O sumiço do flagelo sonoro que atormenta o Brasil será a melhor notícia de 2011

Publicado em 05/11/2010 16:27

Neste 1° de novembro, o presidente da República prometeu que só se pronunciaria sobre algum assunto se Dilma Rousseff pedisse. Em homenagem à sucessora, passaria a agir com a discrição recomendável a chefes de governo em fim de mandato. Antes que a segunda-feira terminasse, comentou o resultado da disputa presidencial, elogiou Dilma, atacou José Serra, declarou que a mulher brasileira é tratada de modo preconceituoso pela oposição, sugeriu a permanência de Henrique Meirelles no Banco Central e de Guido Mantega no Ministério da Fazenda.

No dia seguinte, depois de mais elogios a Dilma, recomendou-lhe que mantivesse Nelson Jobim no Ministério da Defesa e Fernando Haddad no Ministério da Educação, disse como deve ser feito o ajuste fiscal e afirmou que Serra saiu da campanha menor do que entrou. Na dia 3, festejou a maioria governista no Congresso, desdenhou da minoria e repreendeu, de novo sem identificar os invejosos profissionais e os traidores da pátria, “essa gente que torce ontra o Brasil e contra o governo do torneiro-mecânico”.

Ainda na quarta-feira, comentou o teste de escrita e leitura a que será submetido o companheiro Tiririca, ressaltou a necessidade de uma reforma tributária, defendeu a ressurreição do imposto do cheque, analisou o sistema de saúde, fez observações sobre a profissão de jornalista, queixou-se do tratamento que lhe foi dispensado pela oposição e ensinou que Dilma merece ser tratada com mais polidez.

Um chefe de Estado de paragens civilizadas demoraria pelo menos três anos para examinar com seriedade um buquê de nomes e assuntos tão vasto e diversificado. O presidente mais falante da história precisou de apenas três dias para liquidar a pauta, numa discurseira tão rasa que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiga poderia atravessá-la com água pelas canelas. É assim há oito anos. E assim será até 1° de janeiro de 2011.

Para os brasileiros que não tiveram a lucidez confiscada pela Era da Mediocridade, o  palavrório diário é mais aflitivo que o barulho produzido por 500 caças a jato, 5.000 britadeiras, 50.000 vuvuzelas, 500.000 bebês berrando ao mesmo tempo. Apaixonado pela própria voz, excitado pelos aplausos das plateias amestradas, Lula tem algo a dizer sobre tudo, do amigo atômico Mahmoud Ahmadinejad à escalação do Corinthians, da crise do Oriente Médio à própria vida conjugal. Só emudece por algumas horas quando um escândalo cai na boca do povo ou cai um avião na pista de Congonhas.

Daqui a 57 dias, Lula aprenderá que o país subserviente com chefes de governo sabe ser cruel com quem deixou o cargo. Um acesso de tosse do presidente é candidato a manchete. Um ex-presidente só conseguirá aparecer no jornal em edições sucessivas se virar serial killer de filme americano e matar um eleitor por dia. Dilma Rousseff pode até informar no discurso de posse que, a partir daquele momento, todos os brasileiros se tornaram bilionários. Não será mais aplaudida que o ponto final do falatório de despedida. Milhões de tímpanos exaustos poderão comemorar o sumiço do flagelo sonoro.

A voz roufenha e incontrolável só terá um microfone permanentemente por perto se Lula virar leiloeiro ou camelô. Será a melhor notícia de 2011.

Num dos intervalos do Roda Viva desta segunda-feira, traindo no rosto crispado a irritação com as perguntas dos jornalistas, o entrevistado olhou para o chão do estúdio e fez o comentário que os espectadores da TV Cultura mereciam ter ouvido:

─ Zé Dirceu… Zé Dirceu… Já tô cansado desse personagem ─ disse a voz em surdina.

Para escapar do castigo merecidíssimo, o mineiro José Dirceu de Oliveira e Silva, nascido em Passa Quatro há 64 anos, resolveu debitar os incontáveis pecados que cometeu na conta de um personagem inventado pela mídia reacionária e pela elite golpista. Chama-se Zé Dirceu, é perseguido desde o berço e, por representar uma grave ameaça ao sistema capitalista, os inimigos fingem não entender que é um inocente.

A dupla identidade é só mais um sintoma de esquizofrenia malandra. José Dirceu de Oliveira e Silva e Zé Dirceu são uma coisa só ─ uma usina de culpas no cartório, que nega ter protagonizado sequer uma contravenção de trânsito com a placidez de estelionatário aposentado. Nega até ter dito o que está registrado em vídeo, como fez quando entrou em pauta, durante o Roda Viva, o episódio da agressão sofrida pelo governador Mário Covas em 1° de junho de 2000.

“Não usei a expressão”, afirmou o entrevistado ao ser convidado a explicar a frase beligerante pronunciada em 25 de maio daquele ano: “Eles têm de apanhar nas ruas e nas urnas”. Com assombroso cinismo, jurou que não disse o que disse. “Não usei a expressão”, garantiu, agarrado à versão de que só pregou a surra nas urnas. O vídeo reproduz a mentira na TV Cultura, o comício em que fez a celebração da violência e imagens do obsceno ataque a Mário Covas, já visivelmente em luta contra o câncer. A agressão ocorreu uma semana depois do discurso de Dirceu.

Respeito a opinião dos leitores que criticam o espaço concedido a tal figura por uma TV pública. Mas discordo veementemente. Como atesta a reação histérica dos devotos do ministro despejado da Casa Civil, é ele o chefe, o símbolo e o heroi das milícias do PT. É preciso mostrar-lhes que jornalistas independentes não temem guerrilheiros de araque. É preciso deixar claro que quem enfrenta uma tropa comandada por Dirceu só corre o risco de morrer de rir.

Se o entrevistado quis usar os holofotes para destacar-se no palco, teve uma péssima ideia. Como informa a reportagem reproduzida na Feira Livre, o governo federal e o PT consideraram desastrosa a aparição do companheiro definitivamente associado ao escândalo do mensalão. O Roda Viva não exibiu o monólogo de um farsante. Documentou um confronto entre a verdade e a mentira. E a verdade sempre prevalece.

O ovo da serpente é chocado nas sombras, longe dos olhos dos ameaçados. Não resiste à claridade. Quando não o destroi de imediato, a luz devassa e identifica o perigo a eliminar.

A biografia do companheiro José Dirceu é constantemente redesenhada pelo oportunismo crônico. Conforme as circunstâncias e conveniências, jura ter feito o que nunca fez ou nega ter sido o que foi. Ao ser despejado da Casa Civil, por exemplo,  exumou o guerrilheiro que só atirou com balas de festim para apresentar-se como “camarada de armas” de Dilma Rousseff. No Roda Viva desta segunda-feira, convidado a justificar a guerra movida ao presidente Fernando Henrique Cardoso quando foi deputado federal, declamou a resposta espantosa: “Eu não era deputado no governo Fernando Henrique”.

Sem ficar ruborizado, acrescentou que se elegeu em 1978. Só se foi eleito Comerciário do Ano de Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná, onde se limitou a enfrentar a freguesia entrincheirado na caixa registradora do Magazine do Homem, com identidade falsa, entre 1973 e a decretação da anistia. Ele chegou ao Congresso em 1998, informa o próprio blog do entrevistado. Nos quatro anos anteriores, instalado na presidência do PT, comandara a distância as incontáveis manobras destinadas a abortar todos os projetos originários do Planalto. Nos quatro anos seguintes, sempre à beira de um ataque de nervos, lideraria a mais raivosa tropa oposicionista da história republicana.

A menos que um gêmeo univitelino tenha exercido o mandato e circulado pela Câmara com o nome do irmão, as fotos que ilustram o texto comprovam que o ex-deputado federal é capaz até de negar que foi deputado federal. Como se verá nos próximos posts, Dirceu  fuzilou reiteradamente a verdade em duas horas de programa. Melhor ignorar o que diz.

Clique na imagem para ampliá-la:

O deputado José Dirceu discursa no plenário da Câmara em fevereiro de 1999 (Foto: Ed Ferreira/AE)

Os deputados Professor Luizinho, José Dirceu, Aloizio Mercadante e José Genoíno, a caminho da CPI do Sistema Financeiro, em 1999 (Foto: Ailton de Freitas/Agencia O Globo)

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Fonte:
Blog Augusto Nunes (Revista Veja

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