A corrupção dos homens e a corrupção da sociedade, por Reinaldo Azevedo

Publicado em 02/09/2010 19:13


César separou-se de Pompéia, sua mulher, porque ela foi publicamente considerada culpada de uma ofensa religiosa — pesquisem —, embora ele soubesse, pessoalmente, que ela era inocente. Líder máximo de Roma (ainda era uma República; ele nunca foi imperador), a questão de estado se sobrepôs à pessoal. E então disparou a máxima, sempre muito citada: “À mulher de César não basta ser honesta; é preciso também parecer honesta”.

Pensemos a frase de César à luz — ou à escuridão — da atuação de Otácílio Cartaxo, secretário da Receita, e da corregedoria do órgão.

Alguém que age pensando nos interesses do Estado pode, o que deve ser terrível, ser compelido a tomar certas decisões — contra aliados e amigos — que, mesmo ferindo seu senso pessoal de justiça, concorrem para o equilíbrio da República. O desejável é que o  governante não seja levado a fazer tal escolha. Compelido a tanto, os honestos farão como César. Notem que, nesse caso, estamos diante de uma soma de atributos: o “parecer honesto” não contradiz o “ser honesto”.

Uma mentalidade, digamos, essencialista — coisa muito em voga em nosso tempo; vocês sabem, a turma do “self”… — logo indagaria: “Que importância tem o ‘parecer’? É o ’ser’ que importa”. Na vida pública, tal contradição é descabida. A verdade é tão importante quanto a aparência, daí a necessidade das regras do decoro, que buscam uniformizar a atuação dos homens públicos, lembrando aos cidadãos que os governantes zelam pela res publica. Notável desdita para o homem de estado, nesse caso, obrigado a ser injusto na esfera privada para garantir a justiça na esfera pública. Um governante honesto, assim, é sempre mais angustiado do que feliz.

A distorção populista
Pode-se submeter a máxima cesariana a uma distorção muito típica dos populistas — e de demagogos de um modo geral. Se pensassem a frase de César como um norte moral, encontrariam nela um excesso de rigor. A esquerda brasileira, por exemplo, e seus esbirros na imprensa diriam que há ali um excesso de moralismo; que a política, como arte dos cínicos, não pode ser, assim, tão justa; que a lambança é mesmo parte do jogo.

Nesse caso, o governante ainda conserva o senso do “decoro”, das necessidades da res publica, mas tende a considerar que ele é só o tributo que paga a virtude para que o vício possa ser exercido às escuras. A mensagem que esse governante passa aos seus poderia ser resumida assim: “A mulher de César até pode ser desonesta, mas não pode parecer desonesta”.

Esse norte instrui os mais diversos comportamentos. Governantes assim costumam ter os seus “operadores sujos”, que fazem “o necessário” (seja lá o que for). A regra de ouro é uma só: o público não pode ficar sabendo. Se a informação “vazar”, como se diz no jargão jornalístico, será preciso sacrificar o “operador”. Assim se conduziu, por exemplo, o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. A cúpula do PT que chegou ao poder com ele caiu — ao menos formalmente.

Pegue-se um exemplo: José Dirceu serviu Lula ao, segundo a Procuradoria Geral da República, chefiar a quadrilha do mensalão. O presidente e seus aliados estavam pouco se lixando se ele era honesto. Essa exigência não estava dada. Mas ele precisava parecer honesto.

A bandalheira
Pode acontecer, no entanto, de o governante viver naquele que é, para si mesmo, o melhor dos mundos — e o pior para a res publica. Nesse caso, os homens de estado não precisam nem ser nem parecer honestos. A corrupção do próprio caráter faz com que transformem o exercício do poder em fonte de satisfação pessoal e do grupo. Para que possam viver o poder como um festim, como celebração orgíaca da desordem, aí contam com a corrupção moral de setores importantes da própria sociedade.

Esse padrão define o segundo mandato de Lula. Otacílio Cartaxo não precisa seguir as regras estritas da Receita Federal, por exemplo. E não precisa nem mesmo fingir que as segue. Luiz Inácio Lula da Silva ignora as leis, faz chacota e vê exaltada a sua formidável habilidade política. Petistas não se indignam com a lambança de seus pares —  nem mesmo fingem que estão indignados. Setores importantes da imprensa acham irrelevantes os agravos à Constituição — nem mais executam a mímica da defesa do estado de direito.As sociedades que exigem ao menos o decoro dos seus governantes deixam claro que não aceitam ser cúmplices de crimes. As que passam a tomar a falta de decoro como evidência de esperteza e de habilidade política fazem um pacto com o desastre. Pode até tardar, mas vem.

Homem que violou sigilo de Verônica diz que pretende arrumar a vida com essa história. Agora, “só pagando”

Antônio Carlos Atella Ferreira, o sujeito que foi ao posto da Receita em Santo André com uma procuração falsa de Verônica Serra e que obteve lá documentos sigilosos que depois alimentaram a canalha dos dossiês, deu há pouco uma entrevista à CBN.

Bem, ele é quem é, como viram. E agora afirmou que quer se dar bem. Em entrevista à Folha, havia afirmado não se lembrar quem lhe fez a encomenda criminosa porque tem muitas agendas; afinal, diz, é um homem bem-sucedido.

Há pouco, na rádio, disse que pretende arrumar a vida com essa história. Se quiserem nomes, vão ter de pagar muito bem. Sim! É isso mesmo que vocês  leram. O cinismo não parou por aí. Falou à repórter que ela deveria se sentir “agraciada” porque aquela seria sua última entrevista gratuita.

Há um indício aí de que ele está recebendo ajuda “profissional”. A verdade interessa a que lado? À vítima — no caso, Verônica Serra. Os que faziam dossiês ilegais — os petistas da campanha de Dilma — preferem o imbróglio. Ora, o que quer que diga agora, por vontade própria,  para elucidar o caso pode ser considerado parte de um negócio. Numa democracia normal, apostaríamos no trabalho da Polícia Federal.

Por que um sujeito afronta com essa desfaçatez a lei — na verdade, a Constituição — e ainda faz chantagem à luz do dia? Certeza da impunidade! Digam-me:
- ele é diferente de Otacílio, o Cartaxo do PT, secretário da Receita?;
- ele é diferente da Corregedoria da Receita, que sabia, prova-o o Estadão, que tudo indicava um crime e, ainda assim, participou da pantomima com Cartaxo?;
- ele é diferente da candidata Dilma Rousseff, para quem tudo isso não passa de factóide?;
- ele é diferente dos dirigentes todos do PT, que dizem, cinicamente, ser este um “problema de Serra”?;
- ele é diferente de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, para quem tudo se resume ao crime de “falsidade ideológica”?;
- ele é diferente da cúpula do Ministério Público Federal, que assiste a um crime contra a Constituição e a cidadania e, mesmo tendo a prerrogativa de agir, se cala?;
- ele é diferente de alguns “colunistas” que, curiosamente, resolveram voltar suas baterias contra o PSDB; para os quais nada existe além de pesquisas de opinião, num esforço desesperado de guardar seu lugarzinho no coração daquele que já consideram o “futuro governo”?

Não! Ele é igual a toda essa gente. Tornou-se uma personagem desse tempo.

Mantega diz que Cartaxo fica. Ah, sim: Mantega também fica!

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse não “estar cogitando” demitir Otacílio Cartaxo, secretário da Receita. Entendo. Numa democracia convencional, o próprio Mantega, chefe do outro, estaria com o cargo em risco.

Só para que não reste a menor dúvida: fosse a Receita apenas um balcão de vender sigilos, Cartaxo já deveria estar na rua. Transformada em instrumento de luta polítco-partidária, sua demissão é imperiosa.

O post abaixo explica a fala de Mantega. Eles não precisam nem ser nem parecer.

Elio Gaspari está feliz: em matéria de ilegalidade, PT não distingue o Pereira do andar de cima do Pereira do andar de baixo

“Achamos que está se usando uma situação que em si é deplorável, que é a quebra de sigilos de várias pessoas, para tentar associar esse fato à nossa candidatura, no desespero eleitoral, no desespero daqueles que não tem argumentos, para enfrentar um processo eleitoral como esse. Nós somos os maiores interessados que essa apuração acabe logo. Aliás, foi o PT que pediu a investigação a PF”.

A fala é acima de José Eduardo Cardozo, secretário-geral do PT. Segundo ele, o PSDB quer ganhar no tapetão.  Entendo a indignação desse patriota. O sigilo fiscal de tucanos — entre eles, o do vice-presidente do partido — é quebrado. Jornalistas encontram os dados com petistas que fazem a campanha de Dilma.Digam-me: é ou não é um absurdo afirmar que o PT está metido na lambança? Onde já se viu?

O sigilo fiscal de Verônica, filha de Serra, tinha sido violado. Dados desse sigilo, distorcidos pela má fé, já circulavam em blogs financiados pelo governo federal, que servem ao PT e à candidatura de Dilma. Digam-me: é ou não é um absurdo afirmar que o PT está metido na lambança? Onde já se viu?

Assim, a indignação dos petistas, inclusive a de Dilma, é compreensível. É uma barbaridade que esses tucanos tenham seus direitos constitucionais violados, que o conteúdo das violações vá parar na mão do pessoal que serve à candidata do PT e que as vítimas, ainda por cima, reajam. Até parece que o PT não tem o direito de violar o sigilo de quem bem entender.

Ademais, o caso Francenildo deixa muito claro que o PT não distingue um “Pereira” do outro em matéria de quebra de sigilo. O partido é democrático nessas coisas: tanto viola o sigilo de Eduardo Jorge Caldas Pereira, um dos líderes da oposição, como o de Francenildo Pereira, um caseiro.

Elio Gaspari é que está feliz: em matéria de ilegalidade, o PT não distingue o Pereira do andar de cima do Pereira do andar de baixo. Sinal de que a particular leitura da luta de classes deste pensador rende frutos.  Um escriba é verdadeiramente influente quando, além de distorcer a história, distorce também o pensamento.

E o PT continua a anunciar processos em massa contra as vítimas. A lógica dos filosófos do andar de baixo é impecável — e agora pede um tratado redigido por Eremildo, o Idiota: tudo saindo como quer o PT, Serra acabaria na cadeia porque quebraram o sigilo fiscal de tucanos e de sua filha e porque estavam armando um dossiê contra ele. Acusação: ousar enfrentar o PT e o Elio Gaspari.

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Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo (veja.com

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1 comentário

  • wanderley sucigan Mongaguá - SP

    Em um artigo que está mais claro do que agua cristalina o que podemos comentar, NADA, apenas parodiar o mais novo FILÓSOFO BRASILEIRO ALI-BABA E seus 4.000-Lula da Silva:

    "NUNCA NA HISTÓRIA DESTE PAÍS TUDO FOI TÃO TRANSPARENTE"

    inclusive a corrupção,roubo,etc etc etc etc etc,,,,haja etc.......

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