Submeto o procurador-geral da República ao método socrático. No fim, deixo Sócrates de lado e vou de Reinaldo mesmo
Leiam o que informa Felipe Seligman na Folha Online. O texto revela um momento periclitante do estado de direito no Brasil. Volto em seguida.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou nesta quarta-feira que são “graves” as denúncias de prática de lobby pelo filho de Erenice Guerra (Casa Civil) Israel Guerra. Ele falou, no entanto, que ainda é “prematuro” ligar diretamente a ministra ao esquema. Gurgel pedirá ainda nesta quarta-feira para que a Polícia Federal envie tudo o que já reuniu de elementos no inquérito aberto para investigar o caso.
“As notícias apontam para fatos graves, mas não temos elemento nenhum ainda que aponte a responsabilidade, se envolve ou não envolve a ministra”, disse Roberto Gurgel. Ele afirma que, enquanto não houver indícios suficientes para dizer que Erenice Guerra participava do suposto esquema de lobby organizado por seu filho, o caso será investigado pela Procuradoria da República do Distrito Federal.
Para ele, o primeiro passo a ser tomado é ouvir todos aqueles que já foram citados em reportagens para que prestem depoimento. “Temos que fazer apuração preliminar dos fatos para ver se tem elementos mínimos que justifiquem que a ministra seja ouvida”, afirmou.
Roberto Gurgel também diz que o Ministério Público não será utilizado como instrumento eleitoral e que agirá com equilíbrio e imparcialidade. “O MP tem essa preocupação de não virar instrumento de campanha; falando bem claro: nem da campanha da ministra Dilma nem da campanha do governador Serra”, finalizou.
Voltei
Doutor Gurgel já estudou lógica? Um pouquinho ao menos. Vou provar, doutor, que o senhor acaba de transformar a Procuradoria-Geral da República num instrumento da campanha do PT. Eu sei que foi sem querer. Acontece! Pessoas podem fazer coisas gravíssimas sem intenção. O senhor me acompanhe.
É bobagem, o senhor há de convir, falar em “suposto lobby”. Não é suposto. É real! O rapaz recebeu por seu trabalho, o que a própria mãe admite, e nem empresa constituída legalmente para isso ele tinha — está no nome do irmão e da mãe quejeira de um amigo… Isso chama lobby. Israel não é ninguém. Não tem “influência” para traficar. Só pode “vender” a influência da mãe — que confessadamente esteve com Fábio Baracat, tudo por “pura amizade”. Coincidência das coincidências, foi Baracat quem pagou pelo serviço — aquele pagamento que Israel nega, admite, nega, admite…
O caso veio a público agora; poderia ter vindo antes. Quem acusa tentativa de exploração eleitoreira do escândalo é o PT. À Procuradoria-Geral cumpre fazer o seu trabalho. Quem está preocupado em “não ser instrumento” já é instrumento de quem dispõe de mais recursos para fazer valer a sua versão.
Digamos, doutor Gurgel — veja como usarei com o senhor a maiêutica, para que encontre a verdade em si mesmo, como Sócrates fazia com seus alunos — que, ao cumprir a tarefa que lhe cabe, a Procuradoria acabasse ajudando a campanha de Serra; nessa hipótese, doutor, o órgão teria se transformado num “instrumento” tucano? Caso o senhor responda que “sim”, entenderei que tomará as providências para que isso não ocorra. Ao fazê-lo, este Sócrates de Higienópolis o convida a pensar se o senhor não estaria deixando de fazer o que lhe cabe (para não prejudicar um dos lados), o que, segundo o seu mesmo critério, acabaria, então, beneficiando o outro.
E agora, doutor, farei o que Sócrates não faria e chegarei eu mesmo à conclusão, como um Reinaldo mesmo: nessa hipótese, Serra só seria um potencial beneficiado se o senhor fizesse o que deve, e o PT só ganharia se o senhor deixasse de fazê-lo. A conclusão é minha, doutor, mas o raciocínio é seu.
Mas a gente pode deixar a filosofia de lado para se ater aos princípios da moralidade do serviço público. Não lhe cabe ajustar a sua conduta segundo o calendário eleitoral, não é mesmo? Sei que o senhor concorda comigo. A simples especulação a respeito cheira mal.
Se há coisa que não pode assombrar um Procurador-Geral da República é a patrulha eleitoral. Eu tenho a certeza de que o senhor optará por cumprir a lei em vez de administrá-la.