Os quadrilheiros do mensalão alegam que não recebiam pagamentos mensais. Têm razão: eles roubavam todos os dias

Publicado em 20/02/2011 17:21 e atualizado em 09/03/2020 21:54
Por Augusto Nunes (Veja.com.br)


Leiam as observações, sempre oportuníssimas, do nosso Ethan Edwards. Comento em seguida:

Um erro de origem debilita a acusação contra o PT e seu governo: a palavra “mensalão”. Inventada por Roberto Jefferson, que com ela pretendeu resumir o que se passava nas relações entre o governo e seus aliados, a palavra não expressa com justiça (na verdade, oculta) o que de fato acontecia ─ e é, por isso, o ponto em que se aferra a defesa da grande quadrilha. Por tudo o que se publicou na época, é óbvio que não havia mensalão no sentido que o termo sugere, isto é, um pagamento mensal, regular, com valores mais ou menos fixos, que o governo destinaria a seus aliados.

Havia, sim, um gigantesco esquema fraudulento pelo qual o governo, por meio de bancos que ele controla, bancos “amigos” e agências de publicidade (Marcos Valério à frente), transferia recursos oriundos de órgãos públicos, empresas estatais, fundos de pensão, etc. para políticos do PT e da “base aliada” no sentido de pagar serviços passados e futuros, aliviar dificuldades de caixa, cobrir gastos de campanha, socorrer amigos necessitados, etc. Em suma, um enorme, monumental caixa secreto, abastecido com recursos públicos, uma espécie de Tesouro Nacional Petista, controlado politicamente por quem se sabe, operado em diferentes níveis hierárquicos por (1) petistas muuuuito graúdos, (2) dirigentes do partido, (3) funcionários do partido e (4) Marcos Valério e sua agência.

É um esquema muito maior, mais sério, capaz de causar muito mais dano à República do que um trivial “mensalão” – uma folha de pagamento paralela destinada a 100 ou 200 parlamentares. Por isso, com perdão do caríssimo Augusto Nunes e dos amigos da coluna, considero um erro acusar o PT e o governo com uma palavra deliberadamente equívoca inventada por Roberto Jefferson.

É isso, exatamente, o que desejam os advogados da quadrilha: que a discussão se fixe na palavra “mensalão”, porque nesse caso, com dois ou três argumentos, eles provam que não houve pagamentos mensais regulares, que não teria sentido o PT pagar seus próprios parlamentares para que votassem com o governo, que é costume os partidos usarem restos de dinheiro de campanha para cobrir despesas de seus parlamentares, etc. Desaparece o Tesouro Nacional Petista. Desaparecem seus operadores e até mesmo o valerioduto. Restam João Paulo e seus 50 mil reais, Silvinho e seu Land Rover, mais dois ou três ladrõezinhos mixurucas a gastar sobras de campanha. E é isso que esperam os grandes, os enormes ladrões da República, para que possam dormir serenamente em seus lençois de linho egípcio.

Mais uma vez, Ethan Edwards foi direto ao ponto. Para escapar da cadeia, a quadrilha que promoveu o Grande Roubo popularizado com o nome de Mensalão transformou-se na mais fervorosa guardiã do calendário gregoriano: só teriam existido mensaleiros, recitam, se os assaltos fossem consumados uma vez por mês. Nesse aspecto, os meliantes estão cobertos de razão. Os crimes ocorriam todo dia, ou de hora em hora, ou de minuto em minuto.

Seja lá qual for seu nome, o essencial é que a roubalheira imensa seja exemplarmente punida pelo Supremo Tribunal Federal. A denominação dos gatunos é irrelevante. O que importa é o STF compreender que o bando merece castigo. Nas melhores cadeias, aliás, ninguém é chamado pelo ofício que exerceu fora dali. Ninguém será tratado como mensaleiro pelos guardas do presídio. Todos serão identificados por números.

Vista de longe, a ascensão do deputado João Paulo Cunha à presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara parece uma patifaria a mais na rotina de obscenidades que transformou o Congresso numa Casa do Espanto. Se um José Sarney preside o Senado, se reuniões de líderes frequentemente lembram rodas de conversa em pátio do presídio, se o corregedor da Câmara chegou ao posto por ter sido o melhor aluno do professor de bandalheiras Severino Cavalcanti, não há nada de espantoso na entrega do comando da mais importante comissão a um parlamentar acusado de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheirono processo sobre o mensalão que corre no Supremo Tribunal Federal.

Sim  a escolha feita pela bancada do PT não surpreendeu ninguém: essa gente não não desperdiça chances de debochar dos brasileiros honestos. Mas a exumação festiva do presidente da Câmara do Mensalão não foi um ultraje qualquer, alerta a contemplação menos ligeira do episódio. Associada a meia dúzia de infâmias recentes, a afronta atesta que está na fase dos arremates a ofensiva, concebida em parceria pelo governo e pelo Congresso, destinada a constranger o STF e livrar do merecidíssimo castigo a quadrilha que protagonizou o maior escândalo da história da República.

Em 17 de julho de 2005, depois de 40 dias de sumiço e mudez impostos pelo dilúvio de revelações desencadeado pelo deputado Roberto Jefferson, Lula recuperou a voz em Paris para explicar que onde todos viam uma roubalheira de dimensões amazônicas ele só conseguia enxergar um caso de caixa 2. Em agosto, num pronunciamento transmitido pela TV, o presidente ainda na defensiva declarou-se “traído” sabe-se lá por quem, reconheceu que o PT cometera “erros” e recomendou ao partido que pedisse desculpas ao país.

Mudou abruptamente de rumo em janeiro de 2010. “O mensalão não existiu”, decidiu a metamorfose ambulante. Como é que é?, deveriam ter berrado em coro milhões de brasileiros estarrecidos com o colosso de provas e evidências expostas nas conclusões da CPI dos Correios, na denúncia encaminhada ao STF pelo procurador-geral da República Antonio Fernando Souza e no processo conduzido pelo ministro Joaquim Barbosa. Num país menos surreal, o assassino da verdade seria alvejado por pilhas de depoimentos e malas abarrotadas de dinheiro. Aqui, a frase virou manchete.

(Abro um parêntese para registrar que o azar de Al Capone foi ter nascido um século mais cedo e no lugar errado. Caso agisse no Brasil deste começo de milênio, poderia afirmar sem medo de réplicas que a máfia só existiu na cabeça de um bandido chamado Elliot Ness, e garantir que trata o Fisco com tamanho respeito que acabou de ser convidado para cuidar das declarações de renda das carmelitas descalças. Terminaria a entrevista como forte candidato a acumular a superintendência da Receita Federal com a chefia Casa Civil. Fecho o parêntese).

A frase de Lula, sabe-se agora, foi a senha para o início da operação destinada a premiar os pecadores com absolvições simbólicas antes que o bando dos 40 fosse julgado pela última instância do Judiciário. No banco dos réus, estariam bons companheiros inocentados pelo Executivo e pelo Legislativo. “O mensalão não existiu”, repetiram Dilma Rousseff, José Sarney e Marco Maia até que o mantra se transformasse em síntese da versão partilhada pelos dois poderes. Se o mensalão não existiu, não houve crimes. Se não houve crimes, não há criminosos a punir. Há  injustiças a reparar e injustiçados a redimir. Como João Paulo Cunha.

ESPERTEZA PERIGOSA
É ele o terceiro da lista que começou com José Dirceu, prosseguiu com José Genoíno e será completada por Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Dirceu recuperou o direito de entrar no Planalto pela porta da frente e foi incorporado à coordenação da campanha de Dilma Rousseff. Rebaixado pelas urnas a suplente de deputado federal, Genoíno foi convidado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, para servir ao país como assessor especial. No processo que o STF promete julgar ainda neste ano, Dirceu se destaca como “chefe da organização criminosa sofisticada” e Genoíno, então presidente do PT, capricha no papel de gerente da fábrica de dinheiro sujo.

Ambos acusados de formação de quadrilha e corrupção ativa, um já virou conselheiro da presidente e outro logo estará aconselhando o ministro que, envergando uma toga, presidiu o Supremo nos piores momentos do escândalo. Falta agora reconduzir Delúbio e Silvinho à direção do PT. Consumada a reabilitação da dupla, os cinco oficiais graduados do bando dos 40 poderão sentar-se no banco dos réus exibindo na lapela o crachá com a inscrição  “inocente”.

“Não há pena definitiva ou perpétua”, declamou nesta semana o deputado Marco Maia. “O Delúbio, como outros dirigentes do partido, já pagaram uma pena altíssima pelas atitudes que tiveram”, prosseguiu o assassino da verdade e da gramática. “Precisamos dar oportunidade ao Delúbio ou a qualquer outro que tenha passado por essa situação a reconstruir sua vida política”. Uma pausa ligeira e, de novo, o mantra: ” Tenho dito em todos os momentos que essa questão de mensalão não existiu”.

Se tudo não passou de miragem, Delúbio nem precisa ser julgado por formação de quadrilha e corrupção ativa. E Sílvio Pereira merece reaparecer nas seções de polícia dos jornais como vítima de um grave erro judicial. Também enquadrado por formação de quadrilha, resolveu confessar as bandidagens cometidas em troca de uma pena mais branda: 750 horas de trabalho comunitário na subprefeitura do Butantã. Se o mensalão foi inventado pela imprensa, pela oposição ou pela elite golpista, Silvinho só admitiu a culpa sob tortura. Recolocá-lo na secretaria-geral do PT é pouco. A vítima da violência deve exigir do governo uma indenização maior que as boladas das malas pretas de Marcos Valério.

Confiantes na exasperante lentidão da Justiça e na amnésia endêmica do país, os comandantes da ofensiva contra o Estado Democrático de Direito apostam na prescrição dos prazos e na discurseira sobre “falta de provas”. Acham que o processo dará em nada. Acham que, na pior das hipóteses, sobrará para os alevinos: como sempre, os peixes grandes escaparão. Acham, em resumo, que já não há juízes no Brasil.

Lula e seus generais podem aprender tarde demais que a esperteza, quando é muita, fica grande e come o dono. A maioria dos ministros sabe que, se os chefões da quadrilha forem absolvidos, o STF terá optado pela rota do suicídio. Os partidários da capitulação precisam ouvir a voz do país que presta: se o Supremo avalizar a falácia segundo a qual o mensalão não existiu, o Judiciário deixará de existir como poder independente.

As disputas internas do PT são agora decididas pelo tamanho do prontuário, confirma a indicação de João Paulo Cunha para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Resumi a folha corrida do mensaleiro juramentado no artigoA coalizão dos vigaristas, publicado no Jornal do Brasil em dezembro de 2005. Cunha demorou três anos para sentir-se ofendido e recorrer à Justiça. Só soube do processo movido contra mim em julho de 2009. Cunha achava que merecia uma indenização em dinheiro “por danos morais”. Como eu achava (e continuo achando) que o presidente da Câmara do mensalão merece é uma cela, republiquei o texto e pedi aos leitores que decidissem quem tinha razão (leia na seção Vale Reprise).

Pena que a Justiça se tenha limitado a arquivar o caso, por considerar sem fundamento o palavrório de Cunha. Se tivesse ouvido o coro dos comentaristas, o mensaleiro juramentado não estaria sentado simultaneamente no banco dos réus do STF e na cadeira de presidente de comissão que deveria combater o crime. Só exerceria o direito de ir e vir num pátio de cadeia.

Entre o salário-mínimo reajustado pela Câmara (R$545,00) e o salário dos que aprovaram o reajuste (R$ 26.723, 13, depois do aumento de 61,8% que se concederam em dezembro), a diferença é de R$ 26.178,13. Essa quantia equivale a

131 bolsas-família.

476 quilos de picanha.

1.189 quilos de carne de contrafilé

11.382 quilos de arroz

4.363 quilos de feijão-fradinho

9.027 passagens do metrô de SP

1.454 ingressos para o cinema

52 bicicletas Caloi Aro 26

22 televisore Samsung LCD 32 polegadas

18 geladeiras Brastemp 342 litros

131 pares de tênis Nike Air Max

1 carro popular

145 passagens de ida e volta na ponte aérea Rio-SP

1.047 livros infantis

1.745 DVDs

21 computadores pessoais (notebook HP com processador Intel Dual Core, 3 gigabytes de memória e HD de 320 Gigabytes)

3.022 frascos de óleo de peroba

Em dezembro, Lula e Dilma Rousseff não viram nada de errado no aumento repulsivo aprovado pelo Congresso que controlam. O discurso da austeridade não vale para os parceiros que, somados os demais benefícios, embolsam mais de R$ 1 milhão por ano. Neste fevereiro, o ex-presidente e a sucessora impuseram a quantia endossada pela imensa maioria da Câmara. Os dois garantem que governam para os pobres. Segundo números oficiais, 47,7 milhões de brasileiros sobrevivem com um salário mínimo ou menos. Se Lula, Dilma e seus parceiros tentassem atravessar um mês com R$ 545,00, conheceriam o abismo que separa o país real do Brasil Maravilha que só existe na papelada que seu inventor guardou num cartório.

Em junho de 2010, o país que presta se estarreceu com o vídeo que documenta a agressão absurda sofrida pela jornalista Marcia Pache em Pontes e Lacerda, no interior de Mato Grosso. A bofetada desferida pelo ex-vereador Lourivaldo Rodrigues de Morais, vulgo Kirrarinha, foi um tapa na cara do Brasil. Mas o país engoliu mais essa, informou a vítima na mensagem publicada na seção O País quer Saber.

Quando circula pelas ruas da cidade, Marcia se expõe a provocações de cúmplices de Kirrarinha. Em liberdade, o culpado agora acusa a vítima. Foi o que fez nesta quarta-feira, numa entrevista transmitida ao vivo pela TV. Surpreendida por outro ato do espetáculo da desfaçatez, a jornalista escreveu à coluna para contar como se sente.

O Brasil nunca pareceu tão cafajeste.

O chanceler Antonio Patriota teria encerrado outro capítulo vergonhoso da história do Itamaraty se, com uma portaria de dois parágrafos, atendesse ao pedido do Ministério Público Federal e anulasse os passaportes diplomáticos concedidos irregularmente nos últimos quatro anos. Em vez disso, informa a Folha desta quarta-feira, preferiu endossar as imoralidades fabricadas pelo antecessor Celso Amorim com argumentos tão consistentes quanto as encostas da Região Serrana que sumiram no temporal.

“Não vou fazer isso porque isso estaria ferindo direitos adquiridos”, fantasiou Patriota ao recusar a anulação dos superpassaportes que premiaram cinco filhos e três netos do ex-presidente Lula, líderes religiosos bons de lábia e bons de voto e uma penca de viajantes de estimação dos donos do poder. Em janeiro, ao mudar as regras que condicionam a liberação do documento, o ministro das Relações Exteriores proibiu a entrada de novos sócios no clube. Mas quem está dentro não sai, soube-se nesta quarta-feira.

A farra continua ao som da lira do delírio. Para atender ao pedido do presidente em fim de mandato, Celso Amorim alegou dizer amém “em função dos interesses do país”. Para justificar a concessão de passaportes especiais a 22 chefes de seitas evangélicas, Patriota invocou a necessidade de “garantir a simetria com os cardeais da CNBB”,  portadores de documentos semelhantes expedidos pelo Vaticano. E o que o tem a ver o Brasil com o que faz ou deixa de fazer um Estado independente e soberano?, berra o bom senso. E por que não estender o critério da simetria aos pais-de-santo, aos espíritas graduados ou ao alto comando do Santo Daime?

O chanceler acha que até 2014, quando expira o prazo de validade do papelório malandro, os netos de Lula merecem exercer o direito adquirido de furar filas no aeroporto de Miami para chegar mais cedo à Disney World e defender os interesses nacionais na montanha-russa. Até lá, segundo o palavrório mambembe do chanceler, a turma da sacolinha merece exercer o direito adquirido de passar por alfândegas com as malas afiveladas ─ algumas abarrotadas de dólares ─ e sem se expor a revistas.

Por ter-se aliado aos autores da delinquência e seus beneficiários, Patriota deve ser tratado como cúmplice. Autoridades que desrespeitam a lei e a Constituição estão sujeitas a um processo por improbidade administrativa. Ele poderia ter abolido a abjeção com uma portaria. Como não atendeu ao pedido do Ministério Público Federal, como não fez o que deveria ter feito, que seja obrigado a fazê-lo por decisão judicial.

Diretores do Supremo Tribunal Federal estão tentando identificar a funcionária ─ “terceirizada”, apressaram-se em explicar ─ que divulgou a seguinte mensagem na página oficial da Corte no twitter: “Ouvi por aí: agora que o Ronaldo se aposentou, quando será que o Sarney vai resolver pendurar as chuteiras?”

Os burocratas do STF avisaram que serão tomadas “as medidas administrativas cabíveis”.  Acham que a autora merece ser punida. Os brasileiros honestos estão ansiosos por conhecer a porta-voz do país que presta. Acham que merece pelo menos um busto na Praça dos Três Poderes.

Malandro velho, José Sarney gravou um vídeo inverossímil. “Fico feliz porque o Ronaldo é um fenômeno”, afirmou. “Quero agradecer a essa moça porque ela fez um julgamento muito bom a meu respeito”. O senador disse ao presidente do STF, Cesar Peluso, que não há motivos para que a funcionária seja punida. Faz sentido. Ela só sugeriu que pendure as chuteiras. O prontuário de Madre Superiora implora por muito mais.

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Blog Augusto Nunes (VEJA)

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