Na FOLHA: "Demitir a diretoria agora é pouco", e "Desafio do ajuste cambial", em Questões Brasileiras
VINICIUS TORRES FREIRE
A Petrobras de Dilma 1: fim
Demitir a diretoria agora é pouco; toda a política para a empresa tem de ser revista
DO PONTO de vista político e econômico, tanto faz comprovar a extensão da negligência e talvez do acobertamento de malfeitos na Petrobras, sobre os quais o jornal "Valor Econômico" apresentou indícios deprimentes, em reportagem publicada na sexta-feira.
A direção da empresa não tem condições de permanecer no cargo não apenas devido às suspeitas, bastantes para basear processos urbi et orbi. Os diretores não têm condições de manter seus postos porque a direção que o governo impôs à empresa se esboroou em termos econômicos, judiciais e políticos. É preciso mudar tudo. Ponto. Fim.
Primeiro, há as consequências para a política menor. Por mais cínico que possa ser, o governo deve ter percebido que não tem o menor controle sobre os monstros que podem saltar do poço ora sem fundo de bandalhas da empresa.
Na semana em que o ministro da Justiça foi a público defender a diretoria da empresa, descobre-se que um funcionário antigo da estatal colabora anonimanente para denunciar roubanças e que outra revela, de modo comprometedor até para si própria, negligências graves, para dizê-lo de modo muito benévolo. Há, portanto, descontrole e ineficácia até na esperteza do governo em botar panos quentes no caso.
Segundo, além de engrossar a crise política, a denúncia de negligência ou de acobertamento deve engordar os processos judiciais, se não aqui, certamente nos Estados Unidos, onde a empresa é investigada por negociar suas ações também por lá.
Os Estados Unidos não são a terra da pureza, mas a cadeia é um destino frequente para quem frauda a confiança empresarial, ainda mais depois dos escândalos contábeis do início do século (caso Enron etc.). Um processo assim não vai apenas arrastar a imagem da Petrobras para o lixo. Vai arrebentar o crédito da empresa.
No limite, a Petrobras pode ficar fora do mercado americano. O mero risco dessa desgraça vai desacreditar não apenas a estatal mas elevar ainda mais o custo de financiamento de outras empresas brasileiras e minar a confiança no Brasil.
Terceiro, o desarranjo se espalha pelo Brasil. Não se sabe quais empresas poderão fazer negócios com o governo, dado o processo do Petrolão. Há crise e medo no imenso mercado de fornecedores da Petrobras. O endividamento, a queda do preço do barril e a alta do dólar já seriam problemas de monta. A paralisia que sobrevirá com o tumulto policial e o risco no mercado de crédito vão colocar em risco ainda maior uma empresa responsável direta por mais de 10% do investimento do país, com efeitos difusos pela economia inteira.
Tal estado de coisas tende apenas a piorar caso não ocorra reviravolta nas diretrizes gerais para a empresa, além de uma devassa, necessária tanto para estancar a sangria de más notícias políticas, que chegam cada vez mais perto do Planalto, quanto para indicar que passou o tempo da bandalha.
Não há alternativa a não ser destituir a diretoria, dissolver o Conselho de Administração, profissionalizar a empresa e limitar diretrizes políticas àquilo que não viola a racionalidade econômica. Em suma, trata-se de cancelar a política que foi ditada à Petrobras nos últimos quatro anos, pelo menos.
QUESTÕES BRASILEIRAS
Desafio do ajuste cambial
Além do problema fiscal, nova equipe econômica terá de permitir que o dólar encontre novo ponto de equilíbrio para enfrentar o deficit externo
O BC terá de reduzir as intervenções no câmbio e combater a inflação com o instrumento adequado, que é a taxa de juros
AFFONSO CELSO PASTOREMARIA CRISTINA PINOTTIESPECIAL PARA A FOLHA
Sem dúvida, o ajuste fiscal é a tarefa mais importante da nova equipe econômica. Mas não é a única. O Brasil terá que enfrentar também o desafio dos deficit elevados em conta-corrente e o consequente ajuste da taxa cambial. Só depois de arrumada a casa o crescimento da economia poderá retornar.
Por muitos anos, os períodos de elevação nos deficit em conta-corrente ocorriam com elevações nas taxas de investimento no país.
Em última instância, esses deficit decorrem do excesso dos investimentos sobre as poupanças, e no Brasil as poupanças domésticas são reconhecidamente baixas. O financiamento dos investimentos exigia a absorção de poupanças externas, que se materializavam na forma de deficit em conta-corrente.
Porém, o aumento recente do deficit, que está se aproximando de 4% do PIB (Produto Interno Bruto), não veio de uma elevação nos investimentos. Ao contrário, nos últimos dois anos a taxa de investimentos encolheu.
A razão para tal comportamento está na queda da taxa doméstica de poupanças, que é apenas em parte uma consequência da política fiscal expansionista, que reduziu a poupança do setor público.
Também não se deve a uma variação significati- va nas poupanças das famílias. Deve-se predominantemente à queda das poupanças das empresas, como ficou demonstrado no diligente estudo de Carlos Rocca e de Lauro Santos Jr. ("Redução da Taxa de Poupança e o Financiamento dos Investimen- tos no Brasil", Cemec, novembro de 2014).
Seus dados mostram que houve, nos últimos anos, uma clara queda das margens de lucro das empresas, que levou à queda dos lucros retidos, que, por definição, são a poupança das empresas.
O objetivo de Dilma Rousseff no seu primeiro mandato era acelerar o crescimento da economia por meio do forte crescimento dos investimentos em capital fixo.
Para isso, baixou a taxa de juros; estimulou a expansão do crédito a fim de ampliar o consumo das famílias; abusou da expansão do crédito por meio dos bancos públicos, particularmente o BNDES; e seguiu uma política fiscal expansionista. Colheu a queda das margens de lucro das empresas e dos investimentos em capital fixo, reduzindo o crescimento até levar o PIB à estagnação.
Se o mercado de trabalho estivesse abaixo do pleno emprego, a elevação da demanda provocada pela política fiscal expansionista e pela queda da taxa de juros aumentaria o nível de emprego e os lucros das empresas, estimulando os investimentos.
Com pleno emprego e com a elevação acelerada do salário mínimo, contudo, os salários reais passaram a crescer acima da produtividade média do trabalho, levando ao crescimento do custo unitário do trabalho medido em reais.
Os dados da Pimes (Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário), do IBGE, mostram que por um extenso período antes de 2008 os salários reais cresciam à mesma taxa de crescimento da produtividade média do trabalho, mas a partir de 2010 passaram a crescer acima da produtividade, levando ao aumento contínuo do custo unitário do trabalho, espremendo as margens de lucro.
Se a indústria conseguisse repassar tais aumentos para os preços dos bens produzidos, poderia defender suas margens de lucro, elevando a produção e os investimentos. Mas, diferentemente do setor de serviços, no qual os preços são formados por oferta e procura no mercado doméstico, a indústria sofre forte competição das importações, o que limita o repasse de custos para preços.
Por um extenso período, que se encerrou em 2011, o câmbio real continuamente se valorizou no Brasil, devido aos ganhos de relações de troca; ao crescimento do comércio mundial; e aos fortes ingressos de capitais.
Durante esse período foi possível, por meio do aumento das importações líquidas, permitir que crescessem os investimentos, impulsionando o crescimento do PIB.
Mas a partir de 2011 acabou-se o impulso vindo de fora, e o real iniciou uma trajetória de enfraquecimento. Ainda assim as margens de lucro da indústria não foram recompostas.
Em parte os "ganhos potenciais de competitividade" vindos da depreciação cambial foram "comidos" pela elevação do custo unitário do trabalho medido em reais, mas isso não é tudo.
Para evitar que a depreciação cambial elevasse ainda mais a inflação, já próxima do topo da meta, o Banco Central passou a intervir no mercado futuro de câmbio, limitando o ajuste do real, enquanto via ações diretas ou de estímulos de desonerações tributárias o governo atuou impedindo os aumentos de preço de bens "internacionais" (os exportados, importados e seus substitutos), como os da gasolina; de automóveis; da cesta básica; dos eletrodomésticos e móveis.
Para que a competitividade da indústria e das exportações fosse preservada, nem os salários reais poderiam crescer acima da produtividade média do trabalho nem as intervenções no mercado de câmbio poderiam impedir a convergência do real para seu novo equilíbrio; e nem as ações diretas sobre os preços dos bens internacionais poderiam limitar seu crescimento.
No entanto, com a inflação próxima do topo da meta e diante da limitação política de elevar a taxa de juros, o Banco Central passou a usar as intervenções no mercado futuro de câmbio para inibir a inflação vinda do ajuste cambial.
Note-se que, devido à tendência ao fortalecimento do dólar, o real estaria se depreciando ainda que o deficit em conta-corrente fosse menor.
Em adição, a nova equipe econômica não mais poderá contar com o crescimento acelerado do valor em dólares das exportações mundiais, que sofreu um arrefecimento estrutural, nem com a elevação dos preços de commodities, que continuarão a cair. Tais movimentos acentuam o ajuste da taxa cambial necessário para reduzir o deficit em conta-corrente.
Em resumo, a tarefa do novo time econômico não se resume apenas ao ajuste fiscal. Este é muito importante, mas não é o único necessário para recolocar a casa em ordem.
Terá que permitir que a taxa cambial encontre seu novo equilíbrio. Para isso, terá que ir reduzindo as intervenções no mercado futuro, com o BC combatendo a inflação com o uso do instrumento adequado para esse fim, que é a taxa de juros.
Como em uma reforma que se faz em casa, primeiro aparecem os custos e só no fim se usufrui de uma casa melhor.
A conclusão é que não bastam só a competência e a determinação, que certamente caracterizam a nova equipe econômica. É preciso também muito apoio político para enfrentar a sequência de custos que precederá em muito o surgimento dos benefícios.
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