A mulher que se achava filha de Getúlio e o homem que se acha pai do Brasil Maravilha

Publicado em 17/12/2010 08:19


“Vim buscar a chave do Banco do Brasil”, comunicava a mulher negra e miserável que aparecia de vez em quando na minha casa em Taquaritinga. Eu tinha menos de 10 anos e era filho do prefeito. Ela tinha pouco mais de 40 e decidira que era filha de Getúlio Vargas, de quem havia herdado o banco estatal. Só fiquei intrigado na primeira visita. Nas seguintes, até tentei esticar a conversa com a doce maluca antes de fazer o que minha mãe ordenara: devia recomendar-lhe que resolvesse o problema com meu irmão mais velho, funcionário da agência local. Pacientemente, Flávio explicava que não podia entregar a chave sem conferir a certidão de nascimento. A órfã do presidente prometia buscá-la no cartório. Três ou quatro meses mais tarde, lá estava ela no portão para a reprise do ritual.

Lembrei-me da doida mansa com quem contracenei na infância ao saber que o presidente Lula registrou em cartório um Brasil imaginário. É uma Pasargada retocada pelo traço de Oscar Niemeyer. Tem trem-bala, aviões pontuais como a rainha da Inglaterra, rodovias federais de humilhar alemão, casa e luz para todos, três refeições por dia para a nova classe média, formada pelos pobres de antigamente. Quem quiser ver mendigo de perto deve voar até Paris e sair à caça de algumclochard. A transposição das águas do São Francisco erradicou a seca e transformou o Nordeste numa formidável constelação de lagos, represas e piscinas. Os morros do Rio vivem em paz e quem mora nas favelas do Alemão não troca o barraco por nenhum apartamento de cobertura no Leblon.

No país do cartório, o governo não rouba nem deixa roubar, o mensalão é coisa de Fernando Henrique Cardoso, os delinquentes engravatados foram presos pela Polícia Federal, os ministros são honestos, os parlamentares servem à nação em tempo integral e o presidente da República cumpre e manda cumprir cada um dos Dez Mandamentos. Lula fez em oito anos o que os demais governantes não fizeram em 500.  A superexecutiva Dilma Rousseff precisa acautelar-se para não exagerar na eficiência: se melhorar, estraga.

Daqui a alguns anos, é possível que um filho do prefeito de São Bernardo do Campo tenha de lidar com um homem gordo, de barba grisalha, voz roufenha e o olhar brilhante dos doidos de pedra, querendo que a paisagem real seja substituída pela maravilha registrada no cartório. A cobrança da filha de Getúlio tropeçava na falta da certidão de nascimento que o pai do novo Brasil acaba de providenciar. Depois de repetir que governou a República, ele vai reclamar o que lhe pertence sobraçando um calhamaço cheio de selos, carimbos, rubricas e assinaturas.

“Nada é impossível neste país”, deu de repetir Lula ultimamente. Nada mesmo. É possível até um ex-presidente acabar trepado num caixote, na praça principal de São Bernardo, exigindo aos berros a existência de um Brasil que inventou.

O balanção de Lula,editorial do Estadão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um ingrato. Acusa a imprensa de não relatar os inúmeros feitos sem precedentes de seu governo - ou de não relatá-los como gostaria, em embevecida "manchete favorável". O que ele faz então? Nas suas palavras desprovidas de censura: "Leio o jornal, não vejo matéria favorável a mim, e falo: vamos viajar o Brasil para que eu fale bem de mim." E o que acontece? A imprensa o segue e reproduz o que ele diz, ecoando a sua versão dos fatos e, mais do que isso, mantendo-o permanentemente na crista da onda, senhor do noticiário.

É normal em toda parte que o nome do chefe do governo seja o mais mencionado nas páginas políticas. A diferença é que, no Brasil, as citações a Lula - a grande maioria delas engendrada pelo seu inigualável estoque de recursos para aparecer - batem recordes. Dá para desconfiar que o seu costume de abandonar os textos escritos para ele e enveredar pelo improviso seja outro de seus estratagemas de captura das atenções da mídia. Afinal, o Lula que solta o verbo, com a sua peculiar prosódia e a quase-lógica (como já se disse) de sua argumentação, é incomparavelmente mais divertido.

Dá para desconfiar também que até os seus ataques recorrentes aos meios de comunicação sejam outra forma ainda de obrigá-los a ceder-lhe espaço - ainda que a isso se sigam justificadas e contundentes réplicas em editoriais e colunas de opinião. Falem mal, mas falem de mim, há de pensar no íntimo o mais intuitivo dos nossos presidentes. Esse enlace, a que a imprensa não pode se furtar até por dever de ofício, tem sido espertamente aproveitado por Lula para consumar a transformação de sua figura já ímpar em mito.

Parte ponderável da astúcia consiste em criar eventos que fixem na percepção popular, graças à mídia, a imagem de um presidente que fez o que nenhum dos seus antecessores logrou fazer. Eis o bordão da mais inusitada de suas iniciativas: o preparo - e o registro em cartório! - de um balanço dos seus 8 anos, em 6 volumes e 2.200 páginas. A verdade oficial não se peja de incluir empreendimentos inacabados, como a Ferrovia Norte-Sul e a Transnordestina e as hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio. Ou que nem saíram do papel: a Usina de Belo Monte e o trem-bala.

A certificação da obra lulista foi pretexto para um ato festivo no salão nobre do Palácio do Planalto, na quarta-feira. Cerca de 700 pessoas, entre ministros, ex-ministros, futuros ministros, governadores, parlamentares e tutti quanti, além da presidente eleita, Dilma Rousseff, naturalmente, juntaram-se para celebrar o que foi apresentado como um acervo de realizações sem paralelo na história nacional e que não teria tido na imprensa a louvação que faria por merecer.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, abatido pelo mensalão, se locomovia pelo palácio com a desenvoltura de quem nunca saiu dali, como se vangloriou aos jornalistas. O clima era de apoteose. O governador da Bahia, Jaques Wagner, inflacionou os 50 anos em 5 de Juscelino Kubitschek. "Os 8 anos de seu mandato", derramou-se ele, dirigindo-se a Lula, "valeram 80 anos." O ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, disse que o maior legado do presidente foi ensinar o Brasil "a andar com as próprias pernas". Em outro tempo e lugar isso se chamou culto à personalidade.

Tudo isso, como não poderia deixar de ser, deu nos jornais, saiu na internet e apareceu em emissoras de rádio e TV. Mais ainda, os louvores de Lula a si mesmo. Ele, que conhece tantos ditados, menos, talvez, o de que "elogio em boca própria é vitupério", avisou que exemplares do balanção serão enviados aos editores de política e economia da imprensa "para perceberem o quanto perderam por não cobrir coisas boas do governo", dando corda à sua ideia fixa. E anunciou o que seria a síntese "dos erros e acertos que possamos ter cometido" - a aprovação ao seu governo.

Ele mencionou o índice de 80%, antecipando os resultados da nova pesquisa do Ibope, divulgada ontem. No levantamento, a popularidade do presidente bateu todos os recordes desde a sua posse, alcançando 87%. É como ele diz: "A única coisa impossível é Deus pecar. O resto, tudo pode acontecer." 

Há uma categoria nova na psicanálise: “A Inveja do Próprio Pênis”

Lula recebeu aí uma premiação. Ao discursar, declarou estar com certa inveja de Dilma Rousseff porque ela vai receber um governo antecedido por… Lula!, sorte que ele próprio não teve. Tento de novo: o Babalorixá de Banânia está com inveja de sua sucessora porque ela terá o prazer de receber um governo das mãos dele. É espantoso! Nunca antes na história destepaiz houve algo parecido. É por isso que sugeri que, no dia 2 de janeiro, ele passe a freqüentar as reuniões da AEA — Associação dos Ególatras Anônimos. Como anônimo não é, pode disfarçar a arrogância fantasiando-se de Napoleão.

Segundo uma pesquisa Ibope divulgada ontem, o governo é aprovado por 80% dos brasileiros, e a aprovação pessoal de Lula chega a 87%. Na reta final do mandato, ele bate recordes. Um dos fatores que permitiram mais esse salto foi a ação das Forças Armadas na Vila Cruzeiro e no Morro do Alemão, no Rio. Povo gosta de ordem  — ainda que possa não ter muita clareza do que se deu lá.  Pois é. O presidente poderia estar feliz da vida. Sua obra, justa ou injustamente, é apreciada por uma ampla maioria; há em todo canto quem o elogie fartamente. Mas é pouco! Sempre será pouco!

Vocês certamente já ouviram falar da “inveja do pênis”, que dá pano pra manga e pra muito tricô furioso de feministas. Não tem nada a ver com vestiário masculino depois do futebol — aquele é outro fenômeno: trata-se do Complexo da Comparação Sub-Reptícia do Pênis; eventualmente, há inveja, mas dessa Freud não tratou, hehe. Na formulação freudiana, ao se comparar com o menino, a menina sente inveja da externalidade de sua genitália e experimenta o Complexo da Castração, pela qual culpa, inconscientemente, a mãe, com quem deixa de se identificar, buscando o pai e, nessa trilha, a maternidade. Faço aqui uma síntese ligeiríssima. Na teoria, a coisa é bem mais complicada do que isso e tem implicações diversas na formação da sexualidade feminina.

Freud tinha um amigo meio maluquete chamado Wilhelm Fliess, um otorrino. Lendo a biografia do pai da psicanálise, a gente chega a supor que rolou um clima entre os dois. Uma das teorias furadas de Fliess sustentava a bissexualidade dos humanos, coisa à qual seu amigo chegou a dar corda. Mas tese mais exótica do otorrino sustentava haver uma relação entre o nariz  — a mucosa nasal propriamente — e os órgãos genitais. Convenham: só o amor explica que Freud lhe tenha dado trela. Mas por que lembro Fliess?

Porque nem este delirante especulador ousou imaginar a patologia psíquica — e seria considerado doido se o fizesse — que acomete Lula: é a chamada “Inveja do Próprio Pênis”, um fenômeno do inconsciente ainda não-catalogado. Não ficaria bem ficar falando de pênis presidencial, é claro. Nem eu o faço. O leitor tem de entender que estamos no mundo da psicanálise. O “pênis” não é o bingolim propriamente, mas um símbolo — no caso, de poder.

Lula se tem em tão alta conta e de tal maneira acredita encarnar a Maravilha, que consegue sentir inveja de si mesmo. Como isso é possível? Ele não pode, por exemplo, ser o “outro” para poder admirar “Lula”. É uma coisa muito mais séria do que narcisismo —  qaue está em todos nós. Não! O Babalorixá não está enamorado de si mesmo: o Lula que dorme com Dona Marisa sente inveja do Lula mítico, aquele que, segundo Jaques Wagner, governador da Bahia, fez 80 anos em oito… A inveja do pênis, aquela freudiana, é parte da construção da psique; a inveja do próprio pênis é doença mesmo!

O homem chega ao fim do mandato com a popularidade nas nuvens. E, no entanto, é o caso de dizer: “Pobrezinho!” Diante do espelho, sem o mito do qual sente inveja, não é ninguém; sente-se emasculado. Vai ter de se tratar.

Por Reinaldo Azevedo

Cada senador poder custar até R$ 2,034 milhões milhões por ano; deputado, R$ 1,564 milhão

Por Henrique Gomes Batista, no Globo:
Com o aumento salarial aprovado pelos próprios parlamentares na quarta-feira , o custo de cada um dos 81 senadores já ultrapassa R$ 2 milhões, por ano. Já o gasto anual de se manter um deputado federal varia entre R$ 1,4 milhão e R$ 1,6 milhão. Na conta não entra apenas o novo subsídio - de R$ 26.703,10 -, mas também diversos benefícios e verbas indenizatórias. Além disso, os deputados recebem 15 salários por ano e, os senadores, 14, aumentando o valor final.  O número também leva em conta o parlamentar que usa integralmente todos os benefícios a que tem direito, como auxílio-moradia - pago àqueles que não ocupam os apartamentos funcionais - e verbas compensatórias, como ressarcimento para gastos nos escritórios políticos nos estados ou despesas de combustíveis. Não entram no cálculo despesas que não têm valor estabelecido, como serviços de correio, assinaturas de jornais, revistas e TV por assinatura, além do uso da gráfica do Congresso.

Em média, cada senador custa, por mês, algo entre R$ 129.858,12 e R$ 169.524,28, (ou 255 e 322 salários mínimos) respectivamente. A diferença ocorre porque algumas verbas, como passagens aéreas, variam de acordo com o estado de origem do parlamentar. Outros valores, como o limite para gasto com telefonia fixa, dobra se o senador for líder partidário. Assim, caso o senador utilize todos os benefícios que tem direito, seu custo anual ficará entre R$ 1,558 milhão a R$ 2,034 milhões.  O principal custo mensal de um senador é a verba de gabinete, que varia entre R$ 80 mil a R$ 100 mil mensais. O valor é determinado como base para se contratar nove servidores de carreira e 11 comissionados. Entretanto, o valor é livre e muitos parlamentares dividem os salários para contratar mais funcionários, até o limite de 79 pessoas.

Na Câmara, os custos são relativamente menores que no Senado: um deputado que usa todos os seus benefícios custa, por mês, algo entre R$ 119.378,87 e R$ 130.378,87 - o que daria para construir duas casas populares na grande São Paulo. Por ano, a conta varia entre R$ 1,432 milhão e R$ 1,564 milhão.  Os deputados contam, desde o ano passado, com uma única cota para exercício de atividade parlamentar, o chamado “cotão”, que unificou verbas para passagens aéreas e telefonia, por exemplo. O valor do “cotão” varia entre R$ 23 mil e R$ 34 mil. Mas o que torna o “preço” dos deputados mais barato que a média dos senadores é que recebem um auxílio-moradia R$ 800 menor e a verba de gabinete é de R$ 60 mil - de R$ 20 mil a R$ 40 mil a menos que no Senado.

Para o professor Eurico Figueiredo, coordenador de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), a discussão sobre o salário e o custo dos parlamentares é demagógica: “O Brasil tem um PIB superior a US$ 2 trilhões. E certamente a maior “empresa” do país é o estado. Estas pessoas precisam ganhar bem, até para ter tranquilidade para conduzir orçamentos bilionários e para evitar a tentação da corrupção”, disse Figueiredo.

Por Reinaldo Azevedo

Na esteira do Congresso, 20 Estados aumentam os salários dos deputados

No Estadão:
Levantamento feito pelo Estado mostra que o reajuste alcançará pelo menos 20 Assembleias. Em Estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Norte os deputados estaduais já haviam se antecipado e aprovado, antes mesmo do Congresso, a regulamentação para elevar seus salários a partir de definição dos parlamentares federais - que agora vão receber o mesmo salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal, de R$ 26,7 mil. Só ontem, as Assembleias Legislativas do Pará, Ceará e Mato Grosso do Sul também garantiram o reajuste.

Na Bahia, Rio Grande do Sul e Pernambuco, a correria é para votar o reajuste na próxima semana, a última antes de encerrar os trabalhos legislativos do ano. Os deputados de Minas Gerais e Rio de Janeiro já tinham garantido, desde legislaturas passadas, o aumento automático vinculado à decisão do Congresso.

Antecipado. Na Assembleia paulista, cujos salários irão de R$ 12.384,37 para R$ 20.042,35, os deputados aprovaram na última terça-feira a lei que define seus salários como 75% do valor pago aos deputados federais. Segundo os deputados paulistas, a vinculação é “praxe”.

“Este é um procedimento que realizamos todos os anos, independentemente do Congresso”, disse o deputado Vaz de Lima (PSDB), líder do governo na Assembleia. O aumento deve gerar um gasto extra de R$ 8,3 milhões. Os deputados paulistas viram seus holerites engordarem uma semana depois de eles próprios aprovarem um aumento de 26% nos salários do governador, do vice e dos secretários. O chefe do executivo estadual passou a receber R$ 18.725. O impacto nas contas públicas será de R$ 425,6 milhões, segundo dados da Secretaria Estadual de Gestão. Aqui

Por Reinaldo Azevedo

Ministeriável de Dilma é acusado de pagar por apoio

Por Rurbens Valente, na Folha:
Indicado pelo PSB para o ministério de Dilma Rousseff, Fernando Bezerra Coelho é acusado de ter orientado o pagamento de mesada a líderes de associações de bairros e o repasse de dinheiro a um vereador de Petrolina (PE) quando era prefeito. Bezerra Coelho é o mais cotado para ocupar a pasta da Integração Nacional, na cota do governador Eduardo Campos, de quem é secretário de Desenvolvimento. Foi prefeito de Petrolina por três mandatos, o último até 2006. A acusação de pagamento de mesada é feita pelo empresário Paulo Lima, 39, um ex-aliado da família Coelho. Ele contou à Folha que os pagamentos eram feitos por meio de sua empresa, Líder Construções, que reformou creches municipais nas gestões de Coelho.

Lima disse que cerca de R$ 50 mil saíram de sua empresa e de sua conta pessoal para pessoas previamente listadas pelo prefeito e por um secretário, sob a promessa de que os recursos e os impostos gerados pelas operações da Líder seriam cobertos pela prefeitura. O objetivo era a cooptação de apoio. O buraco não foi coberto, e Lima acabou condenado pela Justiça Federal por dívidas de R$ 98 mil com o INSS. A pena foi convertida em prestação de serviços num lar de idosos, além de pagamento mensal de R$ 150. Dois líderes de associações de moradores confirmaram à Folha que passaram a receber recursos mensais do empreiteiro após terem recebido orientação de Coelho. O empreiteiro controlava os pagamentos por meio de recibos datados e assinados pelos líderes comunitários. Um deles, José Caldas de Santana, afirmou ter recebido ao todo R$ 2.800 entre maio e dezembro de 2006.

No recibo, Lima fez constar: “Autorizado por Fernando Bezerra Coelho”. “Eu fazia um trabalho para a comunidade. Como não tinha esse salário, porque a gente não tinha salário, era uma ajuda que ele [Lima] me dava”, disse Santana. Outro líder comunitário, Audeni Damasceno Maia, que atuava numa região pobre de Petrolina com cerca de 7.000 moradores, também reconheceu que os repasses eram feitos por Lima a pedido do prefeito. Recibos em seu nome demonstram pagamentos mensais em 2004.

“Eles fizeram um acordo no primeiro mandato, um acordo de um repasse. E Paulo repassava, mas acho que Paulo não teve um retorno. O acordo era com o Fernando.”
Paulo Lima guardou também um bilhete com um recado escrito a mão e, ao lado, uma assinatura do prefeito Bezerra Coelho. A caneta, alguém escreveu: “Paulo Lima, favor antender [sic] ao nosso amigo Ruy Wanderley em 12.000″. Lima disse que entregou em 2006 R$ 12 mil ao então vereador Ruy Wanderley, hoje filiado ao PSL, que tentou, sem sucesso, se eleger deputado estadual. Ele nega. Aqui

Por Reinaldo Azevedo

Fala o ministro da Supressão da Verdade

mo tive um dia um pouco irregular, o assunto acabou escapando. Deixo aqui o registro e volarei a ele mais tarde.


Do Portal G1:
O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, defendeu nesta quinta-feira (16) em reunião da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado um novo marco regulatório para a comunicação social e afirmou que regular conteúdo não é censura. O governo Luiz Inácio Lula da Silva está preparando um anteprojeto que será entregue à presidente eleita Dilma Rousseff tratando do tema.

“Regulação de conteúdo não é censura. Regulação não é feita a priori, não diz o que pode e o que não pode, mas sim estabelece regulações que os veículos são obrigados a cumprir, como a proteção à criança, à produção nacional, à produção regional, a necessidade de equilíbrio, dizer que não pode racismo e discriminação. Isso é feito no mundo todo. Quando se levanta que a liberdade de imprensa está ameaçada está se pegando um ‘não assunto’ para interditar a discussão. Esse assunto não esta em discussão. O governo Lula tem história em matéria de respeito e defesa da liberdade imprensa”, afirmou o ministro.

Franklin afirmou que o debate sobre um marco para regular a comunicação não pode ser feita com o “fantasma” de ameaça à liberdade de imprensa. “Não vamos deixar que os fantasmas presidam esse debate porque se ficarmos nisso não vamos debater o que interessa, que é fazer um marco que permita florescimento da comunicação e das ofertas de conteúdo”.

Segundo o ministro, a intenção não é dizer “o que pode e o que não pode divulgar”, mas determinar obrigações para os meios de comunicações. Ele destacou que existem vários artigos da constituição que ainda não foram regulamentados e afirmou que dentro do debate é preciso completar esta lacuna.Ele destacou a convergência tecnológica e afirmou ser necessário proteger o setor de radiodifusão para que não seja esmagado pelo setor de telecomunicações.

“O governo tem dito frequentemente que tem sensibilidade para que a radiodifusão neste processo tenha proteção. Isso tem sentido porque radiodifusão entrega sinal aberto de norte a sul e cumpre um papel social. Por isso precisa ter um grau de proteção e isso precisa ser pactuado em debate aberto”, afirmou o ministro.

Anatel
O procurador-geral da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Marcelo Bechara, também defendeu na audiência mudanças na legislação. Ele afirmou que a liberdade de imprensa é garantida pela Constituição e afirmou que é preciso perder o “medo” da regulação. “Temos que parar de ter medo da palavra regulação. Ela não pressupõe controle, pressupõe o mínimo de atuação do estado. O estado fomenta, fiscaliza e regula. Regular é para preservar isonomia e competição”, afirmou Bechara.

Ele destacou que já existem algumas regulações de conteúdo na legislação brasileira, como um percentual para conteúdo noticioso e educativo na programação, bem como a classificação indicativa, que classifica os programas de televisão indicando para qual faixa etária aquele programa é recomendado.

Abert
O diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Luis Roberto Antonik, questionou o conceito de que o código de comunicações do Brasil está atrasado. Ele destacou que várias normas legais sobre o tema vêm acontecendo nos últimos anos.

“Dizer que nosso código é obra antiga e superada é um pouco de exagero. Evidentemente que nosso sistema regulatório merece aperfeiçoamento e considerações, mas o sistema brasileiro é moderno, eficiente, contempla muito fortemente a liberdade de expressão, o pluralismo e a diversidade”, afirmou o diretor-geral da Abert.

Antonik destacou que o setor de internet é um dos que precisa de mais regulação. Como exemplo, ele citou a questão de direito autoral na rede mundial de computadores. “Uma emissora manda equipe com veículo com três pessoas, faz uma matéria, alguém copia, recorta, cola, coloca em outro local e não menciona fonte. Não há direito autoral na internet, então é uma área que merece regulação”. O diretor-geral da Abert destacou que mudanças no código de comunicações tem de respeitar princípios constitucionais como liberdade de expressão e a menor interferência do estado entre agentes privados.

Por Reinaldo Azevedo

Para que serve a oposição? Ou: “Então tá combinado, é tudo somente sexo e amizade”

Os governadores eleitos do PSDB se encontraram ontem em Alagoas. Ao fim do encontro, divulgaram a chamada “Carta de Maceió”, cuja íntegra segue no post abaixo. Como diria Caetano Veloso, “então tá combinado, é quase nada, é tudo somente sexo e amizade”. Também na política, “sexo” é entendimento entre os contrários — não necessariamente,  claro! Amizade é amizade… A música de Caetano — e ele é bem melhor nisso do que falando sobre Mangabeira Unger… — abre a possibilidade para o “amor” tomar o lugar da amizade, com “todo o seu tenebroso esplendor”; mais: pode até ser que, insidioso, há muito já se tenha instalado… Não se descarte, pois, nessa minha cascata alegórica, que oposição e situação já tenham se “estreitado num abraço insano”, para  citar outro baiano,  Castro Alves.  Havia Bahia antes de Jaques Wagner, eu juro! De volta ao tema.

A carta, vocês lerão, poderia ser assinada pelo petista Tarso Genro (PT), governador eleito do Rio Grande do Sul, ou por qualquer outro petista. Talvez os pessebistas ou peemedebistas da mesma safra negaceassem (do vergo “negacear”, fazer “negaça”): “Pô, pessoal, é bom a gente, como aliado de Dilma, ser mais altivo; essa promessa de bom comportamento é coisa para a oposição”.

Tsc, tsc, tsc… É evidente que eu não estou aqui a defender que os governadores deveriam sair chutando a canela do governo federal; é evidente que eu compreendo que existe uma dimensão propriamente administrativa, de gestão, do poder estadual que não pode ser pautada por dissensões e eventuais divergências ideológicas; é evidente que cabe à base parlamentar fazer o embate mais duro. MAS DAÍ A REDIGIR UMA CARTA QUE, EM NENHUM MOMENTO, LEMBRA A RAZÃO QUE OS UNE, VAI UMA GRANDE DIFERENÇA. E a razão que os une é o PSDB, um partido de oposição, que acaba de sair das urnas com oito governos de estado — e isso foi lembrado lá — e 43 milhões de votos na eleição presidencial, o que foi esquecido.

Não fosse a anemia da carta, houve também o climão, assim sintetizado, com precisão, pelo jornalismo: governadores do PSDB não farão oposição ao governo federal. Ora, esse é o tipo de coisa que não se anuncia, até porque ninguém sabe o que virá. Querem um exemplo? Se o governo federal, com a sua esmagadora maioria no Congresso, resolver quebrar as pernas de São Paulo ou de Minas numa reforma tributária, os governadores vão se calar? A minha pergunta é retórica. Acho que não se calarão. Mas uma coisa é certa: não cumpre anunciar a não-oposição. Nunca vi isso. Aliás, nunca ninguém viu na históriadestepaiz

O texto também deixa claro que os governadores pretendem ser propositivos e maiúsculos na relação com o governo federal. Perfeito! É bom que sejam! Mas cabe uma pergunta: se decidissem o contrário, isso iria parar numa carta? Imaginem: “Pretendemos ser mesquinhos; diremos ‘não’ a todas as idéias sensatas do governo, como sempre fizeram os petistas quando na oposição porque acreditamos que o melhor caminho para voltar ao governo federal é sabotar o adversário…” Ora…

Essa carta que Tarso Genro assinaria está sendo lida como as primeiras linhas do primeiro capítulo do que seria a “refundação” do partido, que o senador eleito Aécio Neves  (MG) pretende liderar. Aí alguém diz: “Ihhh, claro!, o Reinaldo é serrista e está contra a proposta…” Cada um diga o que quiser. Em breve, exponho num longo artigo, quatro páginas de papel mesmo, o que penso a respeito das oposições. Digamos que eu seja um tantinho (e estou sendo irônico)mais conservador do que o ex-governador de São Paulo, que, sejamos precisos, é menos conservador do que qualquer um dos oito que se reuniram. Ideologicamente, estou mais distante de Serra do que de alguns dos convivas da reunião de ontem.  Para dizer o que penso, não me preocupo em saber quem quer o quê.

O que sei é que a declaração de “não-oposição” dos governadores eleitos do PSDB saiu no mesmo dia em que os parlamentares deram um golpezinho vigarista, aumentando escandalosamente os próprios salários e os do Executivo, e em que Lula reuniu “800 autoridades” para cantar as próprias glórias, registrando em cartório obras que não estão ainda nem no papel, a exemplo do trem-bala, esse elefante branco de alta velocidade que pode atropelar o bom senso, as finanças públicas e a moralidade. O Apedeuta foi tratado como um Deus, o marco inicial da civilização. Enquanto isso, os futuros governadores juravam não sujar o shortinho com molecagens… Ora, por que tal suspeita recairia sobre eles? Só por serem de oposição? Vamos chamar Caetano de novo, agora com Jorge  Mautner: “Eu não peço desculpas/ eu não peço perdão…” Não dá! Se isso é parte da refundação, deu-se a primeira remada para o naufrágio, para a “reafundação”.

Reitero — porque, evidentemente, vão me atribuir o que eu não escrevi: não estou aqui a dizer que os governadores deveriam apresentar uma pauta alternativa à do governo federal, estabelecendo litígios desde já. Mas a linguagem em que se entrevê a suspeita de culpa, o que os leva a garantir que serão bem-comportados, é descabida.

Por que escrevo isso? Porque acho bom para a democracia que o PT perca as eleições de 2014, de 2018, de 2022, sei lá eu. Isso é segredo para alguém? E estou convencido de que não será nessa toada. Lemos a carta (post abaixo) e as declarações que se seguiram ao encontro e ficamos com a firme impressão de que o PSDB pecou ao longo de oito anos por excesso de oposição, não por falta. E isso é falso. Não é falso porque eu acho isso. É falso porque é fato.

A carta virou um papo pra lá de Teerã — onde, diga-se, quase não se faz oposição. Mas é porque não pode, não porque não queiram.

Por Reinaldo Azevedo

16/12/2010

 às 19:51

A “Carta de Maceió”

Segue a íntegra da Carta de Maceió, divulgada ao fim da reunião de governadores eleitos do PSDB, ocorrida ontem. Comento no post seguinte.

Carta de Maceió

“Os governadores eleitos pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), reunidos em Maceió, capital do Estado de Alagoas, em 15 de dezembro de 2010, reafirmam seu compromisso de construir uma ampla agenda nacional de trabalho e discussões.

Um compromisso focado no desenvolvimento econômico e social e no fortalecimento das relações do partido com a sociedade, com sua base política e partidária, com o Governo federal e com os municípios.

Afinal, o PSDB saiu das últimas eleições como uma força política transformadora, com o apoio de mais da metade da população e do PIB brasileiros.

Além do desafio de governar bem oito unidades da federação, é necessário manter a coerência e a qualidade de seu discurso político.

Nesta Carta de Maceió, os governadores eleitos ratificam sua identidade com os valores e princípios fundamentais do PSDB: a consolidação da democracia, a estabilidade econômica, o bem-estar de todos os brasileiros, a ética na política e a liberdade de expressão.

Inspirados por esses objetivos, os governadores do PSDB vão trabalhar juntos para:

1.Cooperação entre Governos: promover, de forma constante e crescente, a cooperação entre os respectivos governos, aproveitando as experiências de sucesso de cada estado, principalmente, na competente e vitoriosa política de profissionalização da gestão pública;

2.Relação com o Governo Federal: estabelecer com o Governo federal uma relação altiva de respeito mútuo, com responsabilidade e independência, na busca do entendimento para enfrentar os graves desequilíbrios regionais e sociais;

3.Pacto Federativo: colaborar de forma crítica e democrática para restabelecer o equilíbrio do pacto federativo, promovendo: i) a revisão dos mecanismos de transferências voluntárias; ii) o estabelecimento da responsabilidade compartilhada entre União-Estados-Municípios; iii) uma agenda robusta de investimentos necessários ao desenvolvimento;

4.Segurança Pública: cobrar a participação adequada do Governo federal no financiamento da segurança pública, mediante a transferência de recursos de forma regular e automática;

5.Fórum dos Governadores: tornar permanente este fórum de governadores do PSDB, para estabelecer um processo dinâmico e duradouro de interação e coordenação das ações, propostas, posicionamento político;

6.Apoio a Alagoas: por fim, os governadores do PSDB declaram seu irrestrito apoio à implantação do Estaleiro Eisa em Alagoas, empreendimento fundamental para o combate à pobreza e a redução da desigualdade regional;

Antônio Anastasia - Governador de Minas Gerais
Anchieta Júnior - Governador de Roraima
Beto Richa - Governador do Paraná
Geraldo Alckmin - Governador de São Paulo
Marconi Perillo - Governador de Goiás
Simão Jatene - Governador do Pará
Siqueira Campos - Governador de Tocantins
Teotônio Vilela Filho - Governador de Alagoas

Maceió, 15 de dezembro de 2010.”

Por Reinaldo Azevedo

Caetano, quer dançar comigo?

Caetano Veloso citou o blog em sua coluna no Globo de domingo. E o fez pela terceira semana seguida: explicitamente nesta e na retrasada, de modo indireto na anterior, quando escreveu sobre o pensamento de Mangabeira Unger, respondendo a uma crítica deste blogueiro. Não! Não estou tirando Caetano para dançar. O título é só pra chamar a atenção.  Ao contrário: aprecio a idéia de que estamos nos hostilizando um tantinho, cada um num canto do salão. Ele gosta de “briga”, o que acho bom. Eu também. Detesto essa conversa de conciliação. Quando alguém propõe frente ampla, costumo perguntar: “Se estamos todos juntos, contra quem vamos lutar?”

Confronto? Sou como os marxistas? Acredito que a luta de classes move a história e traz a semente do futuro? Eu não! Desde, deixe-me ver, os 21 anos — estou com 49 —, acho que é a história contada por vigaristas intelectuais a mover a luta de classes, reduzida a meros estratagemas de conquista do poder com o intuito de seqüestrar prerrogativas da democracia, transferindo-as aos “donos do povo”, que passam a falar por nós. Fui trotskista, confesso, ainda na minha primeira pelagem. Quem me convenceu do horror daquele pensamento não foi nenhum direitista, mas Lênin, cuja obra decidi ler de modo obsessivo num determinado momento da juventude. Cumpridos uns 20% da jornada, constatei que ele pouco estava se importando com tudo o que eu compreendia — ou que a civilização compreende — por justiça, liberdade ou mesmo igualdade.

O grande inimigo de Lênin era a democracia, que continua a ser a grande inimiga das esquerdas ainda hoje, na fase em que é patrocinada por bancos e conglomerados industriais, assumindo máscaras as mais diversas: ecologia, racialismo, confrontos de gênero, regionalismos etc. Feita aquela constatação no começo da jornada, o resto da trajetória serviu para que eu tivesse a certeza: “Eu detesto isso aqui”. Ficou claro para mim: a diferença entre o fascismo e o comunismo era só de perspectiva, não de objetivos. Para ambos, as divergências são só uma etapa primitiva da construção da uma totalidade, que, num caso, se revela no estado integral e, no outro, no partido.

Nesse particular ao menos, eu era mais nietzschiano. Eu acredito numa certa ética do guerreiro, que não vislumbra a eliminação do outro, mas o duelo permanente. Indivíduos existem para o embate. A história não é feita de eliminações, mas de acúmulos. No tempo em que me ocupava de Lênin, eu já havia lido a formidável biografia de Trotsky, de Isaac Deutscher, e me lembrava da visita que o jovem revolucionário fizera ao líder mais maduro, em Londres. Ambos saíram para passear, e Lênin mostrava os monumentos da cidade ao visitante dizendo: “Esta é a catedral deles, esta é a ponte deles…” “Eles” eram os burgueses. Um tanto envergonhado, ainda moço, pensei: “Este Lênin é uma besta”. Lendo depois a sua obra, confirmei: “Este Lênin é uma besta-fera”. As catedrais são nossas. As pontes são nossas.

Na coluna da semana passada, Caetano cita em tom depreciativo a obra do detestável filósofo Slavoj Zizeck, esloveno de nascimento. É um pensador contemporâneo (só mesmo no tempo) que, na prática, justifica o terrorismo como expressão moderna daquelas velhas contradições que as esquerdas acreditam mover a história. Devo ter sido o primeiro a dar uns pontapés neste senhor aqui no Brasil. Vai ver o meu pontapé não vale porque, afinal, Caetano já sugeriu que me alinho com a direita carola  e com as “marchadeiras de 1964″. Vai ver o fato de eu rezar o Pai-Nosso todos os dias me inabilita para combater um teórico do terror. Bem, em 1964, eu tinha três anos. Em 1976, aos 15, estava enfrentando problemas com um agente da ditadura infiltrado no colégio em que eu estudava…

Não estou aqui a exibir credenciais de esquerda para que não me confundam. Eu não estou nem aí para o que pensam a meu respeito. Os meus inimigos são os inimigos do regime democrático, pouco importa a fantasia de bons propósitos que eles enverguem. Imaginem se o demônio mostrasse sempre a sua cara feia, não é? Ninguém cairia no conto do rabudo. Peguemos um caso momentoso: querem rever a Lei da Anistia no Brasil em nome da Justiça? Pois bem: se é (e eu não acho que seja o caso) para ignorar a essência de um processo de anistia — que é um perdão concedido a crimes políticos (que assumem as feições mais diversas), não uma absolvição —, que o façamos, então, sem critério seletivo. Vamos “reencruar” a história para que todos os facínoras paguem por seus crimes. Vamos viver o esplendor de nossos conflitos de três décadas atrás! Ou toquemos a vida adiante , agarrando-nos às conquistas do estado de direito, que não faz a lei retroagir para punir inimigos. Penso assim porque sou de direita e me alinho com os militares? Penso assim porque sou lógico.

Volto a Caetano depois da digressão.

Eu fui o primeiro a protestar contra os jabutis em cima da árvore de Chico Buarque. E não porque ele é um bibelô das esquerdas, mas porque é um mau romancista. Expus aqui os meus motivos, apontando a sua falta de intimidade com a prosa, o que, a meu juízo, impede que seja distinguido como… um prosador! Caetano, no fim das contas, pede que eu respeite um ídolo da cultura popular brasileira, apelando — ele, não eu — a elementos que são externos à obra. Tanto é assim que o colunista se esqueceu de dizer por que os livros de Chico Buarque são bons. Acredito que isso faça parte de suas sutilezas…

Gosto de fazer os meus vermelhos-e-azuis, respondendo a textos trecho a trecho. Marcelo Coelho, da Folha, me acusou de arrogante ou policialesco certa feita por proceder assim. Errado. É uma questão de respeito ao autor que contesto. Estou cansado de ler coisas que jamais escrevi, mas que me são atribuídas. Gosto que o leitor tenha acesso ao original para poder se precaver também dos meus eventuais erros de leitura. O Globo não permite que se faça cópia do texto. Se Caetano quiser, pode enviar para a área de comentários. Facilita.

Vou parando por aqui — este texto, não a batalha. De tal sorte se tem criminalizado a divergência no Brasil — e o ambiente anda tão hostil ao debate — que, se querem saber, acho positivo que Caetano Veloso também tente agitar o marasmo. Num país sem oposição, por que um blogueiro e um compositor não podem se estapear um pouco, desafinando o coro dos contentes?

No que concerne a idéias, estamos no fundo do poço. As diatribes de Caetano e as minhas lixam o céu seco. Quem sabe a gente dê algumas esperanças às almas esticadas no curtume.

Por Reinaldo Azevedo

Uma resposta a Caetano Veloso

Em sua coluna de domingo no Globo, Caetano Veloso volta a citar este blogueiro e comenta um post da nossa querida Yara Chiara, que responde ao colunista. Reproduzo o texto de Yara e volto com mais Caetano no post seguinte.

*
Rei, Caetano me citou em um artigo. Achei por bem escrever algo que encerre minha participação no episódio do “Jabuti”. Não tenho outro espaço senão o desse blog tão “grosseiro” e “reacionário” que acha que alianças com Collor e Sarney não tornam “menos pior” o “melhor Lula”; que não vê a ética como epifania momentânea que, incapaz de conduzir e alimentar o show por todo o tempo, deve dar espaço, polidamente, para o avanço histórico que nos torna um “pré-” de algum “pós-” difícil de discernir. Beijo!

Não sei como se responde a Caetano Veloso. Na verdade, não sei nem se é possível responder a Caetano Veloso: ele é emblemático demais para a modéstia que a vida, não o capricho ou a dissimulação afetada, me impôs. Se eu tenho algo em comum com Machado, trata-se da condição de pessoa míope inegavelmente cabeçuda e irreversivelmente prosaica, “condenada ao lado prático das coisas”.

Caetano Veloso me desconcerta. Não é seu nome nem seu legado, porque a honestidade me obriga a dizer que pouco conheço de sua música e, na medida em que músico e música encarnam a história, pouco entendo do passado e do presente também. Caetano me desconcerta por descobrir tendências profundas naquilo que me toca por diversão, hábito, gosto ou ingênuo prosaísmo.

Não estou - como achava até então - discutindo, em tom educado e sem maiores pretensões, a qualidade de um livro que eu comprei na livraria porque precisava ler algum romance para contrabalançar a leitura técnica e muitas vezes entediante do dia a dia. Sendo um romance brasileiro, pensei, tanto melhor, contanto que seja bom.

Caetano me diz que, de alguma forma, com minha modesta e quase envergonhada crítica, reflito o estado da educação no Brasil; a trajetória sinuosa e cruel de nossas mazelas; a reação histérica, mas compreensível, que a ânsia pela integração no mundo letrado provoca.

Eu achei que havia apenas encontrado um romance ruim. Não é verdade. Caetano também me ajudou a descobrir quem sou nesse processo todo: fui a Budapeste e voltei para o Brasil como uma histérica complexada, latindo estridente e inutilmente contra uma inferioridade histórica que devo ter herdado em algum ponto da minha vida e da qual provavelmente jamais me desvencilharei.

Desse modo, confesso-me incapaz de discutir com Caetano Veloso, por irrelevante - eu, não ele; por histérica e complexada; por preconceituosa contra o vôo destemido do cantor que se projeta do palco para saltitar nas teclas do computador ou dançar, entre erros e acertos, nas pautas de um caderno.

A última consideração, porém, me deixa cética quanto a meu total desacerto: jamais deixei de ouvir Vinícius por amar sua escrita, nem deixei de amar sua escrita por gostar de sua música. Será que, sem precisarmos chamar Sérgio Buarque ou Leonard Cohen, podemos simplesmente perguntar se Chico tem o mesmo talento multiforme do Vinícius, (ainda) tão mais próximo de nós?

Quanto à parte do WikiLeaks, reconheço o dilema de Caetano com seu amigo: sendo a não-escolha uma escolha, é preciso fazer escolhas, sempre. Eu penso que nada há de ilegal no WikiLeaks e não me oponho a que continuem divulgando o que quer que seja, assim como considero a publicação dos “Papéis do Pentágono” por Noam Chomsky um marco da historiografia, embora estejamos tão afastados pela idade quanto pela ideologia. Os “Papéis” eram bem mais subversivos então do que o Wikileaks é hoje, quando celebridades se mostram dispostas a pagar uma fiança astronômica para libertar este novo símbolo do antiamericanismo em que se tornou Julian Assange.

Talvez seja essa mania de decidir que me faça chatear um amigo israelense ao me posicionar contra as políticas de Israel ou que leve Caetano a repetir, pela enésima vez, que gosta do livro “Budapeste”. A tal da “História”, em que tenho dificuldade de pensar se não estivermos falando de memória ou historiografia, pode me esmagar entre suas muretas, mas a verdade é que não ligo: a morte se encarregará desse trabalho com muito mais certeza e eficiência.

Mas sou assim, uma pobre coitada - visto não saber se há “diaba” como existem “presidentas” - “condenada ao lado prático das coisas” e, de mais a mais, “míope, cabeçuda e prosaica”.

Por Reinaldo Azevedo
Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Tags:
Fonte:
Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

1 comentário

  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Vou me embora para Pasargada, lá eu sou amigo do Rei, Poema de Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada,Lá sou amigo do rei, Lá tenho a mulher que eu quero, Na cama que escolherei, Vou-me embora pra Pasárgada >>Vou-me embora pra Pasárgada, Aqui eu não sou feliz, Lá a existência é uma aventura, De tal modo inconseqüente, Que Joana a Louca de Espanha,, Rainha e falsa demente, Vem a ser contraparente, Da nora que nunca tive >>E como farei ginástica, Andarei de bicicleta, Montarei num burro brabo, Subirei no pau-de-sebo, Tomarei banhos de mar!, E quando estiver cansado, Deito na beira do rio, Mando chamar a mãe-d’água, Pra me contar as histórias, Que no tempo de eu menino, Rosa vinha me contar, Vou-me embora pra Pasárgada >>Em Pasárgada tem tudo, É outra civilização, Tem um processo seguro, De impedir a concepção, Tem telefone automático, Tem alcalóide à vontade, Tem prostitutas bonitas, Para a gente namorar

    , E quando eu estiver mais triste, Mas triste de não ter jeito, Quando de noite me der, Vontade de me matar, -Lá sou amigo do rei-, Terei a mulher que eu quero, Na cama que escolherei, Vou-me embora pra Pasárgada.

    [Em, Libertinagem, 1930]

    0