Empresas e agronegócio reagem com temor de retaliação diante de polêmica ambiental na Amazônia

Publicado em 23/08/2019 13:15

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Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - A coleção de imagens de desmatamentos e queimadas, além de declarações e atos polêmicos do presidente Jair Bolsonaro e seus ministros, minaram a imagem do Brasil no exterior e já levam a algumas das maiores empresas e associações de agronegócio do país a reagirem por conta própria para tentar diminuir o estrago.

O temor de uma retaliação internacional aos produtos brasileiros, especialmente ao agronegócio, não é infundado. Desde que as imagens das queimadas na Amazônia começaram a correr o mundo, hashtags pedindo boicote aos produtos brasileiros circulam nas redes sociais.

Nesta sexta-feira, a Finlândia pediu que a União Europeia avalie a possibilidade de banir a carne bovina brasileira do Brasil, devido às notícias de queimadas. De outro lado, o gabinete do presidente francês, Emmanuel Macron, disse também nesta sexta-feira que vai se opor ao acordo UE-Mercosul, posição semelhante à da Irlanda.

Nas últimas semanas, alguma reação das empresas já começou. A Marfrig, segunda maior produtora de carne bovina do mundo, publicou um anúncio exaltando ter sido capaz de emitir 500 milhões de dólares em bônus de transição, papéis emitidos como instrumento para financiar projetos de mitigação ambiental. No anúncio, destaca que seus fornecedores precisam respeitar áreas protegidas e compromisso contra o desmatamento.

Ao receber um prêmio há cerca de 10 dias, o presidente da Suzano, Walter Schalka, afirmou que o setor de papel e celulose precisa "levantar a voz" e defender o fim do desmatamento da Amazônia. "Nosso setor não é de florestas e sim de árvores. 100% das empresas do setor só colhem as árvores que plantaram e não usam floresta nativa. Mas pode haver contaminação negativa do setor por problema ambiental brasileiro", disse ao discursar para uma plateia de empresários.

Ex-ministro da Agricultura e um dos maiores empresários do agronegócio do país, Blairo Maggi diz que ao longo dos anos a produção brasileira foi construindo uma confiança e ganhou terreno por mostrar que a grande produção é sustentável no país.

"Agora estamos no inverso de tudo e tudo está sendo contestado. E não é uma coisa construída pelos produtores que mudaram de posição. Nós continuamos com as mesmas práticas, o governo que mudou o discurso", disse.

"O risco é que essas conquistas dos últimos anos sejam ignoradas e se tenha que começar todo um trabalho de novo, e aí ser muito mais penoso."

Presidente da associação Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), que congrega empresas da área de papel e celulose, o ex-governador Paulo Hartung também reforçou o temor de fechamento de mercados e desvalorização dos produtos brasileiros no exterior pelo discurso do atual governo.

"Somos fortemente contra o desmatamento ilegal da Amazônia. Acreditamos no potencial de desenvolvimento da região e do seu povo com modelos econômicos sustentáveis que não dependem da alteração da cobertura florestal", disse em nota enviada à Reuters. "Assim como outros empresários já citaram, há anos o Brasil vem construindo uma imagem internacional de conservação com produção e não podemos jogar fora esse trabalho. Vai custar caro ao Brasil reconquistar a confiança de alguns mercados internacionais."

O agronegócio brasileiro representa mais de 40% das exportações brasileiras. Até julho deste ano, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, foram exportados 56,6 bilhões de dólares. Em 2018, os valores foram recordes, a 101,7 bilhões de dólares.

COMPETIÇÃO

São os alimentos --em especial soja, proteína animal e seus derivados--, que ajudaram a colocar o Brasil no mapa mundial das exportações. Hoje, o país é um dos maiores players no setor de alimentos, o que atrai, obviamente, uma dura competição.

O consultor Welber Barral, da BMJ Consultoria --ex-secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio--, lembra que existem muitos mecanismos para impor barreiras, especialmente as não tarifárias, e a produção de alimentos é um dos setores mais protegidos do mundo.

"Reais ou não, as ações e as declarações do governo dão motivações para que soframos essas barreiras", diz Welber Barral, da consultoria BMJ, ex-secretário de Comércio Exterior do governo federal. "Para construir um nome são 30 anos. Para acabar com ele são 5 minutos. Uma manchete que repercuta em uma cadeia de informação destrói uma reputação."

Cid Sanches, representante no Brasil da Certificadora RTRS --associação formada pelos integrantes da cadeia da soja-- corrobora a avaliação.

"Você está falando em conferências sobre certificação e aí vem essas notícias. Com o governo soltando essas pérolas, pode perder essas oportunidades de negócios", defendeu.

A certificação da soja faz parte de um programa para garantir que o grão exportado não vem de área desmatada, considerando também questões de sustentabilidade social.

Outros países também produzem soja certificada, o que significa que o programa, por si só, não garante mercado ao brasileiro em uma conjuntura de desconfiança, comentou Sanches.

"Pode até gerar um movimento de aversão ao produto do Brasil, por mais que sejamos certificados. Se pode comprar produto certificado na Argentina, por que ele vai comprar no Brasil?", questiona.

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa o setor de soja, o principal produto de exportação do Brasil, lembrou que o segmento possuiu o programa Moratória da Soja, que monitora o plantio em áreas desmatadas, "garantindo o desmatamento zero há mais de uma década" na Amazônia. Com os controles da Moratória, as tradings não adquirem nem financiam produto de fazendas em que tenha sido detectado desmatamento.

DISCURSO E PRÁTICA

Desde a campanha eleitoral, o discurso do presidente Jair Bolsonaro soa como música para alguns produtores, mas arrepia ambientalistas e agora também os exportadores. Antes mesmo de assumir, Bolsonaro ameaçava tirar o Brasil do Acordo de Paris, que combate as mudanças climáticas, e ameaçou unir o Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura. Foi convencido a mudar de ideia pela Frente Parlamentar da Agropecuária, que viu no movimento um enorme risco para o agronegócio brasileiro.

Na Presidência, Bolsonaro mais de uma vez falou em facilitar licenciamentos ambientais, regularizar o garimpo em terras indígenas, diminuir áreas de proteção ambiental. Recentemente, comprou briga com os governos da Alemanha e da Noruega, que financiavam ações de preservação ambiental através do Fundo Amazônia --os dois países suspenderam o envio de recursos ao Brasil.

Esta semana, em que as imagens das queimadas na Amazônia correram o mundo, acusou as ONGs de terem colocado fogo na floresta para derrubá-lo, já que lhes teria tirado recursos.

Em um dos movimentos considerados mais desastrados, questionou os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre aumento do desmatamento, mandou demitir o diretor, rever os números e declarou que quer receber primeiro os dados.

Ex-ministra do Meio Ambiente no governo Dilma Rousseff e uma das negociadoras das mudanças no código florestal que colocaram ambientalistas e produtores na mesma mesa, Izabella Teixeira lembra que a credibilidade que o Brasil construiu lá fora é fruto de 35 anos de trabalho, desde a redemocratização.

"Para ter credibilidade você precisa fazer certo, fazer com que as pessoas percebam que está fazendo certo e ter sorte das coisas darem certo. O governo está jogando fora as três coisas", disse. "O presidente parece que odeia a questão ambiental. Isso em um mundo em que as novas gerações entendem a questão ambiental como um valor ético."

Chamada inicialmente de "miss motossera" por ambientalistas, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), ex-ministra da Agricultura e ex-presidente do Confederação Nacional da Agricultura (CNA), diz que o governo está dando munição aos competidores com declarações que considera estapafúrdias.

"O governo brasileiro está dando tiro pé, está dando bala para o adversário. O europeu é muito ligado nesta questão ambiental. No mundo real, fake ou fato, é o consumidor que temos que atender", diz, lembrando que a União Europeia é o segundo comprados de produtos alimentares do Brasil, perdendo apenas para a China. "A atitude do governo Bolsonaro hoje é antimercado. O mercado valoriza hoje quem está preocupado com a questão ambiental. 'Ah, a Europa tem interesses escusos.' Esse discurso é tão velho!"

BARREIRAS "TRAVESTIDAS"

Wellington Andrade, diretor-executivo da Aprosoja Mato Grosso, defende as posições de Bolsonaro, mas diz que se equivoca na maneira de defendê-las.

"Entendemos que o posicionamento do presidente é correto, porém a forma de comunicação está equivocada, destoada. Ele teria que ser mais claro em seu discurso sobre questões que dizem respeito estritamente ao desmatamento ilegal", defende.

Ainda assim, Andrade não acredita em risco de perdas de mercados, mas admite que o risco de aumento de barreiras existe.

"Não acredito que vamos perder mercado de imediato, pela necessidade da proteína que tem a Europa, que compra principalmente o nosso farelo (de soja). Mas você corre o risco de enfrentar barreiras comerciais travestidas de barreiras ambientais ou sanitárias."

Já Maggi diz que a ideia de que "o mundo precisa do Brasil", usada muitas vezes pelos produtores, pode ser equivocada.

"Nós nos enganamos muito com isso. O mundo não depende da gente, nós conseguimos espaço porque somos competentes, temos preço competitivo. No mundo existem outras regiões com as mesmas condições e que não são tão competitivas hoje, mas isso pode mudar", defendeu.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou nesta sexta-feira que as notícias sobre as repercussões das queimadas na Amazônia preocupam, mas que o agronegócio não pode ser responsabilizado.

"Vamos para ação, vamos ver quem está queimando, vamos punir quem precisa ser punido, quem está fazendo a coisa errada", disse a ministra, acrescentando que antes de tomar qualquer tipo de medida é preciso saber do Brasil o que está acontecendo.

(Reportagem adicional de Ana Mano e Roberto Samora, em São Paulo; e Isabel Versiani, em Brasília)

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Fonte:
Reuters

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