Lei antidesmatamento da União Europeia e pecuária brasileira: gargalos na burocracia, custos e rastreabilidade
A EUDR (European Union Deforestation Regulation, ou Lei Antidesmatamento da União Europeia, em tradução para o português), deve passar a vigorar em 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas e 30 de junho de 2026 para pequenas companhias, após manifestações de países que serão impactados pela normativa em relação à clareza de algumas normas e ao prazo para adequação. Entre os produtos importados pelo bloco europeu na mira da lei estão gado, madeira, cacau, soja, óleo de palma, café, borracha e alguns de seus produtos derivados.
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Especificamente para a pecuária brasileira, especialistas comentam sobre os custos e esforços que as adequações à lei devem acarretar ao setor produtivo, além de questões que possam atingir negativamente a União Europeia, como a diminuição no abastecimento de carne bovina e o aumento dos preços locais.
Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), explica resumidamente três pontos cruciais de exigências feitas na lei e que devem ser cumpridas não só pelo Brasil e demais países exportadores, mas também por países-membros do bloco.
“A EUDR pede como obrigação para importação e circulação, inclusive para países-membros da União Europeia, três critérios. Primeiro, que este produto não venha de área aberta após 31 de dezembro de 2020 (data de corte da abertura da área); segundo, que esta commodity, no caso, a carne bovina, tenha sido produzida respeitando as leis relevantes do país produtor, neste caso, o Brasil; e o terceiro é que o produto venha acompanhado de um documento de declaração de diligência devida, comprovando que foi feita uma análise de risco, mostrando que o risco que este produto não cumpra estes dois critérios anteriores seja categorizado como negligenciado. E com isso, é necessário enviar documentos de geolocalização da área onde este produto foi produzido (plot of land) entre outras documentações. Vale lembrar que, sobre a abertura de áreas, a lei não faz distinção sobre desmatamento legal ou ilegal”, afirmou.
Em um ponto central sobre a exportação de carne bovina e derivados para o bloco europeu, Sueme aponta que, em termos de tempo para adequação do sistema brasileiro à lei, basicamente se fala em rastreabilidade. Ela detalha que há uma parcela pequena da carne brasileira rastreada que é exportada para a União Europeia, mas que é preciso de uma ampliação para a totalidade da parcela do setor habilitada a enviar produtos ao bloco, o que demanda tempo, burocracia e aumentaria os custos.
“O posicionamento da CNA é com relação aos custos para comprovar. Essa questão da geolocalização, das documentações, do processo de diligência devida, tudo isso aumenta o custo da produção. Hoje, na medida da legislação europeia, o sujeito, ou seja, quem está sujeito a multas e quem vai precisar declarar essas informações para a União Europeia não é o exportador nem o produtor, é o importador. É uma figura que eles chamam de ‘operator’, ou operador, e a definição deles é a primeira pessoa a colocar o produto no mercado europeu. O que está acontecendo é que esta nova lei, está ‘descendo’ este custo do compliance na cadeia, chegando ao produtor, o que faz com que haja um custo burocrático maior”, disse.
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DA LEGISLAÇÃO À PRÁTICA
Uma das razões que suscitou o pedido para o adiamento do início da vigência da lei é a clareza de alguns aspectos do documento.
Bruno de Jesus Andrade, diretor técnico operacional do Instituto Mato-grossense da Carne (Imac), aponta que é necessário que seja implementado rastreamento desde o nascimento do animal. Atualmente, conforme ele explica, o registro existe apenas para a última fazenda onde o animal ficou antes de ir para o frigorífico. Seria necessário, de acordo com Andrade, fazer a identificação dos animais de forma visual, com brinco, e eletrônica para identificar o animal.
“Os produtores menores precisam de mais tempo de adequação. Os pequenos acabariam vendendo a carne a um preço mais barato, lucrariam menos e desmatariam mais em um cenário em que seja mais difícil essa adequação. O que dá para fazer, mas precisaria de definição estadual e federal, é o controle socioambiental. Já existe para quem vende direto para os frigoríficos a verificação, inclusive com análise de georreferenciamento em relação às fazendas, mas é difícil fazer tudo isso no prazo de um ano”, apontou.
O que falta em termos de protocolo na visão de Lisandro Inakake, gerente de cadeias agropecuárias e coordenador do programa Boi Na Linha do Imaflora, é a rastreabilidade, estabelecendo a origem comprovada. Para ele, não há um protocolo universalizado para o Brasil, apenas regionais, como o Boi na Linha, ou Cerrados, que são protocolos de conformidade para as propriedades, modelos que, segundo ele, seriam possíveis de serem replicados para outros locais, mas precisam ser tratados pelos agentes da cadeia.
“Na prática, a grande dificuldade é fazer a vinculação da vida dos animais e a propriedade. A propriedade não se movimenta, mas o animal, sim. O animal precisa fazer uma identificação dele, como elementos visuais, com brinco com numeração, ou com chip no brinco, como elemento eletrônico. Isso seria feito no nascimento ou antes do desmame. Se vinculado ao território, preciso do CAR, para ver a conformidade dessa propriedade, se está em unidade de preservação, desmatado… Isso é importante pq hj quem faz uma ação efetiva é o frigorífico. O protocolo é montado em cima do ato da compra. Desde que foi anunciada a EUDR a cadeia vem tentado se adequar. As empresas estão se movimentando”, detalhou Inakake.
O PESO DO MERCADO EUROPEU PARA A PECUÁRIA BRASILEIRA
Atualmente, Lisandro Inakake aponta que existem cerca de 1.200 a 1.300 propriedades certificadas para exportar para a Europa. Destas, 10% são de ciclo completo, com o animal nascido e terminado na mesma propriedade. “Sabendo disso, dá para saber a conformidade da propriedade. Hoje, fora as propriedades de ciclo completo, o que existe é a certificação da quarentena e a noventena dentro da área habilitada para exportação antes do abate.
Pensando nos locais de produção que ficariam fora da exportação para o bloco europeu, Sueme Mori explica que seriam excluídos dos embarques aquelas propriedades em área nova.
“Os estados excluídos, em que há uma produção nova, as fronteiras agrícolas, como boa parte do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, estas áreas mais novas e que não estão consolidadas, elas não vão atender à legislação por causa da data limite de abertura da área. Se essas áreas tiverem sido abertas depois de 31 de dezembro de 2020, automaticamente estarão excluídas, mesmo estando dentro da lei brasileira do desmatamento legal. Então essa questão da data de corte e da rastreabilidade, no caso da cadeia de bovinos, são questões chave que de fato vão impactar o nosso acesso ao mercado europeu” diz Sueme.
A exportação para a União Europeia, no comparativo temporal, foi reduzindo ao longo do tempo, mesmo que o valor arrecadado seja interessante, segundo Lisandro Inakake.
Para o mercado brasileiro, Bruno de Jesus Andrade afirma que a União Europeia representa um volume entre 3% a 4% do total da carne bovina que o Brasil exporta, mas, por outro lado, configura 30% a 40% do que eles importam. Com essa legislação da EUDR, caso restrinja o produto brasileiro, isso pode gerar um aumento nos preços internos na Europa. “É uma forma de protecionismo. É um setor subsidiado, e os produtores locais também sairiam prejudicados”.
O mercado europeu está longe de ser um mercado tão importante para o Brasil hoje, e se tornou uma fração do que costumava representar em outros tempos, segundo Fernando Henrique Iglesias, analista da Safras e Mercado. “E lógico, o grande mercado brasileiro é a China. A Europa não tem todo esse potencial de compra. A economia europeia passa por uma série de problemas, estrangulamentos, e mesmo que haja um crescimento de volume de carne exportada para a Europa, não seria algo tão relevante, não mudaria o jogo para o mercado brasileiro”.
Para ele, o Brasil tem capacidade de se adequar a estas normativas, mas o grande ponto é se esse comprador europeu vai pagar um preço justo pelo produto brasileiro. “Que o europeu é exigente, a gente sabe, mas se ele está exigindo um investimento maior por parte do setor, por parte do pecuarista, por parte da indústria, é necessário recompensar esse pecuarista e essa indústria de maneira adequada”.
AVANÇOS EM ANDAMENTO DE OLHO EM OUTROS IMPORTADORES
Fernando Henrique Iglesias aponta que o Brasil já está se adequando a este protocolo da União Europeia e que, inclusive, o país já teve a notícia recentemente de que a China iria exigir rastreabilidade dos produtos derivados de carne bovina provenientes do Brasil para manter o ritmo de compras.
“A grande questão aqui é que o Brasil não tem necessidade de desmatar novas áreas para avançar na produção pecuária. O Brasil tem 158 milhões de hectares de pastagens, o que já permite uma grande produção de commodities agrícolas, de pecuária de corte, sem ter que cortar uma árvore nova sequer. O trabalho então já está sendo conduzido”.
De acordo com Iglesias, os grandes frigoríficos já estão trabalhando em uma pecuária mais voltada para a sustentabilidade, cada vez mais transparente em relação às questões ambientais. “Basicamente, o que estamos vendo é um investimento pesado no Brasil em rastreabilidade e isso já vem acontecendo ao longo desta década. O Brasil não vai precisar de tanto esforço assim para se adequar a estes requisitos”.
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