O paradoxo da cafeicultura, por Fernando de Oliveira Santos

Publicado em 30/08/2019 15:18

O cenário para a cafeicultura mundial nunca fora tão promissor quanto o atual. Apesar de sucessivas crises econômicas mundiais a curva de consumo do café cresce constantemente ano após ano. As perspectivas futuras são ainda melhores se levarmos em conta a projeção de consumo do continente asiático impulsionado pelos millennials. Com esse cenário dado, o leitor pode se perguntar quem seria louco de não estar plantando café para aproveitar essa onda. Contudo, os preços em bolsa dos contratos de café estão sendo negociados ao redor das mínimas em termos nominais de 15 anos. Se levarmos em conta a inflação média e o câmbio dos países produtores, o preço da saca de café seria o mesmo dos
anos 70.

Para entender o porquê desse paradoxo teremos de entender o cenário macroeconômico que estamos vivenciando. O economista francês Thomas Piketty, em seu livro “ O capital no séc XXI ”, traz uma abordagem brilhante após a crise financeira de 2008, quando os bancos centrais começaram a imprimir dinheiro e injetar em suas economias. Entre os conceitos apresentados, Piketty evidencia que a renda do capital hoje é extremamente superior à renda do trabalho. Ocasionando desigualdades discrepantes. Ou seja, o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez mais pobre. A cafeicultura atualmente valida essa tese do economista. Hoje, um cafeicultor ganha menos de 1 cent de dólar por xícara vendida nos países importadores. O leitor nesse momento deve estar se perguntando como isso é possível já que em tese os mercados são eficientes e a mão invisível de Adam Smith regularia os preços.

A estrutura dos contratos “C” em Nova York, referência mundial do preço da saca de café é assim: hoje, o contrato vale 1 dólar por libra peso. Daqui a 12 meses, ou seja, 1 ano pra frente, esse mesmo contrato carrega uma taxa de juros em dólar em média de 10%. Essa taxa de juros do carrego é conhecida no mercado financeiro como carry trade. Na prática
isso quer dizer o seguinte: se eu abrir uma posição vendida ( mesmo sem ter a saca de café para entregar, conhecida como short sell ) e segurar essa posição por 1 ano e os preços não ficarem acima do que vendi eu vou ganhar 10% em moeda forte (dólar). Então, apesar da alta no consumo ano após ano de 1,5% e as projeções positivas, o café nunca vai ter uma curva constantemente altista. O que se vê são sempre picos de volatilidade e especulação pra cima com seguidos longos períodos de declínio constante. Com taxas de juros cada vez mais baixas e em alguns países negativas, ficar vendido em café no mercado futuro recebendo uma bela remuneração é um ótimo negócio. E para agravar ainda mais a situação, os grandes vendedores futuros são fundos e bancos de investimento que também são acionistas de indústrias compradoras de café físico.

No II fórum dos produtores mundiais de café em Campinas, nos dias 10 e 11 de julho, no qual estive presente, a problemática da precificação foi discutida entre os participantes. No entanto, o que me chamou muito a atenção, foi a solução apresentada pelo professor palestrante da Columbia University Jeffrey Sachs. A solução do renomado professor, se é que podemos chamar de solução, foi a criação de mais um fundo de ajuda humanitária dos países desenvolvidos aos coitados cafeicultores latino americanos e africanos. E é justamente a mentalidade o grande problema da cafeicultura. Se o antibiótico para curar essa doença crônica de décadas não vier dos países produtores, nós vamos ficar tomando analgésico achando que está tudo bem por que a febre passou. Sendo que o problema nunca chegou nem perto de ser resolvido.

Existe somente um caminho possível para curar essa doença. No entanto, vamos ter de dar de frente com grupos de interesses internacionais. O primeiro passo seria o Brasil desvincular o preço da flutuação da saca de bolsas de valores. Há quem ainda defenda a precificação do café em bolsa, mas como evidenciei mais acima os fatos e evidências históricas mostram que esse não é o melhor caminho. Na sequência, o governo deveria permitir a importação de café de qualquer lugar do mundo com a proibição da exportação de café verde. O Brasil só passaria a exportar café industrializado. O PIB do café iria crescer exponencialmente, novas marcas seriam criadas, novos investimentos na indústria cafeeira iriam ser feitos com agregação de valor na origem. Se o leitor ainda ficar reticente sobre a precificação em bolsa, sugiro a seguinte reflexão: se a bolsa é o melhor caminho para precificar uma comoditie agrícola, por que será que a uva ou suco de uva não são negociados em bolsa ? Os maiores produtores mundiais de uva são: Itália, França, Estados Unidos e Espanha. Os maiores produtores de café são: Brasil, Vietnam, Colombia e Indonésia.

Fernando de Oliveira Santos - Graduado pela Fundação Getúlio Vargas com experiência profissional de 8 anos no mercado financeiro hoje está como diretor executivo da marca de cafés especiais Santo Agostinho

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Fernando de Oliveira Santos

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1 comentário

  • Wanderley Cintra Ferreira Franca - SP

    Esta é a matéria mais lúcida sobre a situação da cafeicultura nacional. Presidente Bolsonaro deveria tomar conhecimento e editar uma MEDIDA PROVISÓRIA determinando que " a partir de janeiro-2020 fica proibida a exportação de café verde, só exportar café industrializado, sair da Bolsa de Nova Yorque. Somente assim o produtor conseguiria um preço justo pelo seu produto. Isto é um sonho, mas, um sonho compartilhado por milhares de cafeicultores pode se tornar realidade.

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