Há coisas que ainda não aconteceram, mas das quais já podemos ouvir ecos. Um pedaço do PSDB, que não está subordinada ao marqueteiro Luiz Gonzales, está usando a Internet para veicular alguns filmetes que buscam desconstruir a imagem do PT. Nada que Aloizio Mercadante (PT), que disputa o governo de São Paulo, por exemplo, não esteja tentando fazer com o tucano Geraldo Alckmin no horário eleitoral — e de modo mais agressivo. Mas isso fica para o fim do texto.
As mensagens não são veiculadas no programa de José Serra; consta que não agradam a alguns setores do tucanato — especialmente àqueles que acham muito progressista agradar a petistas… Ah, sim, os ecos: já “anteleio” os textos muito pudorosos de alguns analistas “isentos” a afirmar: “Ai, que agressividade!” Ou então: “Isso é muito conservador!”. Outro ainda: “É baixaria! Estão tentando satanizar o PT”. O amante do clichê e da crítica fácil virá com a besteira de sempre: “É de direita!”
Um dos filmes acusa o PT de tentar censurar a imprensa; outro mostra uma imagem de Dilma Rousseff que, aos poucos, vai assumindo as feições de José Dirceu; um terceiro exibe a palavra “democracia” sendo amassada por uma bola de ferro e sustenta que o “PT financia movimentos radicais e apóia ditadores”; um quarto mostra uma senhora procurando emprego — a atriz lembra Dilma —, mas sem currículo para tanto; seu ativo é um só: “Sou amiga do presidente”; outro traz um senhor, cujo corpo lembra o de Lula, segurando uns rottweilers raivosos, que a petista não conseguiria conter se eleita; no último, uma maquete de Brasília é tingida de vermelho, e o texto diz que o PT quebra sigilos para perseguir opositores. Vejam vocês mesmos. Volto depois:
Trata-se de publicidade — como é publicidade, diga-se, a campanha de qualquer candidato, a de Serra inclusive. Como tal, há generalizações e simplificações, apela-se a simbologias, mas é evidente que são filmes produzidos para um partido de oposição! Ufa!!! E muitas pessoas, de saída, reagirão a isso, como se pecado fosse. Em qualquer democracia do mundo, esse tipo de confronto é comum, corriqueiro até. A Internet está aí: acham-se campanhas de partidos do mundo inteiro.
Enfim, política
Goste-se ou não da linguagem, goste-se ou não da abordagem, há mais questões políticas concentradas nesses filminhos do que em toda a campanha eleitoral dos três principais candidatos. E o que faltou nessa campanha, até aqui, foi política. O embate administrativista foi positivo para uma única pessoa: Dilma! Especialmente porque inexiste no mundo máquina oficial com o dinheiro de que dispõe o governo brasileiro para tornar influentes as mentiras sobre si mesmo e sobre seus adversários. Nesse terreno, a oposição não tem como vencer o embate.
Ora, por que Lula diz que a imprensa é o verdadeiro partido de oposição no Brasil? Porque ela, ao noticiar FATOS, acaba trazendo à luz do dia o que deveria ficar nos subterrâneos. Como, ao longo de mais de sete anos, a oposição quase sempre preferiu não confrontar o governo, o simples jornalismo se confunde com oposição. Se as notícias têm ou não conseqüências eleitorais, não é problema que diga respeito a jornalistas. A canalha que vai se reunir hoje para protestar “contra a mídia” quer é censura. Sigamos.
Eu estou entre os que acham que falta POLÍTICA no horário eleitoral. Aliás, como vocês sabem, eu estou entre os que acham que TEM FALTADO POLÍTICA NO PAÍS NOS ÚLTIMOS OITO ANOS!
Como vocês viram, cada filminho termina com uma frase-síntese, a saber:
1 - Será que Dilma segura o PT?
2 - Você até pode escolher a Dilma, mas quem vai governar é o PT.
3 - Será que a Dilma vai segurar o PT?
4 - Será que basta ser amiga do presidente?
5 - Será que ela vai ter força para segurar o PT?
6 - O Brasil não é do PT. O Brasil é dos brasileiros.
Tal propaganda, qual leitura?
A leitura de fundo da realidade política não é muito diferente da que orienta a campanha do Serra e que, se vocês pensarem, pautou toda a cobertura jornalística desde que Dilma tinha 3% dos votos: a popularidade de Lula pode definir a eleição de 2010. Todas as pesquisas, desde sempre, como sabem, traziam a famosa questão: “Você votaria num nome indicado por Lula?” E sempre se deu mais destaque a esse resultado do que aos números propriamente. E isso criou uma doxa: ele é intocável.
Criou-se um ambiente de vitória antecipada do nome que Lula escolhesse. Um idiota da objetividade diria: “Ah, mas esse ambiente não interfere na escolha do eleitor”. Interfere, sim: determina alianças nacionais e regionais, influi nas estratégias, na arrecadação de fundos de campanha, na produção de notícias que vazam da Internet para os jornais, dos jornais para as TVs e rádios (e o contrário) e dali para a opinião pública. A vitória do nome indicado por Lula foi decretada por amplos setores da imprensa há quase dois anos.
Mesmo essa campanha, tão mais dura do que tudo o que se vê na televisão, vem com essa pegada, procurando distinguir Lula do PT. Embora sejam peças extremamente críticas ao PT e a Dilma, elas preservam o presidente da República e procuram criar uma distinção entre ele e seu partido. A diferença existe — e até os petistas a reconhecem: Lula, como diria Dirceu, é “mais amplo” do que o petismo. Seu eleitorado não é o do partido. Essa propaganda busca alertar para o fato de que o presidente, por isso mesmo, porque fala a um público mais abrangente, sempre foi um fator de moderação. Dilma no comando teria pulso menos firme para segurar os radicais. Há um exagero evidente num caso ao menos : não foi Lula que conseguiu impedir o PT de censurar a imprensa; foi a sociedade.
Verdades, mentiras e o medo
Gostos, retórica e afinidades eletivas à parte, o que há de essencialmente mentiroso nesses filmes?
- O PT tentou censurar a imprensa? Tentou. E tenta ainda.
- Dirceu é um dos assessores de Dilma, e a turma do mensalão tende a crescer de novo no cenário nacional caso seja eleita? Respondo: em recente evento com potentados do PIB nacional, Palocci pediu votos para João Paulo Cunha. Ao fim do encontro, os disciplinados “burgueses” foram perguntar ao ex-ministro qual é o número do moralista.
- O PT apóia ditadores? Ô se apóia.
- O maior ativo de Dilma é ser a escolhida de Lula? É o único!
- O PT usa órgãos federais para perseguir filhos dos adversários? O noticiário está aí.
“Política do medo”? Não! Política dos fatos. Conduzida por um partido político.
Por que não se acusa a “baixaria” de Dilma Rousseff quando afirma na TV que o país passou 25 anos sem investir? Aliás, trata-se de uma categoria bem particular de baixaria: a mentira. Ou quando diz que FHC investiu meros R$ 300 milhões em saneamento em um ano, outra bobagem? Ou quando sugere que foi Lula quem deu início à política de valorização real do salário mínimo? Ou quando Lula participa do horário político — e isso continua nas inserções curtas — para chamar o candidato da oposição de representante da “turma do contra”? Não será também baixaria inventar um passado que não existiu e ameaçar o eleitor com o suposto risco do retrocesso? Não será isso política do medo?
Eu já disse que não dou conselhos a marqueteiros ou candidatos. Digo o que penso. E penso que a ausência de política na campanha eleitoral, além de ter rebaixado um tanto a qualidade da disputa, prejudica, obviamente, o candidato da oposição. É claro que quem se apresenta para ser o (a) continuador(a) de um governo que tem ampla aceitação dos eleitores prefere que o embate se dê no terreno das promessas e dos canteiros de obras.
Finalmente, os caçadores de baixaria tiveram no programa de ontem de Mercadante um belíssimo exemplo: ele teve a coragem de afirmar que a má vontade do governo de São Paulo impediu que se celebrassem aqui alguns convênios com o governo federal, o que é uma mentira estúpida. Não é que ele critique as escolhas dos oponentes. Ele os chama de sabotadores. Mas vocês sabem: petistas são assim mesmo; espera-se qualquer coisa deles. Os tucanos é que teriam a obrigação da delicadeza… Política enfim, ainda que na reta finalíssima!