O documento entregue originalmente trazia a defesa de propostas polêmicas, como controle de mídia, taxação de grandes fortunas e a revogação do ato de governo que retira da lista de assentados aqueles que participarem de invasões de terra. No início da noite, o advogado da campanha, Sidnei Neves, foi ao TSE para trocar o documento, substituindo-o por outro sem as ideias controvertidas.
A proposta foi apresentada ao TSE para cumprir uma exigência da Justiça Eleitoral que cobra dos candidatos à Presidência um resumo do programa de governo. A campanha de Dilma enviou ao tribunal um documento com diretrizes básicas, aprovado em fevereiro pelo PT, quando foi lançada sua pré-candidatura.
O problema é que esse texto estava repleto de ideias defendidas pelos grupos mais radicais do partido e que foram aceitas durante essa reunião. Como seria homologado junto ao TSE, funcionaria como documento oficial e público sobre as principais linhas de atuação que seu eventual governo seguiria.
No caso da proposta sobre o controle de mídia, o primeiro documento repetia os pontos pregados pela Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e defendia controle de produção de conteúdo.
“Para isso, deve-se levar em conta as resoluções aprovadas pela 1.ª Confecom, promovida por iniciativa do governo federal, e que preveem, entre outras medidas, o estabelecimento de um novo parâmetro legal para as telecomunicações no País; a reativação do Conselho Nacional de Comunicação Social; o fim da propriedade cruzada; exigência de urna porcentagem de produção regional, de acordo com a Constituição Federal; proibição da sublocação de emissoras e horários; e direito de resposta coletivo”, pregava o documento.
O conceito desapareceu na nova versão, embora tenha sido mantida a crítica à existência de “monopólio e concentração dos meios de comunicação”.
Outras polêmicas .
O texto original também abria brecha para a interpretação de uma suposta defesa da legalização do aborto. De forma velada, o documento citava que “o Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres de tomarem suas próprias decisões em assuntos que afetam o seu corpo e a sua saúde”. E reforçava a referência logo em seguida, citando que “o governo do PT desenvolverá ações que assegurem autonomia das mulheres sobre seu corpo, qualidade de vida e de saúde em todas as fases de sua vida”. Ambas as citações sumiram no papel entregue à noite ao tribunal, sendo substituídas pela afirmação de que “o Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres ao aborto nos casos já estabelecidos pela legislação vigente, dentro de um conceito de saúde pública”.
O resumo do programa de governo manteve, porém, críticas feitas pelo PT ao governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, sucedido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. “Ao contrário daquela que Lula recebeu, a herança a ser transmitida à próxima presidenta será bendita. Essa herança oferece as bases para a formulação das propostas do Programa de Governo 2010. O que até agora foi feito dá credibilidade e garantia às Diretrizes que agora apresentamos.”

Encerro
Mais tarde volto ao assunto. Esse episódio, para mim, é um emblema desses dias.

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Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo (veja.com

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