Governo Obama conspira contra o Brasil! Lula e Dilma têm de fazer alguma coisa!

Publicado em 04/11/2010 11:13

A entrevista coletiva que Lula concedeu ontem em companhia de Dilma Rousseff, a presidente eleita, tem tudo, de fato, para entrar para a história. Entre outras coisas, ele criticou o governo dos Estados Unidos e da China por causa da tal “guerra cambial”. E anunciou a reunião do G-20 como uma espécie de solução para todos os males. Há dois dias, no Jornal Nacional, Dilma já havia feito uma sensacional salada conceitual, segundo a qual o Brasil continuará, sim, com câmbio flutuante (e ninguém está dizendo que não deva) porque devemos a esse regime as fartas reservas brasileiras (é falso), o que nos protegeria da especulação — o que só seria verdadeiro se a tal especulação não estivesse ocorrendo ao contrário: em vez de fuga de dólares (contra a qual as reservas seriam uma garantia), tem-se é uma entrada maciça de dólares em busca dos juros mais altos do planeta. Mais: reservas estratosféricas costumam servir a quem, como a China, tem câmbio flutuante só de brincadeirinha justamente para manter a moeda depreciada.

Horas depois da entrevista, em que nadava em céu de brigadeiro, satanizando quem bem entendesse e arrancando risos de seus interlocutores, os EUA anunciaram que vão injetar a bagatela de US$ 600 bilhões na sua economia para ver se conseguem tirá-la do buraco. Vão imprimir dinheiro mesmo, resgatar títulos que estão com os bancos, inundá-los de dólares para que eles emprestem a juro quase zero. Resumo da ópera: a reunião com o G-20 é uma desnecessidade. O Brasil vai receber uma montanha de dólares. Resultado: a moeda, que havia ensaiado uma recuperação, voltou a cair. Para as exportações e para a indústria brasileiras, é uma tragédia. E aí?

Os instrumentos, nos marcos com os quais opera o governo, já estavam quase se esgotando antes desse pacote. E agora, qual é o busílis? O Real está entre as moedas que mais se valorizaram, mas não é a única. A desvalorização do dólar é hoje uma realidade mundial. Qual é a nossa jabuticaba? A taxa de juros, que é de 5,3% ao ano, A MAIS ALTA DO MUNDO MUNDIAL, como diria o pessoal do Casseta & Planeta! Na Rússia, é de 0,7%; na China e no México, ZERO! Quando os bancos receberem aquela montanha de dólares  —  US$ 75 bilhões ao mês até junho do ano que vem —, o que vocês acham que eles farão? Emprestarão tudo às empresas e aos consumidores a juro quase zero ou investirão parte dele no cassino do Pai e da Mãe do Brasil?

Eu não estou entre aqueles que acham que os juros são altos só porque o governo é perverso. Sem um plano de austeridade, que corte gastos públicos para valer, eles não vão baixar a uma taxa que desestimule a entrada de dólares no país para especular. Atenção! Se o governo desse um murro na mesa e cortasse a taxa à metade, ela ainda continuaria gigantesca na comparação com outros emergentes. Se o juro aqui e ali é zero ou até negativo e se o Brasil oferece 5,3%, os dólares virão para cá; mas, se ele continua zero ou negativo acolá, virão para cá do mesmo jeito ainda que sejam de 2,6%, entenderam?

Notem que a decisão do Banco Central americano é de prazo relativamente longo. Nesse ambiente, as reservas de que Dilma tanto se orgulha são parte do problema, não da solução, a menos que ela esteja contando com elas para enfrentar a sangria da balança comercial. Até quando? E eu duvido um pouco que o governo brasileiro consiga convencer a China e os EUA a mudarem as suas prioridades porque a indústria brasileira está indo pra cucuia.

Ontem, na entrevista coletiva, alguém perguntou a Lula se havia medidas impopulares a serem tomadas — corte de gastos, necessário caso se queira baixar os juros. Ele negou veementemente e ainda disse, naquela sua linguagem muito peculiar, que isso era o nome que se dava quando alguém pretendia fazer “sacanagem” com o povo. Num muxoxo, Dilma chegou a citar a expressão “saco de maldades”, como a dizer que eles não são gente desse tipo. Pois então tá. Talvez Guido Mantega, na sua proverbial sabedoria, tenha a receita.

Uma coisa é certa. Obama vai tentar de tudo. Afinal, na democracia americana, ele tem de se haver com os republicanos, a oposição, que é quem legitima a democracia. Lula, no Brasil, acha que oposição só atrapalha e que falar em corte de gastos é coisa de  quem quer fazer “sacanagem”. Quem sabe o grande advento do governo Dilma não seja a descoberta da quadratura do círculo?

Por Reinaldo Azevedo

04/11/2010

 às 7:09

As promessas de Dilma. Ela só não tinha contado que a generosidade era dela, mas o bolso era nosso

Dilma Rousseff fez duas promessas solenes: melhorar a saúde e diminuir impostos. Eleita há quatro dias, a volta da CPMF já está sendo debatida, o que é estupendo. Anteontem, a presidente eleita negou a possibilidade. Ontem, ouviu em silêncio a enfática defesa que Lula fez da volta do imposto. E, segundo deu para entender, os governadores é que serão convocados para pressionar o Congresso.

Por quê? Dilma terá uma maioria no Parlamento como nunca antes na história destepaiz. O governismo pode impor a CPMF sozinho — como tinha votos, se quisesse, para aprovar a sua prorrogação em 2007. Ocorre que quer meter a oposição no imbróglio. No Congresso, os oposicionistas são dispensáveis. Assim, o jeito de dividir o ônus de mais um imposto é chamar os governadores porque dez deles serão da oposição — 8 tucanos e 2 democratas.

No filme abaixo, dos próprios petistas, Dilma expõe, com a desenvoltura possível, o seu ambicioso programa de saúde, para o qual, entendi, havia dinheiro — já que ela até prometeu diminuir a carga tributária.
- Criação de 500 UPAs;
- criação de policlínicas regionais;
- ampliação da distribuição gratuita de remédios;
- clínicas de prevenção do câncer por todo o Brasil;
- Rede Cegonha no Brasil inteiro, que compreende:
a - clínicas da mulher;
b - maternidades de alto e baixo risco;
c - UTI neonatal;
d - Samu Bebê e Samu Cegonha

Ontem, Lula e Dilma me decepcionaram um pouco. Eu havia entendido que havia dinheiro sobrando no Orçamento para implantar tudo isso. Mas Lula disse que não. Segundo ele, não tem mágica. A grana tem de sair de algum lugar. Sempre que essa gente promete o céu sem dizer de onde vem os recursos, das duas uma: a) ou esquece as promessas; b) ou tenta enfiar a mão no nosso bolso.

PS - Bem, não me tomem por ingênuo, sim? É claro que, com ou sem CPMF, não se fará um décimo do prometido. Esse negócio é como as casas de Dilma. Ela prometeu 1 milhão, entregou 10% e anunciou mais 2 milhões durante a campanha.

Por Reinaldo Azevedo

04/11/2010

 às 7:07

Hora de fazer oposição??? Se não agora, quando?

Escrevi ontem alguns posts sobre a entrevista concedida por Lula, em que satanizou a oposição. O Jornal Nacional levou ao ar um pequeno trecho da fala, que nem de longe deu conta da virulência do ataque. Líderes oposicionistas, ao longo do dia, responderam com a dureza necessária às acusações absurdas. Aécio Neves, ex-governador de Minas e senador eleito, foi escolhido pelo JN como “o” representante da oposição. Sua fala foi a seguinte:

É importante que aqueles que venceram as eleições, e venceram de forma legítima, compreendam que, na democracia, muitas vezes o papel da oposição é tão relevante quanto o papel daqueles que venceram as eleições“.

Não sei quanto ele falou. Comento o que foi ao ar. Transcrita, a fala tem 177 caracteres. Mais de um terço, 67, é destinado a destacar a legitimidade do governo eleito, o que está fora de questão. O resto é ok, com uma pequena ressalva: não é “muitas vezes”, não, que o papel da oposição “é tão relevante quanto o papel” dos vitoriosos. É sempre! Sem oposição, não há governo. Se houver, é ditadura. Se não for ditadura, então estamos no céu, onde não há política.

Minha fala é clara; não faço jamais críticas oblíquas. Aécio, sem dúvida, é uma das figuras de destaque da oposição — já era em tese. Mas, no Brasil, chefes de Executivo nunca são considerados lideranças oposicionistas. Quando assumir seu posto no Senado, convém reservar todos os 177 toques para defender a legitimidade da oposição. Não serei eu a lhe ensinar o que fazer, é evidente - já que tenho senso de ridículo. O que sei é que a fala acomodatícia de boa parte da oposição, ao longo de oito anos, resultou em sucessivas derrotas. Quando menos, por amor aos fatos, cumpre destacar que a oposição jamais fez o jogo do “quanto pior, melhor” — tampouco no caso da CPMF.

Basta recuperar os embates de 2007 para perceber que o próprio governo não se mobilizou o suficiente para vencer a batalha — e tinha maioria. Queria, como vai querer no futuro, dividir o ônus com a oposição. Ficou cinco anos com a bufunfa, período em que a Saúde, em vez de melhorar, piorou. A tragédia na área não data do começo de 2008.

Não, eu não estou sugerindo que Aécio ou qualquer outro saia atirando a esmo e dando caneladas. Mas as respostas têm de estar à altura do agravo. É possível ser duro e civilizado a um só tempo. Lula, É TEXTUAL, acusou a oposição de torcer para que o Brasil dê errado, de prejudicar os mais pobres e de ser raivosa. Ok, pode-se dizer que ele é o presidente que sai e que o senador eleito é candidato a liderar a oposição à presidente que entra. Ocorre que foi escolhido pelo JN para comentar a fala de Lula. Os 43% de  brasileiros, alguns milhões deles também eleitores de Aécio, foram igualmente ofendidos  pelo petista. Aécio tem justificadas aspirações de liderança. Então vai ter de ajustar a melodia, como poderia lhe recomendar Paulo, o Apóstolo, na Primeira Epístola aos Coríntios:

Da mesma sorte, se as coisas inanimadas, que fazem som, seja flauta, seja cítara, não formarem sons distintos, como se conhecerá o que se toca com a flauta ou com a cítara? Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha? Assim também vós: se, com a língua, não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Porque estareis como que falando ao ar.
(I Cor, 14, 7-9)

Flauta ou cítara? Ao longo de oito anos, boa parte da oposição não tocou nem apito.  O próprio Aécio foi teórico de um certo pós-lulismo que pedia que se combinasse antes com o petismo… A continuar assim, servirá apenas de coadjuvante do continuísmo. “Ah, lá vai o Reinaldo pegar no pé do Aécio”… Não estou pegando no pé de ninguém, não! Só estou pedindo que se toque cítara quando é o caso de cítara e flauta quando é o caso de flauta. É Aécio que quer ser presidente da República. Eu não quero! Minha única pretensão é civilidade no jogo político e defender o direito legítimo que a oposição tem de se opor. Se esse direito é questionado, como foi por Lula, o corpo teórico que instrui a especulação é a ditadura, não a democracia. Eu duvido que Aécio ou qualquer outro consiga liderar uma oposição mais lhana do que aquela feita ao PT nesses oito anos. Se nem ela serve, que outra servirá? É preciso falar com mais clareza.

Quando é hora de fazer oposição? Na democracia, sempre! Se não agora, quando?

Por Reinaldo Azevedo

04/11/2010

 às 7:05

Lula e Obama concedem entrevistas coletivas no mesmo dia: um derrotado honra a democracia, e um vitorioso a avilta

Vocês sabem que não tenho a menor simpatia por Barack Obama porque sou “republicano”. Já afirmei que ele tem certo sotaque político terceiro-mundista, o que nada tem a ver com o seu pai queniano, obviamente. É que ele, mais do que qualquer dos presidentes americanos, demonstrou certo gosto por demonizar o antecessor, o que é caminho certo para a perdição. Tivesse me ouvido — é ironia, viu, petralha? Petralha é burro e precisa de piada com faixa amarela de advertência para não tropeçar e cair de boca —, estaria agora em melhor situação. Foi brincar de demiurgo, vejam lá… Quando as circunstâncias favorecem esse tipo de demagogia, como no Brasil, bem; quando elas conspiram contra, o sujeito dá com os burros n’água. Adiante.

De toda sorte, há uma diferença brutal de civilidade política entre o presidente americano e o presidente brasileiro. Obama tomou a maior surra em muitas décadas nessa eleição de meio de mandato. Na Câmara, foi o vexame de que já se falou aqui. Nos governos estaduais, não foi menor: contam-se agora 31 governadores republicanos, 18 democratas e 1 independente. A exemplo de Lula, ele também deu uma entrevista coletiva.

Atenção! Vou especificar as circunstâncias: derrotado, humilhado, desenxabido, Obama concedeu uma coletiva. No Brasil, vitorioso, triunfante, orgulhoso, Lula fez o mesmo. Obama chamou para si a responsabilidade da derrota e disse que precisava dos republicanos para governar. E admitiu a “surra”. Ele admitiu. Em Banânia, este escriba apanhou de muita gente porque afirmou ontem que seu governo tinha sido “humilhado”. As normalistas politicamente corretas não aceitam que um jornalista escreva sobre o presidente americano o que ele fala sobre si mesmo. É o fim da picada!

Obama, que poderia demonstrar ressentimento — e certamente estava ressentido —, não disse uma só palavra de crítica aos republicanos; nada! É bem verdade que andou dando declarações infelizes em várias rádios antes do pleito. Mas vá lá… Estava um tantinho desesperado. Sabedor do resultado, resignou-se porque é esta a exigência das instituições americanas. Por aqui, Lula, que poderia estar de bem com a vida, não é?, por ter conseguido eleger seu poste eleitoral, soltou os cachorros nos oposicionistas. O que quer que tenha dado errado em seu governo — e, pelo visto, ele só admite um probleminha na saúde — é culpa exclusiva dos que se opuseram a ele no Congresso, onde, admite, aprovou tudo o que bem quis.

Entenderam a diferença entre alguém que se sabe obrigado a prestigiar a democracia — ou não tem mais futuro político — e alguém que sabe que  pode fazer pouco dela porque, no fundo, acabará sendo irrelevante? Se, mesmo antes da eleição, Obama tivesse dito sobre  os adversários 10% do que Lula falou ontem no Brasil, não governaria mais. Não obstante, existe nos EUA uma oposição dura, vibrante, contumaz, que não deixa chocados os americanos, não! Eles sabem que cabe à oposição… opor-se!!!. Os republicanos deixam assustados, curiosamente, alguns brasileiros! “Meu Deus! Vai que o Brasil, um dia, ainda acabe sendo uma democracia como aquela, né? Já imaginaram que desastre não seria?”

Há certo debate que não pode ser feito de cócoras ou com as duas mãos no chão. Tem de ser com a coluna ereta.

Ainda que Obama não tenha se comportado como se comportou por gosto, a opinião pública, que se expressa numa imprensa realmente plural, e a cultura institucional a tanto o obrigam, ganhe ou perca. Por aqui, acham normal que a vitória excite a fúria do algoz.

Por Reinaldo Azevedo

04/11/2010

 às 7:01

Um saúda a promoção a povo; o outro está certo de que é Deus

Há diferenças de estilo e formação, sem dúvida, entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o quase ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aliás, eu estou torcendo para que o já quase ex aceite o debate público que lhe propôs o antecessor. É uma questão de caráter. Bater no adversário usando a máquina pública, senhor de todos os holofotes, é coisa que qualquer covarde faz. Corajoso é fazer o confronto na planície, sem a proteção da tropa de choque do Planalto.

Na magistral entrevista que FHC concedeu a Mario Sabino na VEJA desta semana, o tucano conta como foram seus dias depois de deixar o governo. Não revela qualquer saudosismo porque, disse, a sua vida intelectual o ocupa bastante. Numa sacada excelente, afirmou que, ao deixar a Presidência, foi “promovido a povo”, risco que Lula, evidentemente, não corre.

Na entrevista absurda que concedeu ontem, satanizando a oposição, Lula deixa claro  estar seguro de que, ao deixar a Presidência, será mesmo promovido a “Deus”.

Por Reinaldo Azevedo

04/11/2010

 às 6:59

As outras violências do discurso de Lula

Na entrevista coletiva de ontem, Lula disparou duas outras grosserias de que acabei não tratando aqui, Indagado sobre o salário mínimo de R$ 600, afirmou que isso “era coisa do Serra”. De fato, essa era uma das propostas do candidato tucano. A um presidente da República é lícito afirmar que considera a proposta ruim por esse ou por aquele motivo. Só não pode dizer isto, como fez: “Tem gente que ainda trata o povo como se fosse uma boiada, sabe? Toca o berrante, o povo vai atrás. Não é mais assim, não! O povo tá sabido! O povo tá esperto”. Nem vou perder tempo aqui em analisar o estilo de Lula na sua relação com o “povo”. Só lhe falta um berrante. Chamo a atenção para o grotesco desrespeito com o adversário e, o que é espantoso, com os seus eleitores! Os quase 44 milhões que escolheram Serra comportaram-se, então, como… gado! Não é que Lula satanize apenas os adversários; ele ataca até seus eleitores. Brinquei uma vez que este senhor gosta tão pouco de oposição que é contra até a do Irã…

Achou pouco. Minutos depois, ao negar que já seja candidato em 2014, fez uma ironia com a delicadeza que lhe é peculiar, e os seus interlocutores, os jornalistas, acharam engraçado: “É muito pequeno, neste momento, a gente estar discutindo 2014. A gente deveria estar discutindo 2011. [Vamos deixar] para discutir as eleições um pouco mais pra frente. Porque, senão, vai ter um enxurrada de bolinhas de papel batendo nas nossas cabeças até 2014, e nós não queremos isso”.

Evidentemente, Lula está se referindo àquela delinqüência contra Serra, de que a bolinha de papel foi só uma verdade usada como farsa para esconder as duas agressões mais graves: uma foi o outro objeto que lhe acertou a cabeça; a outro foi a agressão institucional — que não foi praticada pelo vagabundo daquela hora, mas pelo presidente da República. Em vez de condenar o malfeito, preferiu atacar a vítima. Ontem, ele relegou a vilania à condição de piada. Para quem trata a oposição como inimiga do Brasil, não estranha que uma vez mais tente ridicularizar o agredido.

Por Reinaldo Azevedo

04/11/2010

 às 6:57

Correntes delinqüentes. Ou: 4,43% do total do eleitorado brasileiro; eis o real tamanho da vitória de Dilma

Não pensem que a guerra suja na Internet acabou. Não acabou nem vai acabar porque a máquina é fartamente financiada. Uma moça sei lá de onde postou uma mensagem com críticas aos nordestinos ou algo assim. Iniciou-se imediatamente uma corrente tentando associar a besteira que escreveu à oposição. Trato, assim, como coisa vaga porque essa canalhice tentou bater aqui no blog e, evidentemente, foi rechaçada. Há coisas com as quais não perco tempo. Há um esforço organizado, deliberado, para tentar associar os quase 44 milhões de votos da oposição a teses preconceituosas, racistas ou sei lá o quê. Até parece que alguns milhões desses votos não vieram também do Nordeste — ou, ao contrário, até parece que Dilma não foi muitíssimo bem votada no Sudeste.

Reitero: quem primeiro resolveu dividir o Brasil em “Zonas de Preconceito” foi, para não variar, Marilena Chaui. Já postei aqui o vídeo em que ela diz que Serra só venceu no primeiro turno em zonas comprometidas com o agronegócio — que, na sua desinformação hilariante, o Bozo da USP chama de “latifúndio”. Como diria Antero de Quental, esta senhora precisaria de 50 anos a menos de idade — hipótese em que a juventude desculparia a sua fala estúpida — ou de 50 anos a mais da reflexão, hipótese em que ela não tem salvação…

Dilma teve 55.752.529 votos; Serra, 43.711.388. Foram 6.020.571 que deram a vitória à petista. Por quê? Porque estivessem essas pessoas do outro lado, Serra teria vencido por um voto de diferença. Esses pouco mais de 6 milhões representam 6,05% dos votos válidos, 5,65% do total dos votantes e 4,43% do total do eleitorado. Não! Não estou minimizando a vitória de Dilma. Apenas estou dando uma dimensão da força eleitoral que a oposição demonstrou, contrastando esse dado com a arrogância dos petistas.

Tentar associar juízos destrambelhados desta ou daquela pessoas à campanha da oposição ou a seu eleitorado, como fazem as correntes delinqüentes da Internet, é coisa de gente que há tempos está dedicada não ao debate político, mas a uma variante do crime organizado.

Por Reinaldo Azevedo

04/11/2010

 às 6:55

Brasil surrealista – Procuradora diz que impressos encomendados por Diocese são legais

Leiam o que vai na Folha Online. Volto em seguida:
Em parecer entregue um dia antes do segundo turno, a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, pediu a devolução para a Diocese de Guarulhos (SP) de 1 milhão de panfletos que recomendavam voto contra a presidente eleita Dilma Rousseff (PT). Para a procuradora, no documento entregue ao ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Henrique Neves, deveria ser revogada a liminar contra a Gráfica Pana que permitiu a apreensão.

A apreensão, feita pela Polícia Federal, aconteceu no dia 17 de outubro a pedido do PT. Um dia antes, membros do partido haviam descoberto a gráfica no bairro do Cambuci, zona sudoeste de São Paulo, imprimindo os folhetos. Parte dos panfletos, que reproduzia um “apelo a brasileiros e brasileiras” para que os eleitores não votem em quem é a favor da descriminalização do aborto, era assinado pela Regional Sul I da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), responsável pelo Estado de SP.

O PT argumentou no seu pedido que os panfletos veiculavam propaganda negativa, ilícita e preconceituosa. Para Sandra Cureau, a legislação eleitoral não impede que grupos sociais manifestem suas opiniões sobre as eleições. “Admitir isso seria o mesmo que incompatibilizar a legislação eleitoral com o próprio regime constitucional, que, além de erigir o pluralismo político ao status de fundamento da República”, afirma a procuradora.

Cureau destaca também que, embora os panfletos tenham caráter político, seu conteúdo não pode ser considerado propaganda eleitoral, porque não foi feito por um candidato ou partido. “É natural e saudável que temas como esse sejam debatidos durante o período eleitoral, pois isso permite que os candidatos se posicionem, assumam compromissos”, argumenta.

Comento
A palavra “panfleto” vai no texto acima porque da Folha Online. No contexto, acho impróprio. Um apelo elaborado por uma comissão de defesa da vida, pertencente a um braço da CNBB, com a exposição de princípios cristãos e de fatos, não é “panfleto”. Mas vá lá. Isso é o de menos. Notem que a argumentação da procuradora é rigorosamente a mesma que se empregou neste blog, consoante com o que vai na Constituição. A decisão de Henrique Neves foi uma das coisas absurdas havidas na campanha. Não só isso: pessoas chegaram a ser detidas porque portavam os impressos, o que é escandalosamente ilegal.

Entendo! A eleição já passou, não é? Hora de a gente voltar a seguir a Constituição e as leis! Santo Deus!

Por Reinaldo Azevedo

03/11/2010

 às 22:48

De furiosos e esperançosos

O Estadão publica hoje um excelente artigo do colunista David Brooks, do New York Times, sobre as eleições nos EUA. Ao lado do meu amigo Caio Blinder, a quem saudei ontem num post publicado às 19h51, é um homem que compreende profundamente a política americana. Caio e Brooks são leituras complementares — nem um nem outro se ofenderiam com a parceria. O nosso colunista explica por que a esmagadora vitória republicana não é o fim do mundo para Obama do ponto de vista democrata. E Brooks faz o mesmo do ponto de vista republicano. Segundo Brooks, também os adversários do presidente terão de se haver com a realidade, e a vitória expressiva — a maior da oposição em mais de 60 anos nas eleições intermediárias — também impõe responsabilidades.

Brooks escrevia ainda antes de saber o resultado da eleição, humilhante, sim, para o governo Obama. Pode-se ler — publico a íntegra no post abaixo — o que segue:
Dois anos atrás, quando os democratas voltaram ao poder, os moradores de Washington sentiram no ar uma faísca de eletricidade. Livros de fotos celebrando a aurora de uma nova era foram publicados.
Hoje o clima é diferente. É possível que os republicanos obtenham maioria no Congresso, mas todos estão escrevendo a respeito da fúria, e não da inspiração. (Nota aos jovens jornalistas: as vitórias democratas sempre são atribuídas à esperança; as vitórias republicanas são fruto da fúria.) A principal mudança ocorreu no campo dos possíveis vencedores. Dois anos atrás, os democratas entregaram-se ao romantismo. Este ano, os republicanos parecem modestos e cautelosos.

Atenção!
Chamo a atenção dos senhores para o que vai em negrito: a mensagem que Brooks transmite aos “jovens jornalistas”, embora esse tipo de “juventude” a que ele se refere não tenha a ver só com idade: nada impede que um homem maduro pense como uma adolescente. Adiante. Dá-se de barato, então, que republicanos excitem a “fúria”, e os democratas, a “esperança”, de sorte que uns se tornam monopolistas de uma coisa, e os outros, da outra. Aí está nada menos do que a semente do pensamento totalitário. Como tenho escrito aqui tantas vezes, o que legitima o governo é a oposição.

O valor principal da democracia está em se poder dizer “não”. Os pleitos dos republicanos são tão legítimos quanto os dos democratas. E deve ser considerado corriqueiro, não um anátema, que pessoas prefiram uns aos outros. Inaceitável é apostar que um dos lados da contenda deva ser “extirpado”, como pregou o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva num palanque em Santa Catarina. Inaceitável é tratar a oposição como Lula o fez na entrevista de hoje — escrevi vários posts a respeito.

Nos EUA, Obama colhe o fruto da insatisfação da maioria da população com as políticas públicas implementadas pelo governo. Pode-se até achar injusta a reação do povo, mas certamente ela não é ilegítima. Uma coisa é não gostar da escolha da maioria — como eu não gostei, por exemplo, aqui no Brasil; outra, distinta, é transformá-la na expressão do mal. Ou será que o povo que elegeu Obama há dois anos reproduzia vontade dos anjos, e o que vota nos republicanos, a do capeta? Será o “bom povo” o que vota de acordo com o que a gente quer, e o “mau” o que vota contra as nossas “esperanças”? Ora…

Sei bem onde acaba esse tipo de progressismo; sabemos todos. Reitero: espero que as oposições no Brasil tenham como exemplo e norte o comportamento dos republicanos nos EUA — e não sei, evidentemente, se Obama será reeleito ou não. Que exemplo é esse? Conseguirão reproduzir aqui o conteúdo das contendas de lá? É claro que não! Torço para que tenham a coragem de enfrentar a máquina oficial sabendo que, ao fazê-lo, quem se fortalece a democracia, que tem na possibilidade de alternância de poder um de seus princípios. E o povo julga se faz ou não a troca de guarda.

O que não é possível é transformar essa possibilidade numa ameaça de “retrocesso”. Quem assim procede não gosta de democracia; quer é ditadura. Os mais espertinhos tentam buscar uma síntese entre esses extremos: pretendem usar a democracia para, por intermédio dela, satanizar os adversários, buscando referendar sua ditadura nas urnas. E é desses que devemos mais nos guardar porque fazem um jogo cínico, oblíquo e subterrâneo.

Por Reinaldo Azevedo

03/11/2010

 às 22:45

Realismo republicano

(leia primeiro o post acima)

Íntegra do artigo de David Brooks, colunista do New York Times, publicado no Estadão desta quarta.
*
Dois anos atrás, quando os democratas voltaram ao poder, os moradores de Washington sentiram no ar uma faísca de eletricidade. Livros de fotos celebrando a aurora de uma nova era foram publicados.

Hoje o clima é diferente. É possível que os republicanos obtenham maioria no Congresso, mas todos estão escrevendo a respeito da fúria, e não da inspiração. (Nota aos jovens jornalistas: as vitórias democratas sempre são atribuídas à esperança; as vitórias republicanas são fruto da fúria.) A principal mudança ocorreu no campo dos possíveis vencedores. Dois anos atrás, os democratas entregaram-se ao romantismo. Este ano, os republicanos parecem modestos e cautelosos.

Temos de ser cuidadosos para não cair na empolgação, diz Lamar Alexander, o terceiro na cadeia de comando republicana no Senado. “Pensei em colocar fotos de Nancy Pelosi e Henry Waxman na sala de reuniões dos republicanos para lembrar dos perigos do exagero”, disse ele. É preciso cautela com as expectativas irreais, enfatizou o senador Jon Kyl, segundo republicano mais importante. Os republicanos não serão capazes de grandes feitos sem a ajuda dos democratas. Não conseguirão cortar sozinhos os recursos do sistema de saúde de Barack Obama e nem aprovar uma nova legislação tributária.

Muitos americanos ainda se mostram céticos em relação a nós, reconheceu Eric Cantor, o republicano número 2 na Câmara. Não podemos fazer nada que possa deixá-los desconfiados, como inviabilizar a governabilidade. Em vez disso, os republicanos devem transmitir confiança. As empresas devem ser capazes de prever quanto gastarão com impostos e com planos de saúde, e também quais serão as proporções do fardo regulatório.

Em 1994, Newt Gingrich falou numa revolução republicana, mas estes republicanos ainda estão sofrendo com a ressaca. Gingrich concentrou poder no gabinete do presidente da Câmara, enfraqueceu os presidentes das comissões e preparou sua máquina para atingir grandes velocidades.

O atual líder republicano, John Boehner, promete fazer o oposto - enfraquecer o gabinete do presidente da Câmara, descentralizar a autoridade e avançar passo a passo. Muitos republicanos acreditam que a era das maiorias permanentes chegou ao fim. Os democratas conseguiram se manter no controle da Câmara por 40 anos, mas agora é maior a probabilidade de este controle mudar de mãos acompanhando as viradas da maré política. Assim, mudanças duradouras terão de ser adotadas com firmeza e absorvidas gradualmente.

A melhor enunciação da teoria republicana para reavivar o crescimento econômico é de Alexander: “Queremos tornar a criação de empregos no setor privado mais fácil e barata.” Os republicanos esperam emitir semanalmente projetos de lei para reduzir a incerteza, os gastos públicos e o custo das contratações.

Algumas das medidas tentarão reverter partes da reforma do sistema de saúde promovida por Obama. A nova lei do sistema de saúde traz, por exemplo, um dispositivo que obriga as empresas a enviar um formulário à receita federal sempre que pagarem a um mesmo indivíduo ou empresa mais de US$ 600 anuais por bens ou serviços.

Os líderes republicanos estão também preparados para aceitar as vitórias possíveis, ainda que nem sempre correspondam aos objetivos ideais. Os republicanos gostariam de prorrogar todos os cortes de impostos aprovados por George W. Bush até que o Sol se apague, mas estão dispostos a fazer uma concessão e aceitar dois ou três anos de prorrogação. Os republicanos estão sob intensa pressão por parte dos lobbies empresariais no sentido de fazer concessões aos democratas e avançar certas medidas: mais gastos com infraestrutura e cortes nos impostos para incentivar inovações no setor energético.

A resposta previsível a todo este gradualismo determina que, apesar de os líderes republicanos alimentarem tais intenções, é impossível imaginar que os cuspidores de fogo do movimento Tea Party aceitem cooperar com tudo isso. Há algo de verdadeiro nesta hipótese.

Os membros de baixo escalão do Partido Republicano são mais hostis à alocação predeterminada de recursos públicos do que seus líderes (segundo os quais na ausência de tal alocação predeterminada, as decisões simplesmente são tomadas pelos burocratas).

Haverá também conflitos envolvendo orçamentos, o aumento do limite de endividamento e os reembolsos aos médicos. Mas esta trama que coloca líderes do partido contra membros fanáticos tem sido exagerada. Os novos republicanos podem desconfiar do governo, mas a geração republicana que será conduzida ao poder tem grande experiência legislativa. Independentemente da empolgação envolvendo o Tea Party, a maioria dos principais candidatos republicanos já trabalhou anteriormente em legislaturas estaduais ou em Washington.

Em resumo, se for confirmada, a maioria republicana na Câmara será como um segundo casamento. Menos entusiasmo, mais realismo. O partido poderia ter aproveitado mais alguns anos para desenvolver planos para os grandes temas, como a reforma tributária e do sistema previdenciário. Mas, se um partido vai se dar bem numa eleição, que seja ao menos um partido que desenvolveu certa modéstia.

Por Reinaldo Azevedo

03/11/2010

 às 20:09

À PF, empresário revela “ajuda” à pré-campanha de Dilma

Por Leandro Colon, no Estadão. Volto depois:
O empresário Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, conhecido como Bené, confirmou à Polícia Federal (PF), na sexta-feira, que deu no primeiro semestre uma “ajuda” à casa onde funcionou a coordenação de comunicação da pré-campanha da presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), dirigida pelo jornalista Luiz Lanzetta. Benedito contou que frequentava a casa, no Lago Sul, em Brasília, duas vezes por semana. O local, segundo ele, também era frequentado por petistas. Lanzetta deixou a campanha em junho após o estouro do escândalo da quebra dos sigilos fiscais de tucanos.

Benedito de Oliveira é sócio de empresas que têm contratos com o governo federal, entre elas Dialog Eventos e Gráfica Brasil. Juntas, faturaram mais de R$ 214 milhões desde 2004. As empresas são alvos de investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) por suspeitas de irregularidades em licitação e prestação de serviços. Benedito disse que bancou os custos de uma casa no Lago Sul na pré-campanha de Dilma. “Era apenas uma ajuda na questão administrativa para a empresa de Lanzetta”, afirmou, em depoimento prestado na sexta-feira sobre a violação dos sigilos fiscais de tucanos. “Por conta dessa ajuda, frequentava a casa onde estaria instalada a empresa de Lanzetta e que a imprensa chamava de comitê de campanha”, afirmou. Ele disse que, embora não fosse um comitê oficial, era “comum a presença de membros do partido do PT na referida casa”.

Dossiê
No local funcionou o bunker de comunicação então comandado por Lanzetta. O empresário e o jornalista participaram do encontro em Brasília no restaurante Fritz, em abril deste ano, com o jornalista Amaury Ribeiro Jr. e mais duas pessoas.Naquele dia, teriam discutido o dossiê que Amaury preparou contra pessoas ligadas a José Serra (PSDB), então candidato a presidente. O jornalista foi indiciado pela PF por ter encomendado e financiado a violação dos sigilos fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, da filha e do genro de Serra e de outros tucanos.

Foi o segundo depoimento prestado por Benedito. Na sexta, ele disse à PF que “quando efetivamente Lanzetta foi escalado como coordenador da campanha, isso por volta do início do ano de 2010, Lanzetta pediu ajuda ao declarante para ajudar na expansão de sua empresa”. O empresário, porém, disse que nunca participou de reuniões de “cunho político”. Ele contou que, no encontro no restaurante Fritz, não ouviu qualquer menção sobre um dossiê contra Serra. Disse que foi ao local apenas como convidado de Lanzetta. Indagado sobre as relações com o governo, Benedito afirmou que considera “normal” os contratos, já que seu grupo de empresas tem mais de 40 anos de atuação.

Jornal
A PF ouviu hoje o diretor do Estado de Minas, Josemar Gimenez - Amaury Ribeiro Jr. era funcionário do jornal na época em que teria encomendado os sigilos fiscais dos tucanos, entre setembro e outubro do ano passado. Josemar afirmou que jamais pediu qualquer investigação nesse sentido ao repórter, inclusive em relação a Aécio Neves, que à época disputava indicação do PSDB para a disputa presidencial.

Ele entregou à PF documentos comprovando que Amaury estava em férias no período da violação dos sigilos. Os papéis mostram ainda que o jornalista foi desligado da empresa no dia 15 de outubro do ano passado. Segundo Gimenez, a última viagem a trabalho paga pelo jornal ocorreu no dia 23 de julho, portanto, meses antes da violação dos sigilos fiscais. Ele disse que o jornal mantém uma relação “institucional” com Aécio. O nome do ex-governador surgiu na investigação depois que Amaury contou à PF que decidiu investigar Serra ao saber que pessoas ligadas ao tucano estavam investigando Aécio. Gimenez afirmou que nunca pediu para o repórter apurar esse fato.

Comento
Só uma pergunta: essa “colaboração” foi devidamente registrada ou integra aquilo que Delúbio Soares chama “recursos não-contabilizados”? O fato de o notório Benê prestar serviços para o governo federal e ser um dos milionários do lulismo tem alguma relação com a sua “colaboração”?

Por Reinaldo Azevedo

03/11/2010

 às 19:42

Primeira promessa de Dilma depois de eleita não dura 24 horas: um dia depois de ela negar a volta da CPMF, Lula defende o imposto; ela concorda silenciando

Da fala transcrita no post abaixo, faço um destaque e avanço um pouco na reprodução da fala do presidente:

É importante lembrar QUE NÓS APROVAMOS TUDO O QUE NÓS QUERÍAMOS NO CONGRESSO NACIONAL, com exceção da CPMF, que, embora a gente teve maioria, faltou um voto só para a gente ganhar a CPMF. Mas agora, essa nova safra de governadores que vão vir aí, eles vão dizer para vocês o que eles vão querer. E todo mundo sabe que vai precisar de dinheiro para a saúde. Se alguém souber da onde que é possível tirar dinheiro, que nos diga”.

Pergunta um jornalista:
Há uma idéia de voltar a CPMF?

LULA - Veja, eu estou deixando a Presidência da República daqui a dois meses. Acho que foi um engano ter derrubado a CPMF. E eu acho que alguma coisa tem de ser feita para a área da saúde. Se a gente quiser levar tratamento de alta complexidade, que todos os políticos têm… É verdade: que todo jornalista tem, aqueles que pagam plano médico. Todos os deputados têm, todos os senadores têm um plano médico que eles pagam. Portanto, eles, quando entram num hospital, eles faz (sic) quinhentos exame naquelas máquinas sofisticadas. [TOCANDO NO OMBRO DE DILMA] Se a gente quiser levar isso para a sociedade, nós precisamos ter mais recursos. E aí é uma questão…

PERGUNTA - A presidente eleita é a favor da volta da CPMF?

LULA - Aí eu não sei. Olha, eu vou parar a minha parte por aqui…

Voltei
Está tudo muito claro, não? Agora vamos ler o que Dilma disse ontem na entrevista concedida à Band:
“Eu não pretendo [recriar a CPMF]. Eu pretendo, no caso de reforma tributária, fazer uma redução tributária. Reduzir os tributos sobre investimentos, fazer uma avaliação sobre a questão da folha de salário. Reduzir os impostos sobre medicamentos e saneamento também. E, sobre a energia elétrica, depende de uma discussão com os governadores”.

Alguém poderá objetar: “Mas quem falou foi Lula, não Dilma”. Ela estava ao lado. Ouviu tudo com o silêncio da aquiescência. Na prática, a promessa feita na Band não durou 24 horas. Ela vai tentar recriar a CPMF ou não? Não dá para saber. Já há elementos para concluir uma coisa e seu contrário.

O que se tem como certo é que, caso a proposta volte a ser debatida, o governo Dilma vai exigir a cumplicidade da oposição. Sabemos agora, também, QUE NÃO EXISTE, ENTÃO, DINHEIRO PARA CUMPRIR TODAS AS PROMESSAS FEITAS DURANTE A CAMPANHA ELEITORAL. Dilma se esqueceu de dizer, enquanto pedia votos, com quais recursos pretendia pôr em prática a sua ‘revolução” na área da saúde. O truque já está evidente: vão fazer o ensaio para recriar o imposto, sim. Se a oposição não tomar dividir esse ônus, o governo tentará jogar nas sucas costas a responsabilidade pelo caos que vive a área. Caberá aos oposicionistas cair no truque ou, bem…, fazer política. Afinal, eles deverão se lembrar de que, caso topem a proposta, jamais serão sócios de eventuais benefícios que a medida poderia trazer — e ainda queimam o filme com aqueles que se opõem à cobrança.

Por Reinaldo Azevedo

03/11/2010

 às 19:11

Mesmo dizendo absurdos, Lula ainda acerta mais do que os jornalistas

O momento mais interessante da entrevista de Lula, por várias razões, foi este que segue, entre 18min47s e 22min55s. Leiam com cuidado. Um jornalista, chamando a própria questão de “perguntazinha”, indaga:

PERGUNTA - Presidente, o quadro no Congresso agora vai ser um Congresso muito mais favorável à presidente Dilma do que foi com o senhor, que [sic] o governo vai ter muito aliados tanto na Câmara quanto no Senado. O senhor acha que ela vai ficar menos refém de oligarquias do Nordeste, por exemplo?

RESPOSTA - Ô meu filho, eu vou dizer uma coisa pra vocês de coração! O Congresso é a cara da sociedade. Eu fico olhando vocês aqui: o Congresso é a média da cara de vocês. É isso [JORNALISTAS FAZEM UM MUXOXO DE DESAGRADO; PRESTEM ATENÇÃO QUE DILMA RI ALTO]. O Congresso é a média… É a síntese da sociedade brasileira. Tem gente de todo o espectro social, tem gente de todas as origens, tem de gente de todas as cores, tem gente de todos os estados. A gente tem o hábito de tentar menosprezar, muitas vezes por preconceito. As pessoas são eleitas. Cê tem um cidadão que é eleito com 10 milhões de votos, outro que é eleito com mil, com um milhão de votos. Quando eles chegam aqui, cada um vale um voto, não tem melhor ou pior. Um presidente da República, ele se relaciona com a força política eleita. Ele não se relaciona com a força política que ele gostaria que fosse eleita. Então, a companheira Dilma, a nossa futura presidente, ele vai ter de se relacionar com os 81 senadores que estão aí: do DEM, do PTB, do PT, do PMDB, do PSB, ou seja, ela não vai inventar. Ela não pode criar um novo partido e criar novos senadores. São os que estão aí. E todos têm direito a um voto. Ela vai se reunir com Congresso Nacional e com uma Câmara do mesmo jeito. Ela não pode dizer: ‘Não, eu não quero aquele deputado, tem de vim outro’. Mas foi ele que foi eleito. Ela vai ter de conversar. Ela vai ter de conversar com o companheiro do PC do B e vai ter de conversar com o Tiririca [PÕE E MÃO SOBRE O OMBRO DE DILMA, COMO A DESTACAR A IMPORTÂNCIA DE TIRIRICA]. Vai ter de conversar com o PP [DILMA DIZ BAIXINHO: 'SITUAÇÃO E OPOSIÇÃO'] e vai ter de conversar com o PC do B, com a oposição e com a situação. Essa é a lógica do jogo. Sabe? O que ela vai ter melhor do que eu tive? Ela vai ter, teoricamente, uma bancada mais consolidada na Câmara dos Deputados e vai ter uma bancada mais consolidada no Senado. Certamente, nós teremos alguns senadores com menos raiva do que alguns que saíram. Só o fato de o cidadão não ter raiva, só o fato de o cara ser civilizado e, ao invés de gritar, conversar; ao invés de querer bater, negociar, isso já é meio caminho andado. É importante lembrar QUE NÓS APROVAMOS TUDO O QUE NÓS QUERÍAMOS NO CONGRESSO NACIONAL, com exceção da CPMF, que, embora a gente teve maioria, faltou um voto só para a gente ganhar a CPMF. Mas agora, essa nova safra de governadores que vão vir aí, eles vão dizer para vocês o que eles vão querer. E todo mundo sabe que vai precisar de dinheiro para a saúde. Se alguém souber da onde que é possível tirar dinheiro, que nos diga”.

Vamos lá
Há várias coisas a comentar. Comecemos pela pergunta. Como??? Quer dizer que um Senado menos oposicionista — afinal, é disso que se trata! — tornaria Dilma menos refém do que foi Lula das “oligarquias do Nordeste”? Desde quando as “oligarquias do Nordeste” atrapalharam o presidente? Elas estiveram com ele desde sempre, são suas aliadas. A grande base que Dilma terá no Congresso será formada justamente de parlamentares eleitos no… Nordeste, ora essa! Segundo essa lógica, Dilma será, isto sim, mais refém do que o próprio Lula.

Mas a resposta do Babalorixá é estupenda para o bem e para o mal. Para o “bem” porque, com efeito, o que ele fala faz sentido. O Congresso, é verdade, é uma síntese do país — aliás, Dilma e Lula também são. E com os jornalistas não é muito diferente, não. Mas eles fizeram um muxoxo de desagrado. Dilma riu alto, como a dizer: “É isso mesmo! Vocês não são muito melhores”. Considerando que ninguém teve a coragem de contestar minimamente os absurdos que o Babalorixá dizia, é forçoso admitir: ele está mesmo certo. Vejam o conjunto. FOI PRECISO QUE ELE PRÓPRIO DISSESSE QUE O GOVERNO APROVOU O QUE BEM QUIS NO CONGRESSO. Ora, se aprovou, então cadê aquela oposição sabotadora de que ele falara minutos antes? Lula admitiu por conta própria o que cumpria ao jornalismo interrogar, contradizendo-se — contradição que não foi apontada.

Mas sigamos. Se o Congresso é a média do que vai na sociedade, então os oposicionistas que o compõem merecem ser tratados com o devido respeito — não fosse essa uma exigência da Constituição e do decoro. Mas não! Lula já havia satanizado os adversários, diante do silêncio cúmplice e freqüentemente sorridente dos jornalistas. Compreensivo, lembrou-se, então, de exaltar a rica fauna daquela Casa onde, no passado, ele enxergou 300 picaretas. E a única personalidade que citou como um dos exemplos do que pode ser o Congresso foi “Tiririca”, momento em que botou a mão no ombro de Dilma, como a lhe recomendar expressamente que tratasse o palhaço com o respeito merecido. A propósito: citar Tiririca como representante da média nacional, e dado que havia dito que os jornalistas presentes são expressão dessa mesma média, leva-nos a indagar: onde estariam os Tiriricas entre os jornalistas? É lógica elementar, não?

Se Tiririca merece o tratamento digno que se deve dispensar a todo parlamentar, com os oposicionistas, é diferente. Lula voltou a satanizá-los. Alguns deles, afirmou, agiam movidos pela raiva; não eram “caras civilizados”. A barafunda intelectual na relação imprensa-poder é tal hoje em dia que cumpre a um notório depredador do padrão democrático — porque Lula é isso — lembrar aos jornalistas a legitimidade do Congresso. Ao fazê-lo, no entanto, ele distingue os legítimos, que são os seus aliados, dos ilegítimos, que são seus adversários. Por absurda, a distinção mereceria questionamentos. Estes, não obstante, não são feitos porque Lula fala a um grupo que tem pelo Congresso mais desprezo do que ele próprio e que, visivelmente, considera-se moralmente superior àquela gente desprezível.

Por Reinaldo Azevedo

03/11/2010

 às 17:26

“O presidente está novamente usando da ironia de baixo calão que lhe é peculiar”

Comentarei ainda outros aspectos deletérios da entrevista concedida por Lula (ver posts abaixo). Destaco agora a reação de representantes da oposição às acusações do presidente da República.

Por Gabriela Guerreiro, na Folha Online:
A oposição reagiu nesta quarta-feira à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que DEM e PSDB foram “raivosos” durante os seus oito anos de governo e fizeram a “política do estômago” para prejudicá-lo na Presidência da República. Com a promessa de manter as críticas ao futuro governo de Dilma Rousseff (PT), mas sem ataques imediatos, líderes oposicionistas afirmaram que Lula enfrentou uma oposição “tranquila” no Congresso mesmo em momentos de crise –por isso teve uma reação infundada.

“O presidente está novamente usando da ironia de baixo calão que lhe é peculiar. Precisa aprender que a democracia pressupõe convivência, inclusive de opostos. A futura presidente merecerá da oposição o mesmo tratamento respeitoso, atencioso, dentro dos princípios que permitam que termine o seu mandato”, disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Vice-líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR) afirmou que Lula teve a “oposição que pediu a Deus”, sem motivos para reclamar. “A oposição foi excessivamente generosa, responsável, construtiva. O que incomoda o presidente até hoje foi a única derrota que ele teve no Congresso, a derrubada da CPMF.”

Para o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), Lula teve uma oposição “compreensiva” no seu mandato, mas insistiu em ataques durante a campanha eleitoral. “Ninguém teve mais tempo, uma oposição mais compreensiva do que o Lula, até quando ele viveu uma crise de governabilidade.” Sobre o governo Dilma, senadores da oposição afirmam que a presidente eleita vai receber ataques somente se cometer falhas em seu governo. “Estamos diante de um governo legitimamente eleito. A oposição não pode atacar por atacar”, disse Heráclito.

Por Reinaldo Azevedo

(leia primeiro o post abaixo)
A muitos escapará, outros tantos perceberão e se calarão, mas o fato é Lula fez uma ameaça nada velada aos governadores eleitos de oposição. Prestem atenção a este trecho da entrevista, quando ele já havia dito o diabo sobre a oposição:
“Eu acho que a oposição tem um outro papel, e ela pode fazer isso, até porque a oposição governa estados importantes da federação e sabe que a relação institucional entre estados e o governo federal tem que ser a mais harmoniosa possível porque senão todos perdem”.

Bingo!

Aquela conversa de que Lula nunca viu a cor partidária do governante é mentirosa, evidentemente. Os seus aliados sempre foram mais bem-aquinhoados com verbas públicas e investimentos. O governo Dilma terá uma maioria folgada no Congresso. Não obstante, Lula sabe que as oposições elegeram 10 governadores, vão governar 52% da população e uns 60% do PIB. E se essa gente decide realmente atuar como um partido de oposição, SEGUNDO AS REGRAS DA DEMOCRACIA?

Aí Lula afirma que “todos perdem”. Que “todos” é esse? É evidente que se trata de uma ameaça descarada aos governadores. Mais adiante, ao falar sobre a CPMF — com cujo retorno ele acenou —, voltou a falar sobre os governadores, que também têm interesse numa saúde melhor.  Trata-se de um anúncio: o governo Dilma vai querer emplacar um imposto novo para financiar a Saúde e vai tentar dividir com a oposição, embora o governo tenha condições de fazê-lo sozinho, o ônus de aprová-lo.

Por Reinaldo Azevedo
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Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo (Veja)

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