No ESTADÃO: "Um balanço de fiascos, de devastação e de lorotas"

Publicado em 12/12/2014 17:44 e atualizado em 14/12/2014 21:07
Por Rolf Kuntz, em O ESTADO DE S. PAULO (PAG. OPINIÃO / EDIÇÃO DESTE SÁBADO)

Saqueada, humilhada, processada no exterior sob acusação de mentir aos investidores, desvalorizada nas bolsas e com problemas para anunciar um balanço sem o aval de uma auditoria, a maior empresa brasileira, a Petrobrás, é hoje o símbolo mais expressivo de uma economia devastada por uma combinação de incompetência, ilimitada fome de poder e desprezo pelas metas e normas prosaicas da administração pública. Os danos podem variar de um para outro setor, mas a devastação foi um processo único, determinado por um mesmo estilo de política. Nas últimas semanas, enquanto avançavam as investigações da Operação Lava Jato, o governo tentava mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para se livrar da obrigação de apresentar o resultado fiscal prometido para 2014. Incapaz de cumprir a lei, tratou de alterá-la, para acomodar os efeitos da gastança, dos benefícios tributários mal planejados e da estagnação econômica produzida pelos seus erros.

Os danos impostos ao País vão muito além dos bilhões pilhados da Petrobrás. Depois de quatro anos no atoleiro, com crescimento médio anual inferior a 2%, a economia brasileira vai mal na geração de empregos, na produção industrial, no investimento, nos preços, no comércio externo e nas contas públicas. A presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, costumam alardear a criação de postos de trabalho. O emprego no Brasil, segundo dizem, foi preservado por políticas anticíclicas e a desocupação é muito menor que nas economias avançadas. Deve haver quem acredite, mas essa é mais uma história muito mal contada.

O desemprego é maior no Brasil do que em muitos países mais afetados pela crise global. Os desocupados em todo o País eram 6,8% da força de trabalho, no terceiro trimestre, segundo levantamento mais amplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), realizada em cerca de 3.500 municípios. Os números mais citados pelo governo, bem mais baixos, são pesquisados só nas seis maiores áreas metropolitanas.

Pelo número da Pnad, o desemprego no Brasil, no terceiro trimestre, foi maior que em 16 dos 34 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - mas essa comparação só vale se ficar limitada àqueles com dados disponíveis para o período. No caso de quatro associados só havia, até a publicação da tabela, informações até o segundo trimestre. Dois desses países tinham taxas de desemprego bem menores que a do Brasil - Suíça, 4,4%, e Reino Unido, 6,3%. A situação dificilmente deve ter mudado de forma significativa nos meses seguintes. Se isso for levado em conta, a lista cresce para 18.

Tinham desemprego menor que o do Brasil, no trimestre passado, cinco das maiores potências integrantes da OCDE - Estados Unidos (6,1%), Japão (3,6%), Alemanha (5%), Coreia do Sul (3,5%) e México (5%). O Reino Unido provavelmente poderia entrar na relação. Além disso, a média das taxas das sete maiores economias capitalistas era 6,4%. Todos esses países têm inflação mais baixa que a brasileira e quase todos devem fechar o ano com crescimento econômico maior que o do Brasil.

A história do desemprego baixo é, portanto, apenas mais uma lorota de um governo pouco habituado a reconhecer os fatos - pelo menos publicamente. Mas a história fica pior quando se leva em conta a qualidade dos postos de trabalho. A maior parte dos bons empregos é gerada pela indústria, mas o setor tem demitido.

De janeiro a outubro o número de ocupados foi 3% menor que o do mesmo período de 2013. Em 12 meses diminuiu 2,8%. Em 2011, primeiro ano do atual governo, o pessoal assalariado na indústria aumentou 1%, mas diminuiu 1,4% em 2012 e 1,1% em 2013 e continuou encolhendo neste ano. A maior parte dos novos postos de trabalho tem sido aberta em serviços, quase sempre em segmentos de baixa produtividade. Isso combina com o fraco desempenho da economia e, de modo especial, com o enfraquecimento da indústria, especialmente de transformação.

De janeiro a outubro deste ano a produção industrial foi 3% menor que nos meses correspondentes de 2013. A da indústria de máquinas e equipamentos, 8,8% inferior à de um ano antes. Também isso se encaixa no quadro de estagnação econômica, mas o dado, nesse caso, é particularmente agourento. Com baixo dispêndio em bens de capital, a economia tem escasso potencial de expansão nos anos seguintes.

A insistência na conversa a respeito de política anticíclica mostra apenas um erro de diagnóstico. Certos estímulos podem ter sido necessários entre o final de 2008 e a maior parte de 2009, mas, passada a recessão, seria preciso cuidar das bases para a expansão de longo prazo. Não houve nada parecido com isso. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi até agora principalmente um plano imobiliário. Segundo o último balanço, as ações do PAC-2 concluídas até dezembro deverão corresponder a dispêndios de R$ 796,4 bilhões. Financiamentos e obras habitacionais deverão somar R$ 449,7 bilhões, 56,46% do total. O setor de transportes, com apenas R$ 66,9 bilhões, corresponderá a 8,4% do valor das ações terminadas.

Enquanto o governo insiste em vender fantasias ao público, a equipe escalada para assumir a política econômica a partir de janeiro procura meios de arranjar as contas públicas. Haverá cortes de gastos e aumento de tributos e já se especula sobre um ajuste na faixa de R$ 90 bilhões a R$ 100 bilhões. A arrumação terá de ser muito dura, até porque o rombo fiscal é um dos maiores do mundo. Nos 12 meses até outubro, o déficit nominal de todos os níveis de governo chegou a 5,01% do PIB e ficou bem acima da média estimada neste ano para a OCDE (3,9%) e para a maior parte dos seus associados. Passados quatro anos, a presidente só tem para dividir com seu pessoal um saco de fiascos, estragos e lorotas.

ROLF KUNTZ É JORNALISTA

 

 

O PAC, promessa furada

Criado para dinamizar a economia, segundo o discurso oficial, e para tornar o Brasil mais competitivo, o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) continua sendo principalmente um grande plano habitacional. Tem sido aplicado muito mais dinheiro na construção e no financiamento de imóveis do que em obras de infraestrutura. A vocação imobiliária do programa foi mais uma vez confirmada, na última quinta-feira, com a apresentação do 11.º balanço de realizações.

Mas desta vez o noticiário apresentado na imprensa trouxe um inesperado contraponto - uma denúncia de atrasos nos pagamentos a construtoras, principalmente àquelas envolvidas no programa Minha Casa, Minha Vida. Segundo o sindicato paulista da indústria da construção civil, empresas têm-se endividado para pagar o 13.º salário e várias têm consultado a entidade para saber se param obras, demitem funcionários ou buscam outra solução para garantir a entrada de dinheiro.

As conversas com o pessoal do Tesouro têm sido improdutivas, de acordo com o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Rodrigues Martins. O problema é nacional, disse ele, e chegou à área da habitação depois de afetar outros setores do PAC.

Enquanto a Secretaria do Tesouro negava atrasos nos pagamentos, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, anunciava em Brasília mais uma coleção de realizações. Mas os números do próprio governo pouco ajudam a sustentar o otimismo da retórica oficial.

Segundo o balanço apresentado pela ministra, a execução geral do PAC deverá atingir no fim do ano o valor de R$ 1,07 trilhão. O financiamento habitacional chegará a R$ 360,2 bilhões e o dispêndio do Minha Casa, Minha Vida totalizará R$ 88,8 bilhões. Financiamentos e obras habitacionais deverão alcançar, portanto, R$ 449,7 bilhões, 42,18% do dinheiro aplicado no PAC 2, iniciado em 2011.

Esse valor corresponde ao de ações planejadas para conclusão até o fim de dezembro. Por esse critério, o peso do programa habitacional é consideravelmente maior. Está prevista a conclusão, até dezembro, de ações correspondentes a dispêndios de R$ 796,4 bilhões. Os financiamentos e obras do setor imobiliário representam, somados, 56,47% desse total.

Mas o quadro fica pior quando entram na comparação setores considerados muito importantes para o aumento da produtividade e do poder de competição da economia nacional. No eixo transportes está prevista a conclusão, até o fim do ano, de 281 ações avaliadas em R$ 66,9 bilhões. Isso equivalerá a apenas 8,4% dos empreendimentos terminados no período. O cenário fica mais animador quando se trata de energia, com etapas completadas, segundo a projeção, no valor de R$ 253,3 bilhões, a 31,8% do total.

 

Ainda assim, a soma dos dispêndios em energia e transportes, R$ 320,2 bilhões, ainda será bem menor que o volume destinado ao setor habitacional. Ainda é preciso realçar um detalhe: o financiamento imobiliário é muito maior que o dinheiro aplicado diretamente na construção de residências, isto é, efetivamente investido.

A execução do PAC 2, segundo o novo balanço, será 72% superior à do PAC 1. Além disso, o valor aplicado cresceu seguidamente nos últimos anos. Mas esses dados pouco informam sobre o resultado efetivo desse tipo de programa, desde o seu início em 2007, no começo do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em todo esse período o investimento produtivo esteve quase sempre abaixo de 20% do Produto Interno Bruto (PIB).

Além disso, nos últimos quatro anos o valor investido pelo governo e pelo setor privado diminuiu como porcentagem do PIB, enquanto a economia ficou emperrada e a produção industrial encolheu. Se o objetivo do programa era tornar a economia mais eficiente e acelerar seu crescimento, o lance obviamente resultou em fracasso. Duplo fracasso, de fato, porque o programa nem dinamizou a formação de capital fixo (equipamentos, infraestrutura e instalações produtivas) nem acelerou o crescimento da economia. Estes fatos nenhum marqueteiro conseguirá negar.

 

 

A urgência de Lula

EDITORIAL DE O ESTADO DE S.PAULO

 

A presidente Dilma Rousseff nem começou seu segundo mandato e seu padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva, já está em plena campanha para a eleição de 2018. A bem da verdade, Lula nunca desceu do palanque - desde 2003, os governos lulopetistas se notabilizaram por administrar o País pensando somente na eleição seguinte, transformando o Estado em máquina partidária. Agora, no entanto, parece haver um sentido de urgência na atitude do ex-presidente, porque a oposição se fortaleceu pelo bom desempenho na última disputa presidencial e, também, porque o descalabro econômico e o maior escândalo de corrupção da história brasileira tornaram-se ameaças sérias a seu projeto de poder.

A principal estratégia de Lula e de seus seguidores tem sido atribuir cinicamente à oposição o mau comportamento republicano que hoje caracteriza o PT. "Eles acham que a campanha não acabou", afirmou o ex-presidente, em discurso na abertura do 5.º Congresso do PT, em Brasília.

Com isso, Lula busca tirar a legitimidade das críticas da oposição, transformando-as em mera artimanha das "elites" para dar um "golpe" em Dilma e em seu partido - quando na verdade é Lula quem desmoraliza a democracia ao sistematicamente desrespeitar os que não votam nos petistas nem aceitam o assalto ao Estado. Para esse fim, vale tudo: no mesmo pronunciamento, Lula defendeu os envolvidos no escândalo da Petrobrás, dizendo que eles já foram condenados pela imprensa antes mesmo da análise do caso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - uma maneira nada sutil de dizer que, se o STF acatar as denúncias, só o fará por pressão dos jornais.

Na construção desse discurso contra a oposição, Lula especializou-se em ofender a inteligência alheia, apostando numa espécie de amnésia coletiva. "Eu perdi em 89, e todo mundo sabe como perdi, entretanto não fiquei na rua protestando, fui me preparar para a outra", afirmou Lula, referindo-se à eleição presidencial de 1989, quando foi derrotado por Fernando Collor. Insinuando que a eleição de Collor não foi legítima ("todo mundo sabe como perdi"), Lula quis dizer que, apesar disso, não fez protestos como os que a oposição hoje faz. E foi adiante: "Quando a gente perdia, a gente acatava o resultado".

Não é preciso fazer um grande esforço para lembrar que o PT sempre fez oposição sem trégua - votou contra o Plano Real e contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, para ficar em apenas dois exemplos da inconsequência do partido - e promoveu uma campanha sistemática para minar o governo de Fernando Henrique Cardoso, especialmente no segundo mandato. Líderes do partido, que hoje dizem "acatar o resultado" das eleições e se queixam das manifestações contra Dilma em razão do escândalo da Petrobrás, chegaram a defender o impeachment de FHC diante das suspeitas de irregularidades nas privatizações. Era o "Fora FHC!". Hoje, porém, Lula não se constrange em pedir que cessem os protestos contra Dilma porque ela "precisa governar": "Deixem a mulher trabalhar, gente! Ela ganhou as eleições".

Empenhado em ditar os rumos do segundo mandato, para fortalecer sua eventual candidatura em 2018, o ex-presidente, sempre que pode, cita as próximas eleições. "Eles (a oposição) começam a ficar apavorados com a perspectiva do quinto mandato", discursou Lula, dando a senha para que os correligionários o ovacionassem. Em seguida, bem ao seu estilo, disse que "ninguém tem de pensar em 2018", mas deixou clara a pressão sobre Dilma, ao dizer que espera dela o "sinal que ela vai dar do ponto de vista econômico, das políticas sociais, de desenvolvimento".

Lula parece saber que é do desempenho de Dilma que depende sua força e a de seu partido para enfrentar a tempestade do escândalo de corrupção e sobreviver no poder em 2018. Essa é sua grande aflição e a razão pela qual imputa tudo o que se diz sobre o escândalo na Petrobrás a uma campanha para "destruir" o PT.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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