'Não represento o PT', diz Dilma a jornalistas em Brasília

Publicado em 06/11/2014 19:30
COBERTURA DA FOLHA: IGOR GIELOW, DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA, E NATUZA NERY, REPÓRTER DE BRASÍLIA

A presidente Dilma Rousseff negou nesta quarta (5) apoiar a resolução de seu partido, o PT, que faz críticas duras ao candidato derrotado Aécio Neves (PSDB), prega um projeto de "hegemonia" petista na sociedade e a regulação da mídia. "Eu não represento o PT", disse.

Dilma conversava com jornalista de meios impressos no Palácio do Planalto na tarde desta quinta (6) e fazia a defesa do diálogo. "Eu não estou propondo nenhum diálogo metafísico. Quero discutir propostas", afirmou Dilma quando a Folha a interpelou sobre a resolução petista, que tem tom beligerante.

"Eu não represento o PT. Eu represento a Presidência. A opinião do PT é a opinião do partido, não me influencia. Eu represento o país, não sou presidente do PT, sou presidente dos brasileiros", afirmou.

A resolução petista, aprovada pela Executiva Nacional do partido na segunda-feira (3), afirma que Aécio estimulou "forças neoliberais" com nostalgia da ditadura militar, racismo e machismo. Para Dilma, é uma queixa partidária. "É deles, é típico", afirmou, ressaltando que a oposição também é acusada da mesma agressividade.

Ainda falando sobre diálogo, Dilma foi questionada sobre o desafeto Eduardo Cunha, o líder do PMDB que é favorito para ser presidente da Câmara no ano que vem.

Dilma parou, fechou o semblante e, com um sorriso irônico, disse: "Nós estamos convivendo há muito tempo com ele", encerrando o assunto.

Sobre a chamada PEC da Bengala, que voltou a ser articulada entre setores do Supremo Tribunal Federal e Congresso para permitir a aposentadoria de juízes aos 75 anos (e não 70, como hoje), Dilma disse ser "muito ruim". Na prática, a PEC tiraria teoricamente de chegar ao fim de seu novo mandato com 10 dos 11 ministros do STF indicados por governos petistas.

Em relação à renegociação do indexador das dívidas dos Estados, aprovada ontem pelo Senado e que irá para sua sanção, Dilma afirmou "ser complicado" se houver retroatividade comprovada da medida. "Tudo para trás estoura a bolsa da viúva", disse. Mas ressalvou que "ainda estamos estudando" o impacto da medida, para aí então avaliar se haverá vetos. 

Regulação da mídia passa por monopólios, diz Dilma

O governo federal quer discutir a regulação econômica da mídia a partir do segundo semestre do ano que vem, mas não irá apresentar um projeto pronto para enviar ao Congresso.

Segundo a presidente Dilma Rousseff, apesar da pressão do PT neste sentido, o ideal é que haja "uma ampla discussão" com a sociedade. Para ela, deve haver consultas públicas, inclusive por meio da internet, e reuniões setoriais com os grupos interessados.

Ela voltou a negar qualquer ideia de regulação de conteúdo, conforme já havia dito em ocasiões anteriores, em conversa nesta quinta (6) com jornalistas. "A liberdade de expressão é uma grande conquista."

Mas, pela primeira vez, avançou no que considera regulação econômica da mídia. "Oligopólio e monopólio", afirmou a presidente. "Por que qualquer setor tem regulações e a mídia não pode ter?", afirmou, citando a regulação draconiana existente no Reino Unido.

"Do meu ponto de vista, uma das mais duras que tem. Não quero para nós uma regulação tal qual a inglesa ou a americana", disse, citando o escândalo do "News of the World", tabloide britânico que fechou após profissionais seus serem envolvidos em casos de grampos ilegais.

Após o escândalo, em 2011, o país aprovou uma lei dando mais poderes para o órgão de regulação já existente –incluindo pesadas multas caso sejam comprovadas condutas ilícitas dos meios de comunicação. A lei, que passa a valer em 2015, é criticada por setores da mídia que consideram que ela levará à autocensura da imprensa.

Questionada se isso incluiria a chamada propriedade cruzada, quando um grupo econômico possui rádios, TVs e jornais, por exemplo, ela disse: "Não só a propriedade cruzada. Tem inclusive um desafio, que é saber como fica a questão na área das mídias eletrônicas. O que é livre mercado total? Tenderá a ser a rede social, eu acho."

O tema é caro à esquerda brasileira, e ao PT em particular. O partido historicamente defende regulamentar inclusive conteúdo. "Isso eu repudio", afirmou Dilma.

Em sua resolução desta semana, a Executiva Nacional defendeu o encaminhamento de uma "Lei de Mídia Democrática" –e o partido sempre defendeu o fim de propriedade cruzada, mirando especialmente no Grupo Globo, o maior do país.

"Eu acho que tudo o que é concessão" entraria no escopo da regulação, afirmou Dilma.

No Brasil, rádios e TVs são concessões públicas. Mas ela negou o direcionamento à Globo, considerando que ela não é "a Rede Globo dos anos 70": "Isso é uma visão velha da questão da regulação da mídia. A gente está demonizando uma rede de televisão, quando as regras têm de valer para todo mundo".

Ela comparou a necessidade de discussão com o debate em torno do Marco Civil da Internet, cuja aprovação é considerada um sucesso político pelo governo.

BOLIVARIANISMO

Dilma fez elogios a um texto publicado pela Folha comparando Brasil e Venezuela ("Venezuelização?", do correspondente em Caracas, Samy Adghirni, publicada em 4/11). "Só faltei beijar ele [o autor], porque ele mostra que é uma vergonha tratar os dois países como iguais. É uma excrescência, porque não tem similaridade", afirmou.

"Querido, essa história de bolivarianismo está eivada de camadas de preconceitos contra o meu governo", afirmou Dilma, usando o tratamento que dá quando quer ser assertiva.

"O uso ideológico de certas categorias distorce a compreensão da realidade", afirmou.

"O mais estarrecedor é que cheguei à conclusão de que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, integrado pelo PIB brasileiro, é bolivariano", brincou, comentando a rejeição pelo Congresso sob alegação de "bolivarianismo" do decreto que instituía uma política nacional para estimular participação popular por meio de conselhos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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