PERFIL- Kátia Abreu, antes opositora do PT, será a 1ª mulher a comandar Agricultura

Publicado em 24/12/2014 08:49 e atualizado em 26/12/2014 14:12
Por Roberto Samora, da Reuters

Ex-dona de casa, Kátia Abreu tem 52 anos e construiu um império pecuário depois da morte do marido, no final dos anos 1980. Sem experiência na área, dedicou-se à produção nas terras em Tocantins e desde então foi se fortalecendo como liderança política no setor. Presidiu sindicatos locais até chegar à presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), cargo que ocupa desde 2008 e para o qual foi eleita pela terceira vez este ano.

Senadora de oposição aguerrida pelo DEM até 2011, Kátia começou a cair nas graças de Dilma durante a votação do Código Florestal no Congresso, em 2012, quando já estava no PSD, partido criado por Kassab para apoiar o governo. Kátia trabalhou pela aprovação do texto e chegou a concordar com alguns dos vetos que Dilma fez posteriormente ao projeto. No ano passado, deixou o PSD e migrou para o PMDB, após disputa por protagonismo com Kassab.

 A senadora reeleita por Tocantins Kátia Abreu, agora atuando pelo PMDB, deixou seu passado de oposição ao PT de lado para ser a primeira mulher a comandar o Ministério da Agricultura, no futuro governo Dilma Rousseff.  Não é a primeira vez que Kátia Abreu, de 52 anos, vive uma situação de protagonismo entre as mulheres brasileiras, ocupando posições públicas sempre ligadas ao setor agrícola.

Kátia Abreu, que em suas entrevistas costuma dar forte ênfase à defesa da classe dos agricultores e pecuaristas, desafiando adversários como ambientalistas e militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST), foi também a primeira mulher a presidir a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

"Primeiro, é uma pessoa competente, conhece o assunto. São inquestionáveis os avanços que nós tivemos no setor quando ela assumiu a CNA. E segundo, ela entrará também, por sua relação, por seu temperamento, como uma ministra que pode fortalecer o ministério", disse à Reuters o deputado Marcos Montes (PSD-MG), que em 2015 assumirá a presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária.

    Formada em psicologia, Kátia Abreu assumiu trabalhos ligados ao campo em 1987, quando ficou viúva aos 25 anos, grávida e com dois filhos pequenos, segundo descrito em seu site.

    Naquela época, ela foi obrigada a recomeçar a vida, passando a tocar a Fazenda Aliança, que herdara do marido, morto em um acidente de avião.

    Seis anos depois, Kátia Abreu passou a atuar em entidades de classe, começando com o Sindicato Rural de Gurupi, notabilizando-se por atividades relacionadas à pecuária, o que acabou levando-a para a presidência da federação da agricultura de Tocantins.

    Em 2005, elegeu-se vice-presidente de Secretaria da CNA, cargo que antecedeu a atual posição de presidente da entidade que representa agropecuaristas no Brasil.

    Um ano depois, ela foi eleita senadora, com mais de 330 mil votos, pelo então PFL (depois DEM), fazendo franca oposição ao PT do então reeleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem criticou no passado, entre outras coisas, por patrocinar um aumento de cargos públicos, com vistas a beneficiar petistas.

 

CRÍTICAS E APROXIMAÇÃO

A aproximação de Kátia Abreu com o governo da presidente Dilma Rousseff rendeu críticas à presidente da parte dos movimentos sociais, como o MST, que defende reforma agrária, o que provoca arrepios em muitos do setor agrícola nacional.

"Kátia Abreu representa o latifúndio mais submisso ao capital internacional. Por isso, sequer representa os interesses dos grandes produtores rurais", disse Alexandre Conceição, da direção nacional do MST.

"No último período, ela fez um movimento calculado ao mudar de partidos e sair dos holofotes, se aproximando de Dilma para ser ministra. No entanto, não esquecemos como ela se construiu nem os interesses que representa", acrescentou.

A indicação da senadora para comandar a pasta da Agricultura provocou polêmica antes mesmo de sua oficialização, inclusive entre colegas de partido da agora ministra, que não a reconheceram como nome do PMDB no governo.

Uma fonte peemedebista, inclusive, disse à Reuters que a escolha da senadora também é polêmica porque, apesar de ela ser presidente da CNA, há setores do agronegócio que não nutrem boa relação com ela.

“Ela não tem boas relações com o pessoal do etanol e também não tem uma relação tranquila com a JBS, por exemplo", disse o peemedebista.

A JBS, maior produtora de carnes do mundo e um dos principais financiadores da última campanha eleitoral, teria feito lobby contra a nomeação da senadora, segundo informações divulgadas na mídia, o que a empresa nega.

Por meio da assessoria de imprensa, a JBS declarou que a informação não é a verdadeira e que a companhia "não tem absolutamente nada contra a senadora Katia Abreu".

Antes do PMDB, Kátia Abreu passou pelo PSD, liderado pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que se mostra afinado com o governo Dilma.

Desde sua saída do DEM, Kátia Abreu se aproximou da presidente. Um exemplo dessa proximidade ocorreu neste ano numa votação no Senado.

O governo tinha grande interesse em aprovar, por meio de uma medida provisória, a ampliação do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Mas ao ouvir um pedido da senadora, agora nomeada ministra, Dilma solicitou que a relatora da MP, a ex-ministra da Casa Civil senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), retirasse a mudança do texto para privilegiar a votação de um projeto relatado pela peemedebista e que prevê uma ampla revisão da Lei de Licitações.

A presidente também costura há um tempo com a senadora peemedebista um novo marco regulatório para a navegação de cabotagem e teve várias reuniões com ela sobre o tema.

    A carreira política de Kátia Abreu também é marcada pelo mandato como deputada federal pelo então PFL, sendo líder da chamada bancada ruralista do Congresso Nacional, uma das mais fortes do Parlamento.

    Mais recentemente, a senadora atuou fortemente em defesa da aprovação de um novo Código Ambiental brasileiro, o qual ela alega ser bastante rigoroso, ao contrário do que afirmam os críticos, para quem a nova lei é uma vitória dos produtores rurais.

(Por Roberto Samora; Reportagem adicional de Caroline Stauffer, em São Paulo, Maria Carolina Marcello e Jeferson Ribeiro, em Brasília).

 

El PAÍS: ‘Motoserra de ouro’ para a Agricultura

A escolha da presidenta Dilma Rousseff para assumir o Ministério da Agricultura não poderia ser mais polêmica. O nome da senadora Kátia Abreu, que já circulava na imprensa nacional como certo para ocupar a pasta há semanas, foi alvo de inúmeros protestos de movimentos ligados à terra e ao meio ambiente.

Abreu é ex-líder do movimento ruralista no Congresso, grupo que reúne deputados e senadores acusados de defender o interesse do agronegócio e de barrar projetos ligados à preservação ambiental e ao avanço da reforma agrária no país.

Em 2010, ela recebeu do Greenpeace o prêmio “Motosserra de Ouro” quando participava da COP-16 no México. O grupo a acusava de atuar para barrar pontos importantes para os ambientalistas do novo Código Florestal que estava em discussão na Câmara. Em 2013, ela apresentou, como presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), um estudo que afirmava que “mantidas as taxas médias de criação de unidades de conservação e terras indígenas dos últimos Governos, em 2031 acabaria a área de produção agrícola do país”. Também afirmava que “47,7% dos assentados da reforma agrária não produzem o suficiente para a família e 72,3% não geram renda na propriedade”.

Outra polêmica envolvendo o nome de Abreu foi quando em 2013 elaapresentou um projeto de lei cujo objetivo era impedir que as terras invadidas por índios fossem desapropriadas para a demarcação de reservas indígenas. O conflito entre índios e produtores rurais por terras no interior do Brasil tem se agravado nos últimos anos e causado centenas de mortes. Na ocasião, ela afirmou no plenário que os produtores rurais tentaram estabelecer diálogo com os indígenas, mas isso foi infrutífero. “A cada dia que passa, ao invés de diminuir a insegurança jurídica, ao invés de diminuírem as invasões por parte dos índios nas áreas de produção do país, elas estão aumentando”, disse.

Em protesto à possível nomeação da senadora, o Movimento dos Sem-Terra (MST), alinhado ao PT de Rousseff, ocupou uma fazenda no Rio Grande do Sul no mês passado para pressionar a presidência. A pasta da Agricultura já tem sido ocupada por nomes ligados aos ruralistas e não é o órgão responsável pelas políticas de reforma agrária, que são geridas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Mas, para o movimento, a escolha de Abreu é simbólica.

“É uma sinalização muito ruim do Governo a indicação de uma pessoa que historicamente afronta os interesses dos camponeses”, afirma Débora Nunes, da direção nacional do MST. Para ela, o nome da ruralista é um contraste ao movimento de união da esquerdaocorrido no final da apertada campanha que levou Rousseff à reeleição. “A militância de esquerda foi às ruas para que houvesse a vitória de um projeto de perspectiva popular para o país. A expectativa da esquerda era de que isso se materializasse no novo Governo com a indicação de pessoas que possam contribuir com essa construção”, lamenta ela.

Abreu foi a primeira mulher a assumir a Confederação da Agricultura e Agropecuária do Brasil, entidade que representa os agricultores brasileiros. Em outubro de 2013, ela trocou o PSD pelo PMDB, a pedido do vice de Rousseff, Michel Temer, que é do partido. Desde o início do primeiro mandato da presidenta, a pasta é comandada pela sigla de seu vice e a nomeação de Abreu busca dar continuidade a essa aliança.O nome de Abreu também foi rejeitado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e pelo Movimento Brasil pelas Florestas, que criou um abaixo-assinado virtual contra a indicação dela. O documento, assinado por pouco mais de 20.000 pessoas, ressalta que ela foi uma das principais articuladoras das alterações no novo Código Florestal que “anistiam desmatadores e incentivam o desmatamento”. “A nomeação de Kátia Abreu representaria um passo a mais na direção dos interesses do latifúndio e das multinacionais do agronegócio. Caso essa ação se confirme será entendida por nós como um sinal do rompimento definitivo do Governo federal com o desenvolvimento sustentável”, afirma o grupo na petição.

Kátia Abreu recebe o prêmio Motosserra de Ouro em 2010. / GREENPEACE/DIVULGAÇÃO

Fonte: Reuters + EL PAÍS

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