Pequenos produtores de 7 estados avaliam impacto do Código Florestal

Publicado em 31/05/2011 08:27
A Câmara dos Deputados aprovou o novo Código Florestal na terça-feira (24). Durante uma semana, o G1 ouviu pequenos produtores em sete estados (Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Bahia) . Pontos que já motivam debates entre senadores e líderes do governo também causam preocupação entre os produtores. Nas reportagens (veja abaixo e ao lado), eles avaliam os possíveis impactos da nova lei em suas atividades.

O Código Florestal é a legislação que estipula regras para a preservação ambiental em propriedades rurais e define o quanto deve ser preservado pelos produtores. O código atual é de 1965.  Entre outras regras, o Novo Código prevê dois mecanismos de proteção ao meio ambiente.

O primeiro são as chamadas áreas de preservação permanente (APPs), locais como margens de rios, topos de morros e encostas, que são considerados frágeis e devem ter a vegetação original protegida. Há ainda a reserva legal, área de mata nativa que não pode ser desmatada dentro das propriedades rurais.

No Senado, itens podem ser alterados. Caso haja mudança em relação ao texto aprovado na Câmara, os deputados voltam a analisar o texto. Depois, o código vai à sanção da presidente Dilma Rousseff, que pode vetar o texto parcial ou integralmente.

Paraná - 'Aqui ninguém quer ficar rico', diz pequeno agricultor do PR

Na Região Metropolitana de Curitiba existe um produtor que conseguiu unir a preservação determinada pelo Código Florestal vigente e a produção. Aos 51 anos, o agricultor José Ari da Silva mora no mesmo lugar desde que nasceu. Os bisavôs dele chegaram ao Brasil vindos da Itália - e toda a descendência fez a vida no município de Colombo. A propriedade é essencialmente agrícola, com pouco menos de um hectare. O cultivo é de alface (de cinco tipos), brócolis e couve-flor.

"Quanto mais se planta, mais se ganha. Mas aqui ninguém quer ficar rico", diz José sobre a reserva legal de 20% que mantém no terreno. A lei obriga a preservação. "E se todo mundo desmatar tudo, vai sobrar o que", questiona. As árvores nativas ficam ao lado da casa, "e deixam tudo mais bonito".

Do espaço em que consegue plantar saem 137 caixas de verduras por semana, levadas direto para o Mercado Municipal da capital. "Só não é orgânico porque usamos esterco de galinha, mas não tem agrotóxico". São cem caixas de alface, 22 de brócolis e 15 de couve-flor. Cada caixa tem 12 cabeças.

De acordo com José, a agricultura é de subsistência. "Nossas pretensões são poucas. Quando saímos aqui do mato é para ir mais para o mato ainda, para a Represa do Capivari, pescar. Não gosto de Curitiba, a gente volta com dor de cabeça, é muito barulho." Fala ainda da "falta de água para beber. O poço não tem o suficiente. Mas, por outro lado, Deus irriga a lavoura".

Caso a propriedade de José tivesse uma nascente, córrego ou rio, a margem de preservação - 15 m -, segundo o texto do novo Código Florestal aprovado pela Câmara nesta semana, reduziria substancialmente os ganhos da família.

Mas sobre as mudanças trazidas pelo Código Florestal, o agricultor aprova a substituição das multas pela recuperação da mata: "Dinheiro não coloca árvore no lugar".
José planta alface, couve-flor e brócolis (Foto: Vinicius Sgarbe/ G1 PR)José planta alface, couve-flor e brócolis (Foto: Vinicius Sgarbe/ G1 PR)

Dados do Censo
Dados do Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que 82% das áreas utilizadas pela agricultura no Paraná são ocupadas por agricultores familiares.

Este número corresponde a 1.117.084 trabalhadores neste setor que produzem, de 70% a 75% do total de alimentos produzidos pela agricultura paranaense. Destaque para o plantio de mandioca com 81%, feijão preto, com 75%, e leite de vaca e de cabra com 68% do montante produzido no estado.

Novo Código
O texto do deputado Aldo Rebelo (PC do B), relator do novo Código Florestal, traz algumas mudanças quanto as Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL) que devem ser respeitadas pelos proprietários de terra, independentemente do tamanho. "A APP continua sendo de 30 metros para as propriedades onde passa rio de até dez metros de uma margem a outra. A inovação é que para os casos de recuperação de áreas degradadas, o mínimo passa para 15 metros, em alguns casos", explicou o advogado e diretor da Comissão de Direito Ambiental da OAB/ PR, Alessandro Panasolo.

As propriedades de agricultura familiar têm, no máximo, quatro módulos fiscais - que são delimitações de áreas agrícolas e que são definidas conforme o estado e a região onde a propriedade está localizada.

No Paraná, o tamanho médio dos módulos são 16 hectares. "Precisa ter Reserva Legal de 20% em todas as propriedades", lembrou Panasolo. A exceção, exemplificada no novo Código Florestal, é que nas terras de até quatro módulos ficais, que tiveram a RL degradada, o agricultor precisa recompor um porcento da reserva que possuía em 2008.

"Ele [o código] vai, com certeza, contribuir para que essas propriedades possam se tornar legais diante do Código Florestal", declarou o advogado. Na avaliação de Panasolo, por questão de sobrevivência, uma porcentagem considerável dos agricultores familiares ultrapassou o limite de 30 metros da margem do rio. E a aprovação da nova legislação deve levar mais tranquilidade para o agricultor continuar produzindo.

Avanço
Em entrevista ao G1, o diretor da área de meio ambiente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Paraná (Fetaep), Aristeu Ribeiro, disse que mesmo existindo pontos que a Federação considera negativos, é essencial que o Código Florestal seja aprovado. Ribeiro foi a Brasília acompanhar as três tentativas de votação do relatório do deputado Aldo Rebelo (PC do B) e, segundo ele, de modo geral o código é um avanço porque "é impossível cumprir a lei do jeito que está".

Entre os itens levantados por Aristeu Ribeiro como equívocos da nova regulamentação está a falta do conceito de agricultura familiar no texto do Código Florestal. "A agricultura familiar deve ser tratada de forma diferente, precisa de outros cuidados de quem não usa a terra para sobreviver", declarou Ribeiro. Ele afirmou ainda que muitos agricultores familiares plantam em áreas que deveriam ser de preservação para conseguir o mínimo de produtividade necessário.

São Paulo - Código pode regularizar 3,7 milhões de hectares em SP, diz estudo

Estudo da Secretaria de Agricultura de São Paulo aponta que 3,7 milhões de hectares no estado poderão sair da ilegalidade caso o novo Código Florestal seja aprovado no Senado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff nos moldes em que passou pela Câmara dos Deputados.

O número equivale ao total de áreas que precisam ser recuperadas no estado conforme determina a medida provisória 2166-67, de 2001.

“Essa lei criou uma inovação jurídica. Antes dela, a área de preservação permanente (APP) era contada para efeito de reserva legal. Nessa lei, excluiu-se a APP do computo da reserva legal. Essa lei não pode ter efeito retroativo a situações vividas antes de 2001. Não se está anistiando ninguém, se está cumprindo um preceito legal. Se você fosse aplicar essa medida provisória, teria recompor em São Paulo 3,7 milhões de hectares”, calcula José Sidnei Gonçalves, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA), do estado de São Paulo.

Já a proposta de novo código volta a considerar as APPs no cálculo das reservas legais. “São Paulo tem 18 milhões de hectares de lavouras e pastagens. São dez milhões de lavoura e oito de pastagens. Tirar 3,7 milhões de hectares é impraticável economicamente. Essa recomposição é uma impossibilidade”, afirma.

A reserva legal é a área de vegetação nativa que deve ser protegida dentro da propriedade. Já as APPs são áreas frágeis como topos de morros e margens de rios.

A maior parte do passivo, segundo o pesquisador, está na bacia Tietê-Paraná, onde ficam 3,6 milhões de hectares da produção de cana-de-açúcar, pastagens, plantações de laranja e outros produtos do agronegócio paulista.

Para ele, o projeto do novo código reconhece “direitos adquiridos” de 3,5 milhões de hectares. Sobrariam cerca de 200 mil hectares a serem recuperados na região do Vale do Paraíba, principalmente em plantações de arroz e topos de morro. Essa situação, segundo Gonçalves, poderia ser resolvida por meio da emenda 164, que dá aos estados o poder de regularizar tipos de cultivo que serão permitidos em APPs. A aprovação da emenda gerou atrito dentro da base aliada do governo. A União quer direito exclusivo de determinar o que pode ser ou não cultivado nestas áreas.

Outro ponto do código florestal que deverá causar impacto no estado é a proposta de isentar de recomposição da reserva legal as propriedades rurais de até quatro módulos fiscais. Se for aprovada, colocará a fazenda do produtor Rodrigo Immediato dentro da lei. Ele cria 130 cabeças de gado leiteiro numa área de 50 hectares na região de Pindamonhangaba. Há décadas, a fazenda fazia parte de uma área maior de produção de café. Foi aberta, desmatada e, com o passar dos anos e a vinda de novas gerações, foi sendo desmembrada.

“Essa propriedade está com a minha família desde a época do café. Aqui no Vale do Paraíba ocorreram as grandes devastações de florestas para o cultivo de café. Há muito tempo atrás foi feito desmatamento. Hoje estamos praticamente dentro da cidade. Falar em reserva legal é difícil. Não era uma mentalidade da época. O pessoal não tinha problema de clima, de nada. É difícil julgar isso”, diz. Ele diz que ocupa 85% da propriedade.

A situação de Rodrigo é comum no estado, que atingiu a fronteira agrícola por volta da década de 70. “A partir da década de 70, poucas áreas foram desmatadas em São Paulo”, diz o agrônomo Paulo Kageyama, professor do departamento de Ciências Florestais da Universidade de São Paulo (USP).

Para ele, duas questões principais estão em jogo para o estado em relação ao novo código. Primeiro, a possibilidade de se permitir que produtores rurais comprem áreas de reserva legal fora de suas propriedades. “Isso vai permitir que as pessoas comprem áreas muito distantes, que não têm nada a ver com o equilíbrio da paisagem local. É importante que fosse na mesma microbacia, no mesmo ecossistema. Podendo ser fora disso, sai fora completamente das regras ecológicas”, opina.

Outro ponto da proposta que o agrônomo critica é a permissão de que áreas que ficam às margens de rios de até 10 metros de largura sejam recompostas numa faixa de 15 metros. Atualmente, a lei determina que sejam preservados 30 metros de mata do lado de cada margem.

“Quinze metros não é mata. É uma linguiça tão estreita que não representa uma restauração de um ecossistema. Praticamente é tudo borda. Numa mata, essa faixa mais externa é muito prejudicada porque recebe insolação direta, ventos diretos, então a gente sempre despreza essa faixa de borda. É uma faixa tão estreita que não serve pra proteger animais, não reconstitui a mata, não serve para proteger o rio. A faixa de 30 metros cobre uma área que é a mais sensível quando cai uma chuva forte, a área ciliar. Se não tiver mata, quando chove, a margem desbarranca e assoreia o rio”, explica.

O produtor rural Rodrigo Immediato sentiu a diferença quando decidiu recuperar as quatro nascentes que possui em sua propriedade. Ele cercou as áreas para o gado não entrar na mata ao redor de uma das nascentes que alimentam a represa e plantou mudas de espécies nativas.

“A gente notou que começou a melhorar o fluxo de água no período da seca”, diz. Em outra nascente preservada, ele diz que já viu que animais estão voltando a ir até a mata, antes degradada. As nascentes foram cercadas sem medição ou rigor técnico.

Para o professor da USP, a presença de animais é um sinal de recuperação da biodiversidade. “Essa mata também protege a biodiversidade, que é a única biodiversidade possível, já que fora é tudo agricultura e pecuária. Ela dá equilíbrio para o ecossistema e também protege a produção das pragas e doenças. Está provado que quando você tem mata ciliar perto de culturas, essas culturas têm muito menos pragas e doenças”, defende.

Rio de Janeiro - Em Maricá, no RJ, produtores dão exemplo de respeito a floresta

Eles estão distantes da polêmica que envolve as propostas do Código Florestal. Mas, na prática, são capazes de dar aulas e exemplos de equilíbrio da produção com a preservação. Esses “professores” de respeito ao meio ambiente fazem parte de uma pequena comunidade rural em Espraiado, distrito de Maricá, na Região Metropolitana, a cerca de 80 quilômetros do Rio.

Conter o desmatamento
Ali, pequenos produtores, que utilizam suas propriedades para plantar aipim, banana, limão, milho e algumas hortaliças, reconhecem que a preservação da floresta é fundamental para garantir o sustento de suas famílias com o cultivo de produtos de qualidade para comercialização no mercado local.

A partir da origem do nome da serra os moradores dessa comunidade confirmam suas convicções de respeito às reservas naturais da região. Espraiado surgiu na época das cheias que alagavam a área, espraiando as águas dos riachos que formam o Rio Caranguejo.

“A gente aqui não deixa ninguém desmatar. Somos fiscais voluntários desse espaço. Todos são pequenos produtores que usam a terra, criaram suas famílias aqui, cresceram em contato com essa mata. Quando a gente não respeita, ela traz uma tragédia como alerta”, afirma José Milton dos Santos, 36 anos, um dos produtores ativos da região.

Alternativa para produzir
José lamenta, no entanto, a falta de apoio e incentivo à produção. “Estamos desanimados. O custo para plantar é muito alto, tem o transporte das mercadorias, e na hora de vender não querem pagar um preço justo”, reclama.

Ele dá como exemplo os preços oferecidos pela banana e aipim. “Já cheguei a produzir 100 caixas de aipim aqui, mas eles só pagam R$ 10 pela caixa de 20 quilos. Na banana, oferecem R$ 0,30 o quilo. Não estava compensando”, acrescenta.

Diante dessa realidade, a presidente da Associação de Amigos de Espraiados (Ame), Valdinéia Montenegro Conceição, 45, que também possui uma área de produção, faz parte de um grupo que saiu em busca de uma saída alternativa de geração de renda.

Eles passaram a promover um evento mensal – sempre no primeiro domingo do mês –, que se chama “Espraiado de portas abertas”, para receber visitantes da cidade. Nos sítios, oferecem café da manhã, com bolos de aipim e sucos diversos, almoços, além da venda de produtos feitos pelos artesãos nativos.

“A agricultura de Maricá foi negligenciada durante muito tempo pela falta de apoio das autoridades, inclusive dos municípios. Essa categoria foi quase dizimada. Eles fazem parte de um grupo de resistência que hoje consegue desenvolver essa produção consorciada se beneficiando da preservação da natureza. E tem o nosso apoio”, afirma o secretário de Agricultura e Pesca de Maricá, Cláudio Jorge Soares.

Para o ambientalista Vilmar Berna, que atua na comunidade de Jurujuba, em Niterói, Região Metropolitana do Rio, iniciativas de apoio aos pequenos produtores devem ser estimuladas.

Código de Biodiversidade
"A produção que gera trabalho e renda deve ser prioridade e não aquela para equilibrar a balança comercial. Quem planta para produzir etanol, planta soja e milho para alimentar animal no exterior, tem tudo mecanizado. É essa gente que desmata desordenadamente, sem respeito ao meio ambiente, porque só visa lucros crescentes", analisa.

Atento às articulações sobre o Código Florestal, apesar da aprovação na Câmara do projeto do relator Aldo Rebelo, Vilmar acredita que ainda haverá alguns desdobramentos até a proposta chegar ao Senado e à mesa da presidente Dilma Rousseff para definir a reforma.

“É óbvio que o Código é inadequado. Mas é preciso procurar um consenso. Infelizmente, os políticos estão falhando na capacidade de intermediar os conflitos”, critica.

O técnico agrícola Maurício Ruiz, secretário executivo do Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA-RJ), uma das organizações da Coordenação Nacional da Rede Mata Atlântica, defende uma discussão que garanta um Código de Biodiversidade para o Brasil.

“O nosso país possui a maior biodiversidade do planeta. O código deve servir para garantir a vida das pessoas, a fertilidade do solo e a qualidade da água. É algo que tem um grande apelo social. Não podemos ficar reféns de um documento”, conclui.

Minas Gerais - Agricultor de Minas cobra incentivo para replantio de vegetação nativa

O agricultor Luiz da Silva Filho, de 50 anos, que retira o sustento da família de canteiros de brócolis, cebolinha e salsinha em Minas Gerais, não quer ser comparado aos grandes produtores que exportam a melhor parte do cultivo e não lidam com o trabalho da roça. Para ele, são muitas as diferenças para obedecerem a uma mesma legislação. “Falta uma política mais clara para os pequenos produtores”, disse.

Com o cultivo sem agrotóxicos, ele e a mulher, Marlene Martins da Silva, 45 anos, criam dois filhos, uma adolescente de 13 anos e um rapaz de 23 anos. Em Minas Gerais, 79% dos 551,6 mil estabelecimentos rurais se enquadram na agricultura familiar, segundo dados informados pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Isso representa uma ocupação de 27% do território mineiro.

A propriedade de Silva Filho, na zona rural de Sarzedo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tem três hectares de terra ocupados pelo plantio há 24 anos. Quando comprou a área, a vegetação nativa já havia sido desmatada e ele não fez o replantio em 20%, como manda a lei. No ano passado, quando foi renovar a autorização para uso da água na irrigação, foi informado sobre a necessidade de se adequar. Com o novo Código Florestal, isso pode mudar.

“Fui regularizar [o uso da água] e pediram para preservar 20% da área. O impacto é grande para mim e isso não daria retorno”, justificou, dizendo que a área de reserva legal prejudicaria a renda da família. Filho explica que não é contra a recomposição da vegetação nativa, mas diz que sem incentivo de políticas ambientais não conseguiria fazer o replantio.

Caso o Código Florestal seja aprovado da forma que foi enviado para o Senado, Silva Filho não vai precisar recompor a vegetação nativa no percentual estipulado. Ele hoje se sente ilegal, mas destaca que gostaria de preservar mais. "Isso é uma preocupação de todos. O meio ambiente precisa ser recuperado".

O apoio financeiro está previsto, mas, de acordo com o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da Silva, a nova legislação é inconclusiva sobre o assunto. “O governo deve pagar pelos serviços ambientais, mas isso não está totalmente definido. Temos que amarrar isso agora”, disse. Atualmente, a Fetaemg representa 1,5 milhão de agricultores familiares, assalariados rurais e assentados da reforma agrária. A federação reúne sindicatos de 515 cidades mineiras, em todas as regiões do estado.

O presidente da Fetaemg diz que o texto do novo Código Florestal como está não contempla claramente as diferenças entre os grandes e os pequenos produtores. “No relatório do [deputado federal pelo PCdoB-SP] Aldo Rebelo, abriu a porteira e passou todo mundo, pequeno, médio, passou todo mundo. Eu acredito que a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil] e a bancada ruralista estejam comemorando. Eu não comemoraria muito não porque nós [pequenos produtores] não vamos baixar a guarda. Vamos fazer pressão no Senado para que nossas propostas sejam inseridas dentro do novo Código Florestal”, acrescentou.

O secretário-adjunto de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Paulo Afonso Romano, é favorável a apoiar pequenos produtores. “A área dele [pequeno produtor] é restrita para gerar renda. Não teriam folga de renda para replantar, por isso a importância dos serviços ambientais pagos”, disse. Em situação semelhante a do produtor de hortaliças de Sarzedo estão outros pequenos agricultores que dependeriam de apoio financeiro do governo para manter áreas de reserva legal e recompor a vegetação natural em áreas de preservação ambiental, as chamadas APPs, como margens de rios, topos de morros e encostas. Segundo dados do último Censo Agropecuário, são cerca de 1,2 milhão de pessoas ocupadas na atividade familiar.

Segundo Romano, a grande maioria dos agricultores familiares está concentrada em áreas de preservação permanentes no entorno de rios. “Os assentamentos humanos, as residências inclusive, são próximas à água. Isso levou ao estabelecimento de ocupação das áreas de APPs fluviais como base para a vida daquelas comunidades ou famílias”. Para o secretário-adjunto, realidades diversas são encontradas em Minas, mas de um modo geral, pequenos e grandes produtores têm respeitado a legislação ou estão em fase de organização.

Outras áreas de preservação permanente no estado são as encostas e topos de morros, onde se evidencia o plantio de café. De acordo com Romano, Minas Gerais é responsável por mais da metade da produção do grão no país. O secretário-adjunto destaca que o cultivo nessas áreas vai poder ser mantido desde que não gere novos desmatamentos. Se o terreno estiver com pastagens degradadas, o café pode ser cultivado naquele local. Essa permissão não implica, segundo ele, a supressão de florestas e matas.

“Às vezes se tem uma compreensão errada de que está liberando o desmatamento do morro. Mas ele já está desmatado. Você está tirando a pastagem degradada e colocando o café, então você está melhorando a condição ambiental, ao contrário do que se pensa. Porque o café, mais do que a pastagem degradada, conserva o solo, evita erosão, melhora condição da biodiversidade”, disse Romano.

Preocupada com o impacto da legislação, a superintendente da ong Associação Mineira do Meio Ambiente, Maria Dalce Ricas, diz que o código abre espaço para mais desmatamentos e "seria mais uma lei para ser desobedecida". "Criou-se uma norma legal, que vai consolidar todos os desmatamentos ilegais no Brasil", disse. Ainda segundo ela, pequenos e grandes produtores foram tratados da mesma forma e a legislação beneficia o agricultor que desmata, sobretudo com a anistia de multas.

Bahia - 'Converso com meus vizinhos para preservarem', diz agricultor baiano

Bertulino Alves Nascimento, de 64 anos, é um pequeno produtor rural do povoado de Conchas, situado no distrito de Maniçoba, a 40 km de Juazeiro, na Bahia. Na propriedade de cerca de seis hectares, S. Bertulino produz feijão e milho para o consumo da família, além de cultivar capim para alimentar o gado.

"A maior produção que tenho é de manga. Esta dá pra vender alguma coisa", completa o produtor rural.

Para cuidar da plantação, Bertulino conta com a ajuda de dois filhos e, na época de maior safra, com o auxílio de um vizinho. A propriedade de Bertulino fica às margens do Rio São Francisco. Embora não conheça todos os detalhes do novo Código Florestal, Bertulino acompanha as discussões sobre o assunto e há cerca de cinco anos reserva 50 metros da sua área, partindo da margem do rio, para preservação.

"Acredito que a falta de conhecimento do teor da lei, ou seja, as dificuldades em ter acesso e orientação ao novo Código Florestal podem ser um empecilho. Outro fator que pode dificultar a regulamentação das áreas agrícolas é a disponibilidade de recursos para recompor as APP’s e as áreas de Reserva Legal", observa.

Ainda assim, João percebe de forma positiva a proposta do novo código e acredita que ele trará mais benefícios do que prejuízos aos agricultores baianos. "O código pode beneficiar a área agrícola através de uma maior segurança jurídica aos produtores rurais, respeitando as determinações governamentais anteriores, e consolidando as áreas produtivas existentes”, avalia João.

Polêmica
Já o superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) na Bahia, Célio Costa Pinto, se mostra preocupado com alguns itens do novo Código. “A anistia de multas é um exemplo ruim para quem sempre cumpriu com a legislação, além de abrir precedentes. O acompanhamento das APP’s pelos estados pode ser prejudicial ao meio ambiente. Se cada estado tiver a liberdade para legislar, um pode ser mais flexível que o outro”, avalia.

O novo Código Florestal prevê o direito de anistia aos produtores rurais que desmataram até o dia 22 de julho de 2008. De acordo com o Ibama, na Bahia, de 2006 a 2011, foram registrados 642 autos de infração, resultando no valor total de R$ 91.618.118,89 em multa. Do número de infrações, 70 foram referentes ao descumprimento das APP’s e 26 da Reserva Legal. As infrações restantes estão associadas ao desmatamento de florestas.

“No estado há cerca de 700 mil propriedades rurais. Não sabemos ao certo, pois não há um cadastro ambiental ou fundiário que aponte as áreas de reserva legal e APP, mas dificilmente elas ocupam mais da metade da propriedade, mesmo as pequenas”, observa Célio.

Desmatamento na Bahia
O superintendente destaca ainda que historicamente o maior índice de desmatamento na Bahia acontece na zona costeira (Mata Atlântica), devido à ocupação humana e à concentração de cidades, no entanto a fronteira agrícola se expandiu no Oeste (Cerrado) e avança sobre o semi-árido (Caatinga) devido à produção de carvão ilegal e ao abastecimento de olarias. “A Bahia necessita de um zoneamento ecológico-econômico urgente, que já está sendo elaborado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente”, afirma.

Mato Grosso - Para produtor rural de MT, Código vai fortalecer produção agrícola do país

O produtor rural José Guarino Fernandes, de 46 anos, acredita que o Código Florestal será benéfico aos proprietários de terra, porque servirá para consolidar as áreas que já estão desmatadas e são usadas para cultivo de grãos ou agropecuária. Dono de uma propriedade de 780 hectares, ele utiliza 400 para o plantio de soja e 100 para pastagem, além de manter outros 90 de Área de Preservação Permanente (APP) e 190 de área de reserva legal. Com 35% da área destinada à preservação, ele se enquadra na lei que poderá entrar em vigor.

Para Fernandes, o Código Florestal também proporcionará uma arrecadação maior ao governo com o aumento da produção. “O Código vai solidificar a produção agrícola do país. Sem ele, você perderia área produtiva e teria de convertê-la em reflorestamento, o que logicamente diminui a receita. Se ele não for aprovado do jeito que está, haverá impacto no nosso município, no estado e no Brasil. Nós perderíamos uma grande área produtiva”, afirma.

O produtor acredita que a nova lei dará mais respaldo a quem já desmatou para regularizar sua situação. “Quando eu comprei a propriedade em 1984, eu poderia desmatar 80% da área, mas preferi ficar em 65% por causa da insegurança com as leis, o que dá um pouco mais de 35% de reserva. Agora, eu não pretendo desmatar novas áreas, porque a lei não permite mais o desmatamento”, diz.

Fernandes reclama também da postura de ambientalistas e de órgãos de fiscalização ambiental em relação aos produtores rurais. “Eles tratam o produtor como criminoso, já pressupõem que estamos cometendo uma irregularidade.”

Regras claras
O diretor executivo da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), Seneri Paludo, considera que há dois pontos de avanço no projeto: o primeiro seria a regra mais clara em relação à questão ambiental e o segundo, a consolidação das áreas da produção.

Segundo Paludo, há 30 anos, no Norte de Mato Grosso, agricultores podiam produzir em 50% da área, mas um decreto em 1996 diminuiu o total para 20%. “O produtor que tem a documentação antiga do governo para usar 50% da área teria de reflorestar o local, porque perdeu esse direito com uma determinação repentina. Esse ódigo traz segurança jurídica para os produtores que seguiram a regra no passado continuarem a produção”.

Paludo afirma que não houve anistia, pois já no governo anterior produtores que regularizassem as terras seriam beneficiados com a isenção de multa. “O Código Florestal replica um programa que já existia antes. Não significa que os produtores serão anistiados, mas aqueles que buscarem regularização não receberão multa.”

Em relação às pequenas propriedades, Paludo explica que, na prática, elas já não mantêm as reservas legais por uma questão econômica. “Se [o agricultor] não usar a área, não terá renda para pagar a propriedade e não poderá sobreviver”, afirma.

Incentivo ao desmatamento
O coordenador executivo do Instituto Centro de Vida (ICV), Laurent Micol, afirmou que Mato Grosso passa por uma “corrida ao desmatamento”. Conforme as imagens de satélite de abril, foi possível notar áreas de desmatamento muito grandes no estado.

Para Micol, os pontos mais críticos são os que abordam a anistia a produtores que fizeram desmatamento ilegal até 2008 e a possibilidade de não recuperar áreas de reserva em pequenas propriedades, o que representam um incentivo à irregularidade. “Houve uma retomada repentina do desmatamento no estado por causa do Código Florestal. As pessoas entendem que o produtor que já desmatou ilegalmente se deu bem, porque não vai precisar recuperar a área. E quem não desmatou e permaneceu na lei, não vai poder desmatar e se deu mal.”

Para Micol, em Mato Grosso, há uma pressão pelo desmatamento por conta do preço da terra e da produção. “Os agricultores sabem que há fiscalização, mas a multa é pequena perto do valor dos grãos. Um hectare de soja vale mais que um de floresta.”

O secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Alexander Torres Maia, admite que houve aumento no desmatamento do estado por causa das suposições em relação à lei. “A expectativa gerada pelo Código Florestal foi muito perniciosa para nós, porque as pessoas achavam que a lei anistiaria todo mundo. Isso jamais foi falado, mas o problema foi a expectativa gerada por toda essa discussão. Com a divulgação dos termos, o desmatamento vai diminuir”, afirmou Maia.

Micol ainda alerta também que existe o risco de grandes produtores dividirem suas propriedades em vários lotes de poucos hectares para que consigam isenção para recompor a reserva legal. Porém, o superintendente do Ibama em Mato Grosso, Ramiro Hofmeister de Almeida Martins-Costa, garante que isso não deve ocorrer.

“Fazendeiros já tentaram fazer isso para não sofrer desapropriação de terra para a reforma agrária, mas isso é uma bobagem. A legislação fundiária vê a propriedade rural como um todo para vedar esse tipo de artimanha. Se ela é feita por uma ou 50 matrículas não importa, pois será tratada como uma propriedade só. Pode ter o nome do pai, de um filho, do outro, pode até fracionar a terra no papel, mas a fazenda será tratada como uma só.”

Mato Grosso do Sul - Produtores de MS querem regras claras sobre meio ambiente

Produtores rurais de Mato Grosso do Sul querem que o novo Código Florestal do país, que teve o texto aprovado na Câmara e seguiu para a análise do Senado, traga regras claras sobre as questões ambientais, para não inviabilizar atividades como a agricultura e a pecuária.

A reivindicação é endossada por produtores como Hidenori Kudo, que tem uma propriedade de 1.200 hectares, no município de Dourados, que fica a 225 quilômetros de Campo Grande. Na fazenda ele cultiva arroz, mandioca, cana, eucalipto e milho.

Em sua propriedade, Kudo tem 120 hectares de reserva legal, 150 hectares de uma Área de Proteção Permanente (APP) e ainda uma área não contabilizada de mata ciliar.

“Acho que as áreas de APP têm de ser incluídas na conta da reserva legal, se não pode inviabilizar a atividade. No meu caso não, mas outros produtores podem ficar com até metade de sua área comprometida. Hoje, o mínimo para que qualquer propriedade tenha condições de se manter em nossa região é de 70% da área disponível”, comenta.

Já a agricultora familiar Mariluce Foresti reclama da falta de informações sobre o novo Código Florestal. Ela mora há oito anos em lote do assentamento Itamarati, uma ex-propriedade do Grupo Itamarati, do empresário Olacir de Moraes, que foi transformada em um projeto da reforma agrária.

Mariluce comenta que nos 16 hectares do lote que tem com o marido são cultivados algodão orgânico, gergelim, milho e feijão. Ela conta que, quando foi criado o assentamento, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), determinou que fossem criadas reservas legais coletivas.

“Em vez de cada um ter uma reserva no seu lote, os assentados foram divididos em grupos e para cada grupo foi criada uma área de reserva. Em algumas áreas já existiam essas reservas e APPs, e em outras, foi preciso replantar”, explica.

A assentada comenta que, apesar de possuir poucas informações sobre o texto do novo Código, acredita que a mudança na legislação não deve influenciar muito na área do assentamento. “Já temos uma área de reserva legal que foi prevista pelo Incra, não tem como alterar isso, mas em todo caso, gostaria que o assunto fosse melhor esclarecido, porque temos muitas dúvidas”, comenta.

Lados opostos
Se entre os produtores rurais o tema ainda é confuso, entre entidades ambientalistas e instituições ruralistas a posição sobre o assunto é antagônica. O presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Eduardo Riedel, por exemplo, disse que o texto do novo código é positivo, porque estabelece um nível de segurança para a propriedade.

Um dos principais avanços citados por ele é a contabilização das APPs na área de reserva legal. Riedel acredita que a mudança na legislação não deve refletir no aumento do desmatamento para a abertura de novas áreas para a produção agrícola ou a pecuária. “Isso não deve ocorrer, porque em Mato Grosso do Sul a expansão de culturas como a cana-de-açúcar, por exemplo, está sendo feita em áreas de pastagem degradadas”, disse.

Já o diretor-executivo da Organização Não-Governamental (ONG) Ecoa – Ecologia e Ação, Alcides Faria, afirma que as consequências para Mato Grosso do Sul da aprovação do novo Código Florestal serão terríveis.

“Temos duas grandes bacias hidrográficas no estado. Na do Paraguai, que é onde está o Pantanal, deve aumentar o desmatamento na região do planalto, o que deve diminuir a quantidade e a qualidade da água que chega à planície, onde está toda a riqueza da biodiversidade do bioma. Já na bacia do Paraná, pode ocorrer a expansão de monoculturas, como a do eucalipto”, analisa.

O ambientalista diz que é aceitável rediscutir o Código Florestal brasileiro, que é de 1965, mas que seria necessário antes um amplo debate nacional, que levasse em consideração aspectos como a diversidade ambiental do país e seu processo de ocupação e de concentração populacional.

Dados de desmatamento
Segundo a Superintendência Regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em Mato Grosso do Sul, somente no ano passado foram lavrados 120 autos de infração no estado por desmatamentos ilegais e produção de carvão, nos três biomas: Pantanal, na região norte e oeste; Cerrado, no centro; e Mata Atlântica, no sul e sudeste. As multas aplicadas chegam a R$ 32 milhões.

Mapa elaborado pelo Ibama aponta que no estado os grandes focos de desmatamento estão concentrados na região norte, entre o Pantanal e o Cerrado.

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Fonte:
G1.com

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