O chefe supremo e a Casa Vil

Publicado em 19/09/2010 18:37

O chefe supremo e a Casa Vil

Outra vez depois do almoço, sempre suando a camisa num palanque a muitas léguas do local do emprego, o presidente Lula incorporou neste sábado o companheiro Hugo Chávez e, em mau português, sucumbiu a outro  surto de autoritarismo bolivariano: “Nós não precisamos de formadores de opinião, nós somos a opinião pública”, exaltou-se no comício em Campinas, consumido em desatinos contra a imprensa independente. Estava especialmente irritado com a reportagem de capa de VEJA, mas evitou identificar o alvo com todas as letras. Se o fizesse, teria de dizer alguma coisa sobre o que a revista descobriu e divulgou.

Como José Dirceu na segunda-feira, Lula fez de conta que o problema do Brasil é a liberdade de imprensa. Imprensa livre e notícia correta são soluções. O problema, não o único, é a liberdade dos bandidos de estimação, que se valem do salvo-conduto garantido pelo Padroeiro dos Pecadores Companheiros para espancar a lei impunemente. Indignado com a revelação de que os gatunos agora embolsam propinas até em salas do Palácio do Planalto, o Brasil que presta exige a punição dos delinquentes. Atropelado pela descoberta de que a roubalheira continua comendo solta um andar acima do que deveria frequentar com muito mais assiduidade, o presidente tenta matar o mensageiro.

Como todo governante primitivo, Lula odeia a liberdade de imprensa. Mas tem um motivo adicional para sonhar com a erradicação do que chama de “formadores de opinião”: a existência de gente com autonomia intelectual reitera o tempo todo que a unanimidade é inalcançável — mesmo por quem se considera emissário da Divina Providência. O presidente talvez morra sem saber que os governos passam e as discurseiras são esquecidas, mas a palavra escrita fica.

Daqui a muitos anos, os interessados em compreender estes tristes tempos não perderão tempo com improvisos eleitoreiros, versões cafajestes, álibis mambembes ou hinos ao cinismo. Vão procurar a verdade que estará nos textos publicados por jornais e revistas que não se sujeitaram à Era da Mediocridade. A releitura das três últimas edições de VEJA, por exemplo, será suficiente para atestar que a Casa Civil foi rebaixada a covil da família da ministra Erenice Guerra — infâmia que reafirmou a lição antiga como o mundo: a cabeça e a alma de um governante se traduzem nas escolhas que faz.

Como registrou a coluna do ótimo Ricardo Setti, a chefia do ministério mais importante da República foi quase sempre confiada a juristas notáveis, articuladores sagazes ou administradores públicos brilhantes. Lula escolheu, sucessivamente, um farsante, uma nulidade e uma delinquente. Por ter escolhido três afrontas, deve-se debitar na conta do presidente a gangrena que surgiu com José Dirceu, expandiu-se com Dilma Rousseff e, depois de Erenice, tornou inadiável a amputação de uma sílaba da Casa Civil. Três ministros e cinco escândalos depois, hoje só existe a Casa Vil.

Nomeado por Lula, José Dirceu produziu em 2004 o vídeo protagonizado pelo amigo íntimo Waldomiro Diniz e, no ano seguinte, estrelou o escândalo do mensalão. Nomeada por Lula, Dilma Rousseff, em parceria com a melhor amiga Erenice Guerra, fabricou o dossiê contra Fernando Henrique e Ruth Cardoso e se enrascou na história do suspeitíssimo encontro com Lina Vieira. Grávida de confiança e gratidão, a doutora em nada fez questão de ser substituída por Erenice. Nomeada por Lula, a advogada de porta de cadeia completou o serviço iniciado quando virou secretária-executiva.

Seis anos antes de saber que o braço direito de Dilma Rousseff transformou o gabinete no Planalto em arma dos muitos crimes e esconderijo, o Brasil soube que o braço direito de José Dirceu embolsava propinas para facilitar negociatas. “Um por cento é pra mim”, balbucia Waldomiro Diniz para o bicheiro Carlinhos Cachoeira no vídeo inverossímil divulgado pela TV. Velho amigo de Dirceu, o vigarista promovido a assessor para Assuntos Parlamentares da Casa Civil protagonizou o primeiro dos escândalos que o presidente, com a cumplicidade ativa da companheirada e nas barbas de um Brasil abúlico, tentou criminosamente acobertar.

A bandalheira inaugural desenhou a fórmula que seria utilizada nas seguintes. Pilhado em flagrante, Waldomiro pôde redigir em sossego o pedido de exoneração. Oficialmente, não foi demitido. Saiu porque quis, como Erenice agora. Saiu como sairia Dirceu em agosto de 2005, quando as investigações sobre o escândalo do mensalão revelaram que o chefe da Casa Civil era sobretudo o chefe da “organização criminosa sofisticada” que a Procuradoria Geral da República denunciou ao Supremo Tribunal Federal e os ministros prometem julgar em 2011. Ou mais tarde. Depende da coluna cervical do ministro Joaquim Barbosa.

O escândalo da Casa Civil avisa que a gula dos ladrões se agigantou com o incessante aparelhamento da máquina estatal. Erenice só precisou da lista de telefones e endereços para escancarar aos parentes as portas dos Correios, da Anac, da Infraero e do BNDES. Já desbastara o caminho do cofre quando era tecnicamente subordinada a Dilma Rousseff. Se não soube de nenhuma pilantragem da vizinha de sala e acompanhante, a sucessora que Lula inventou é inepta. Se soube, é cúmplice. Não existe uma terceira opção.

Erenice é Dilma. E as duas são Lula. Foi ele quem nomeou os inquilinos do gabinete desonrado. É ele o fundador e o chefe supremo da Casa Vil. O Ministério Público e o Poder Judiciário precisam acordar, antes que a nação anestesiada perca de vez os sentidos e a democracia entre em estado de coma.

O resumo do encontro entre Benicio Del Toro e Dilma Rousseff, um dos grandes momentos de Celso Arnaldo e um dos piores da saga latino-americana, mostra o que acontece quando um boné tenta dialogar com um neurônio solitário. Pelo que conta o caçador de cretinices e pelo que o vídeo mostra, pode ter nascido um novo tipo de comédia que só dá vontade de chorar. Ou de sumir, quando se pensa que a atriz de quinta categoria ameaça ficar na tela quatro anos. Confira:

Não o culpe por ter aceitado o convite. Se você fosse Benicio Del Toro, Dilma Rousseff seria um ícone. Mulher, latina, ex-guerrilheira e na bica para ser presidente do país onde vigora – na feliz expressão do Reinaldo – o bolivarianismo com samba, suor e cachaça, receita irresistível para a facção hollywoodiana descrita nas páginas do “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”, de Plínio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Alvaro Vargas Llosa, filho de Mario.

O perfil do tipo traçado pelos autores é complexo, mas isto o define bem: “O idiota latino-americano não lê da esquerda para a direita como os ocidentais, nem da direita para esquerda, como os orientais. Dá um jeito para ler da esquerda para a esquerda. Pratica a endogamia e o incesto ideológico.”

Certo. Benicio Del Toro deve ter lido, da esquerda para a esquerda, a última edição da revista Gloss, onde Dilma revela, entre suores, que Che Guevara era seu símbolo sexual nos anos de chumbo. Por isso, o intérprete de Che no recente filme homônimo de Steven Soderbergh não deve ter estranhado o convite dos coordenadores da campanha petista: um pacote Chez Dilma, vip, personalizado, que incluiu passagem área em primeira classe, hotel cinco estrelas, uma balada privé em São Paulo e, noblesse oblige, um comício petista, uma visita a uma escola do MST e, é claro, um encontro exclusivo com a candidata que ficava saliente quando Che lhe vinha à cabeça.

E Benicio chegou a caráter para o encontro com Dilma: paletó surrado, boné enterrado na cabeça, cavanhaque Ho Chi Minh, cabelo de sem-terra sem-teto sem-barbeiro. Parecia mesmo ter sobrevivido a uma temporada na aldeia de La Higuera, no sertão da Bolívia. E não se importou de ir a Campinas – onde Dilma tinha programação hoje – para, como informou o site oficial, “reunir-se” com a candidata num café da manhã.

Resumo do script? “Os dois conversaram por cerca de 30 minutos sobre cinema, eleições e a importância política da América Latina e do Caribe.”

Um vídeo dessa conversa seria hit instantâneo no Youtube. Del Toro é bilíngue perfeito – nasceu em Porto Rico, foi educado em inglês, fala os dois idiomas sem o sotaque de seus personagens. Dilma, como todos sabem, é monoglota convicta – e em dilmês, língua de um só usuário, ela própria. Se a conversa foi sobre “cinema, eleições e a importância política da América Latina e do Caribe”, faltou conversa – porque Dilma desconhece completamente os três assuntos.

O que Benicio falou também não se sabe – é provável que tenha repetido sua vergonhosa performance diante da jornalista Marlen Gonzalez, do Canal 41 Notícias de Miami, quando lhe faltaram palavras diante de perguntas incômodas da repórter sobre o sanguinário regime castrista. Desta vez, deve ter ficado atônito com o papo furado de Dilma.

Mas vamos deixar que a própria Dilma nos conte como foi seu encontro com Che Del Toro?

“Eu, eu achei assim ótimo, né, porque (risos) ele de fato é um, um, um, ator excelente, né, um ator excepcional. Álem disso, sem sombra de dúvida, ele é muito bonito”.

Terá Benicio interpretado alguma cena no café da manhã com Dilma? Fez um Che expresso, capuccino? Ela o achou um ator “excelente, excepcional” durante o encontro? Tudo indica que pintou um clima – como informam o “álem”, em vez de além, o “sem sombra de dúvida”, um de seus clichês para sublinhar os feitos de Lula, seu atual símbolo sexual, e a ênfase no “mmmmuito” bonito.

“Obviamente ele tem uma simpatia, por isso que ele pediu a reunião”.

Explicado: Benicio Del Toro pediu a reunião para mostrar a Dilma que é simpático, para pedir uma chance. É namoro ou amizade?

Mas qual foi o papo que rolou?

“Foi mais uma cunversa assim mais fluída, sobre cinema, sobre a importância da América Latina, sobre a importância da América caribenha, de como aquele mapa que apareceu na revista Deconomist (sic), em que tá a América Latina prá cima, né, Caribe e América Latina prá cima, e a América do Norte prá baixo, faz todo sentido histórico, porque né, tão crescendo, estão, estão, a América Latina hoje ela tem uma perspectiva que no passado ela não tinha. Então tudo isso, né, foi tocado ali”

Tomando por base esse relato de Dilma, a “cunversa” deve ter feito Del Toro rever todos os seus conceitos sobre a latinidad, abrindo mão dela e assumindo sua porção norte-americana, como cidadão de Porto Rico. E se o editor da revista The Economist ouvisse antes a futura presidente do Brasil explicando desse jeito o tal mapa mundi invertido, que ainda está nas bancas, teria jogado a capa no lixo.

Que frase linda é “a América Latina tem uma perspectiva que no passado ela não tinha”. Seria o caso de dizer, usando o título de um recente filme de Woody Allen: “Igual a tudo na vida”.

Que mais, presidente?

“O problema do cinema. É… Também como eles são amigos do Óliver Istône (sic), falaro sobre o lançamento daqui a dois dia (sic) de Rol striti 2, né (sic). Foi uma cunversa muito, muito boa”.

De fato, ótima. Um dos próximos projetos de Benicio Del Toro no cinema tem tudo a ver com o papel que ele desempenhou nesse tour com Dilma: ele está escalado para viver Moe, o mais esperto dos Três Patetas, num filme dirigido pelos irmãos Farrelly, ao lado de Jim Carrey e Sean Penn – este, outro membro honorário do Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano.


Para livrar-se do risco de colisões frontais com o camburão, estágios no banco dos réus ou banhos de sol no pátio, voltaram mais cedo para a planície os ex-ministros José Dirceu, Antonio Palocci, Matilde Ribeiro, Benedita da Silva, Romero Jucá, Luiz Gushiken, Silas Rondeau, Anderson Adauto, Eunício de Oliveira, Walfrido dos Mares Guia, Humberto Costa, Saraiva Felipe e, agora, Erenice Guerra. Quase todos arrastaram na derrocada assessores que subiram sem currículo e desceram cavalgando prontuários.

Os 13 foram nomeados, protegidos depois das denúncias e, contra todas as evidências, arbitrariamente inocentados pelo presidente Lula, que se despediu de todos com as habituais pieguices companheiras.

O artigo 288 do Código Penal prevê a pena de reclusão de um a três anos para quem incorre no crime de formação de quatrilha ou bando, assim definido: Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.

Sobra quórum e sobram crimes. Só falta o Judiciário descobrir que todos são iguais perante a lei.

As bandalheiras da família de Erenice Guerra confirmaram que, se nenhum partido faz tanto para perder quanto o PT, nenhum se esforça mais que o PSDB para não ganhar. Desde o começo da campanha eleitoral, a oposição foi presenteada pelos governistas com pelo menos quatro cruzamentos para a pequena área que deixaram os adversários na boca do gol: o dossiê bandido contra José Serra, os estupros em série do sigilo fiscal de parentes e amigos do candidato, a prisão dos quadrilheiros do Amapá e, agora, as bandidagens na Casa Vil.

Nenhuma dessas bofetadas no rosto da lei, da moral e da ética animou os comandantes da campanha presidencial oposicionista a acordarem o país abúlico com veemência dos justificadamente indignados. Prisioneiro da opção pela ambiguidade e da falácia segundo a qual quem topa a briga perde pontos, Serra reagiu a cada escândalo com os mesmos protestos tímidos e o refrão soprado por marqueteiros: “O mais importante é discutir programas de governo”. Como se no país devastado pela gula dos ladrões e pela arrogância dos autoritários já não valessem por um programa inteiro de governo a defesa do estado democrático de direito a o combate feroz à corrupção.

Além do mais, ainda que confrontado com um quadro político-eleitoral adverso, o dever de um oposicionista é fazer oposição. A lição, velha como a primeira urna, é reiterada pelo senador Jarbas Vasconcelos no vídeo de 90 segundos (o tempo de que dispõe no horário eleitoral gratuito). Candidato ao governo de Pernambuco, o senador do PMDB tem lutado com a bravura de sempre contra o vale-tudo dos caciques regionais. Mas não renunciou ao combate na frente nacional. Afrontado pelo apodrecimento do coração do Planalto, defendeu José Serra e atacou o governo. Falou em nome dos brasileiros honestos.

Jarbas deve perder a eleição. É irrelevante. Não perdeu a valentia, a coerência e a capacidade de indignar-se que têm faltado à campanha presidencial da oposição.

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Fonte:
Blog Augusto Nunes (VEJA)

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