O mundo segundo a ótica da irracionalidade caridosa — que também mata!
Alguém dê logo um Lexotan para Clóvis Rossi e Arnaldo Jabor. Se as potências ocidentais não invadirem logo a Líbia, em nome de uma ação humanitária, eles acabarão tendo um troço. Quem diria, hein?, que ainda veríamos esses dois alinhados com os chamados “falcões republicanos”, a tão odiada “direita americana”, que também incentiva Barack Obama a se meter naquele, se me permitem, atoleiro de areia!? Por que a ocupação do Iraque foi um crime e a da Líbia é um imperativo moral dos homens justos permanece, para mim, um desses segredos indecifráveis. Como os donos da contradição se negam a dar uma explicação, ficaremos sem saber.
A Folha deste sábado, acreditem, publica um editorial sensato sobre o assunto e lembra uma questão que já abordei aqui: há uma guerra civil no país. Vamos ver, então, qual é a tese geral: sempre que houver uma guerra civil, as chamadas potências ocidentais devem intervir, eliminando o conflito, é isso? Obama deve se comportar do modo como os críticos diziam — Rossi e Jabor certamente — que Bush se comportava quando na Casa Branca: polícia do mundo?! Ou não é isso, e a torcida pela invasão só vale para o caso da Líbia?
Estamos diante de uma absurda perda de parâmetros. A análise e a crítica sobre o conflito na Líbia perderam todos os referenciais da política e até da lógica. Para pôr fim ao banho de sangue promovido por Kadafi, cobra-se a intervenção como se ela fosse produzir um banho de leite e mel!!! “Ah, mas, ao menos, vai ser em nome do bem!” Entendo. Tenham paciência! Então Bush não podia pôr pra correr um vagabundo homicida como Saddam porque era republicano, mas o democrata Obama teria a obrigação de esmagar o vagabundo homicida da vez?
Eu ainda não entendi qual é a tese e quais são seus fundamentos. Deporemos — tratarei o Ocidente como “nós” só para efeitos de pensamento — todos os ditadores da Terra, é isso? Não, acho que não é isso. Deporemos, então, só os ditadores contra os quais o povo decidir se revoltar, armado ou não? Sendo assim, passaremos a exigir das ditaduras que tenham ao menos um compromisso com a eficiência e consigam impedir movimentos de revolta. Caso eles ocorram, exigiremos que os facínoras — aliados até outro dia — se comportem como normalistas e tenham a fineza de renunciar.
É impressionante! Um despropósito se segue a outro. Alguns saúdam o que chamam “fim das ideologias”. Eu lastimo o que parece ser o fim da racionalidade. Os inimigos armados de Kadafi, que os países ocidentais ainda nem sabem quem são, estão recebendo o tratamento de agentes da civilização porque, afinal de contas, o beduíno é um facínora. É um juízo típico de crianças de 12 anos. É mesmo uma pena que a Al Jazeera e a imprensa ocidental não tenham se interessado pelo desastre em Darfur. Ao menos não teria havido o massacre de meio milhão de pessoas sob um cúmplice silêncio!
Parece improvável que Kadafi dure muito tempo no poder mesmo que venha a esmagar seus adversários. A Líbia voltaria à condição de pária internacional, e alguma forma de transição, sem a figura do tirano (daquele ao menos), se imporia. A única coisa sensata a fazer, ainda que o Jabor e o Rossi sofram muito, do ponto de vista de Obama, é esperar que os líbios resolvam seus próprios problemas. “Ah, mas o confronto é desigual!” Pois é… Sempre que se opta pela luta armada contra um regime instalado, essa desigualdade é parte da equação. Emitir uma ordem internacional de prisão contra Kadafi, reconhecer o governo dos rebeldes como o oficial, bloquear dinheiro da família… Tudo isso constitui pressão diplomática administrável, que concorre para enfraquecer o tirano. Ocupação é coisa distinta — e lembro que zona de exclusão área é uma ocupação branca.
Perguntem aí a seus botões e vejam o que eles dizem: no lugar de Obama, vocês escolheriam logo uma intervenção militar, dando um novo caminho para a deposição dos ditadores — o confronto armado, com muitos mortos — ou até torceriam, intimamente, para Kadafi vencer a parada, desestimulando a forma de luta escolhida pelos líbios? Vocês não precisam contar a ninguém o que os botões responderem! A questão não é entrar na Líbia; é ter de ficar na Líbia!
Quando Barack Obama puxou o tapete de Mubarak, um aliado do Ocidente, depois de uma semana de ocupação da praça, estava, e escrevi isso aqui, abrindo a Caixa de Pandora. O diabo é diabo porque é velho, não porque é sábio. Obama é um rapaz estudado, mas lhe falta experiência para aquela cadeira. Todo mundo sabia disso. E acharam que essa era a sua maior virtude. Evidentemente, era o seu maior defeito. É um moço sabido, mas lhe falta um tanto de velhice. A Europa poderia dar o sentido de hitória que lhe falta. Dêem uma olhada na atual safra de líderes… Estão mais para coveiros da civilização.