"Neste momento, como sempre, os pobres é que estão sob risco", por ELIANE CANTANHEDE

Publicado em 28/10/2014 05:56
da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em campanha, Dilma falava em "nós contra eles", comparando os governos do PT aos de FHC, encerrados há 12 anos. De volta à realidade, Dilma vai ter de enfrentar o "nós contra nós", com o PT confrontando os seus quatro anos aos oito de Lula. Ela perde feio.

Dilma venceu a eleição por menos de quatro pontos (51,64%) e já tem três frentes de batalha antes mesmo do segundo mandato: o buraco na economia, os escândalos da Petrobras e uma negociação política difícil não só com sua gulosa base aliada, mas sobretudo com o próprio PT. Onde encaixar os derrotados? São "só" 39 ministérios. E o Sesi é uma mãe, mas não tem vaga para todos.

É quando Lula entra em cena. Dilma é o presente, mas Lula não é só o passado, é o guardião do futuro do PT. Não porque ele seja obrigatoriamente o candidato do partido em 2018, como muitos creem, mas porque há uma simbiose indissolúvel entre Lula e o partido.

Nos dois governos Lula, sobretudo no segundo, os ventos internacionais eram favoráveis, os ministros e o presidente do BC eram fortes, o Brasil era a grande vedete do momento e a economia era considerada um sucesso por pobres e ricos, sindicatos e bancos. O clima mudou, todos esses ativos perderam valor no primeiro mandato de Dilma e até ameaçaram o projeto continuísta do PT.

Na sua segunda chance, Dilma tem duas opções: ouvir Lula, reconhecer os erros e resgatar os pilares da economia e a confiança dos investidores ou, ao contrário, dobrar a aposta. Aí mora o perigo.

Por isso, as Bolsas despencam, o dólar dispara. Mas engana-se quem pensa que é só um chilique do mercado, como o das mocinhas do Leblon, sem consequências. Com a economia e a indústria vacilando, quem mais vai sofrer é o pobre, a classe C.

Os tucanos perdem por não superar a imagem cristalizada de que o PT cuida dos pobres, e o PSDB, dos ricos. Mas, neste momento, como sempre, os pobres é que estão sob risco.

ANÁLISE DE VINICIUS TORRES FREIRE:

Pílulas do dia seguinte

Reação estereotipada do 'mercado' à reeleição não diz nem foi grande coisa; por enquanto

O PESSOAL DO mercado choveu no molhado, ou secou na crise hídrica, já que a Bolsa fica por aqui na São Paulo esturricada. A reação à reeleição de Dilma Rousseff foi previsível, estereotipada e, em si mesma, nem foi extravagante nem acontece em um contexto de debandada, de fuga de capitais, nem de longe.

Claro que o caldo pode engrossar, em breve, caso a presidente demonstre desconexão da realidade.

Um relatório do banco JPMorgan de ontem, por exemplo, dizia que, caso a presidente reafirme a política econômica do primeiro mandato, o tumulto pode ser grande o suficiente para se espalhar por outros emergentes. "Chantagem", alguém dirá. Talvez. Mas não é gratuita.

Por ora, no entanto, lida-se apenas com o último muxoxo do pes- soal da finança em relação à campanha eleitoral.

O dólar foi ao patamar mais alto em "cinco anos" ou mais, dizia-se. Nem a isso foi. A gente sabe que R$ 2,50 valem menos que R$ 2,50 valiam em 2008, por exemplo. Dada a inflação, o preço real do dólar está mais ou menos pela mesma de agosto de 2013, consideradas as médias do mês. Um dia de cotação não conta.

Sim, subidas rápidas para níveis mais altos e duradouros podem criar problema. Obviamente tais variações importam. Podem dar em inflação, desorganizam negócios e podem até pegar alguém de calça curta, embora o Banco Central venha oferecendo vasta proteção contra variações cambiais.

Isto posto, o clima não está bom. Não vai melhorar com discursos simpáticos. Um bordão da campanha de Dilma, "governo novo, ideias novas", apenas vai começar a ter algum sentido quando a presidente nomear uma equipe econômica que:

1) Seja comandada por alguém com ideias novas e diferentes daquelas de Dilma 1, pelo menos em relação à política macroeconômica (gasto público, inflação, juros);

2) Seja liderada por alguém que, por história pessoal, intelectual, profissional e temperamento, dê indícios de que apenas ficaria no cargo se tivesse alguma autonomia operacional.

Dilma criou problemas para si própria ao insinuar que o Banco Central não é o autônomo, por exemplo. Logo, terá certa dificuldade de nomear alguém com o perfil acima, a não ser que jogue uma parte da toalha.

Quanto a nomear um "empresário com boa interlocução com o mercado", o ato pode ser inútil, além de demonstrar uma incompreensão grande do que deve ser o papel das autoridades econômicas, quando não um perigo mesmo --ele pode ser apenas um despachante de lobbies. A economia não precisa de apenas conversa e amizades demais.

Outra vez, é óbvio que o governo deve conversar com todas as partes interessadas e relevantes, por puro e pragmático bom senso, para saber o que se passa no mundo fora do universo paralelo de Brasília.

Mas o mínimo que se espera de uma nova equipe econômica é que ofereça a perspectiva de que, em primeiro lugar, o básico da administração econômica não vá desandar (o governo parecerá capaz de pagar suas contas, a inflação será controlada etc.). Em segundo, que cesse a barafunda de intervenções. Em terceiro, que se apresente um programa de mudanças institucionais mínimo, que comece a limpar aberrações brasileiras.

Petrobras cai 11% após reeleição de Dilma

Baixa da estatal faz Bolsa cair 2,77% no Ibovespa; dólar à vista vai a R$ 2,5211, maior valor em quase dez anos

Pessimismo foi aliviado ao longo do dia com expectativa de um maior diálogo do governo com o mercado

GILMARA SANTOSTONI SCIARRETTADE SÃO PAULO

A reeleição da presidente Dilma Rousseff custou R$ 24,51 bilhões em valor de mercado da Petrobras, resultado de uma desvalorização de mais de 11% nas ações da maior estatal brasileira, utilizada nos últimos anos para conter os preços no país.

A baixa da estatal levou a Bolsa brasileira à queda de 2,77% no Ibovespa, principal termômetro do mercado de ações, que encerrou marcando 50.503 pontos.

Foi a pior pontuação desde 1º de abril, quando a oposição começou a crescer nas pesquisas.

O dólar à vista (referência do mercado financeiro) chegou a R$ 2,56, mas depois fechou a R$ 2,5211, com alta de 2%. É a maior cotação desde 29 de abril de 2005.

No câmbio comercial, usado em transações do comércio exterior, a moeda fechou em R$ 2,523, com alta de 2,64%. A variação é a maior para um único dia desde setembro de 2011.

ESQUEMAS DE GUERRA

A reação poderia ter sido pior; as corretoras de valores armaram verdadeiros esquemas de guerra, elevando as garantias exigidas dos investidores e prevendo baixas superiores a 10%.

No início do dia, a Bolsa caiu mais de 6%.

As ações da Petrobras ficaram 20 minutos em leilão (isso ocorre quando há forte oscilação) e entraram na Bolsa com baixa de 14%. Ao longo do dia, no entanto, essa queda brusca se reverteu.

Para analistas, a reação foi melhor do que a esperada por dois fatores: o mercado já se preparava para a vitória da presidente Dilma e há uma expectativa de que, passado o calor eleitoral, haverá mais diálogo com o mercado.

A percepção decorre da leitura do discurso de Dilma, que ressaltou que pretende ser uma "presidente melhor".

Segundo Elad Revi, analista analista da Spinelli, a possibilidade de mudanças na política econômica fez com que a queda da Bolsa brasileira não se acentuasse durante todo o dia. "A sinalização passa credibilidade, mas ainda não é algo efetivo."

"Muitos investidores acreditam que haverá, pelo menos no curto prazo, uma sinalização mais positiva da Dilma. Assim queriam comprar' o ajuste do mercado. Esse sentimento em si já limitou o tamanho das operações de venda hoje", disse Tony Volpon, chefe de emergentes da japonesa Nomura.

ESTATAIS EM BAIXA

As ações preferenciais (sem voto) da Petrobras tiveram a queda mais expressiva do dia: de 12,33% para R$ 14,29, segundo a Bloomberg e a Economática. Já os papéis ordinários (com voto) recuaram 11,34%, fechando a R$ 13,92. Foi a maior queda dos papéis da estatal desde 12 de novembro de 2008, auge da crise das hipotecas subprime (segunda linha) nos EUA.

Em relatório aos clientes, o banco BTG Pactual orientou os investidores a evitar papéis de estatais, especialmente a Petrobras.

As ações ordinárias da Eletrobras encerraram em queda de 11,68%, cotadas a R$ 5,37. E as ações do Banco do Brasil caíram de 5,24%, para R$ 24,40. Pela manhã, chegaram a recuar até 12%.

Dilma deve enfrentar novos desafios no campo com cenário adverso

O governo de Dilma Rousseff deverá ter muito mais dificuldades com o setor agropecuário no próximo governo do que teve no primeiro.

Além dos tradicionais problemas estruturais, que vêm de longa data, e que ainda aguardam uma solução, o novo governo terá de conviver com desafios momentâneos, vindos principalmente da queda de preços das commodities agrícolas.

Com a agricultura fora das condições ideais, os reflexos sobre a economia serão imediatos. A importância da agricultura nos últimos ano se vê pelos números gerados por esse setor.

Em dez anos, as exportações agrícolas renderam US$ 694 bilhões, e esse setor deu ao país um saldo de US$ 528 bilhões. Os dados de 2013 são bastante elucidativos.

As exportações do agronegócio atingiram US$ 100 bilhões no ano passado --41% do total exportado--, gerando um saldo de US$ 83 bilhões apenas nesse setor.

Nesse mesmo período, as exportações totais do país foram de US$ 242 bilhões, com saldo final de apenas US$ 2,6 bilhões. O bom momento do agronegócio impediu um deficit na balança comercial.

Os desafios do momento para o governo virão dos preços das commodities.

Com forte queda, os preços externos vão influenciar não só a balança comercial brasileira como a renda dos produtores.

Um exemplo são os números da soja, o carro-chefe das exportações brasileiras, que representam um quarto das receitas totais das vendas externas do agronegócio.

No final de maio, a oleaginosa estava cotada a US$ 16 por bushel (27,2 quilos) na Bolsa de Chicago. Nesta segunda-feira (27), estava a US$ 10, uma queda de 38%.

Com os preços próximos desse valor, os produtores vão viver no limite entre perdas e lucros. Um componente importante será o comportamento do dólar. Quanto maior a desvalorização do real, melhor a renda dos produtores, uma vez que os produtos têm como parâmetro a moeda norte-americana.

O problema é que os custos de produção, principalmente devido aos insumos importados, também vão subir com a alta do dólar.

Com a economia desacelerando e vários buracos para serem cobertos pelo governo, o crédito para a agricultura poderá entrar na fila de espera. Se isso ocorrer, a pressão política será grande.

O resultado das eleições indicou que a oposição venceu exatamente nas principais regiões produtoras de grãos. E daí é que surgirão as maiores pressões contra o governo.

Alguns ajustes de política econômica que serão feitos internamente, como o acerto nos preços dos combustíveis, também serão fatores de pressão nos custos dos produtores, principalmente porque a deficiência logística exige longos percursos no transporte dos grãos.

Além de problemas pontuais, a presidente vai ter de lidar com problemas estruturais do agronegócio, como a logística, que afeta muito os produtores das novas fronteiras agrícolas.

Uma política de renda, que incorpore crédito, seguro e preço, também vai estar nas exigências dos produtores. O governo não terá como deixar de tomar uma decisão nesse assunto diante dessa nova geografia do voto.

A pauta de uma política comercial mais aberta para o país também estará em evidência. O Brasil não pode ficar preso ao Mercosul, mas deverá fazer acordos com grandes consumidores como União Europeia, China e Estados Unidos.

As mudanças devem passar também pela estrutura da política agrícola, hoje muito dividida em vários órgãos, sem uma centralização. Sem uma boa autonomia ao Ministério da Agricultura, as decisões dos principais temas vão continuar sendo postergadas.

(POR MAURO ZAFALON)

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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