Acordo de livre-comércio reúne 40% do PIB global e desafia China (Brasil fica de fora)

Publicado em 06/10/2015 05:16
Crise é hora de mostrar soluções, diz Paulo Hermann, presidente da John Deere Brasil

Acordo de livre-comércio reúne 40% do PIB global e desafia China

EUA, Japão e mais dez países do Pacífico aprovam tratado para derrubar barreiras comerciais

Negociações duraram quase oito anos e ainda precisam do aval do Legislativo dos 12 países-membros

 

Após quase oito anos de negociações, foi anunciada nesta segunda (5) a conclusão da Parceria Transpacífico (TTP), o maior acordo regional de comércio da história. EUA, Japão e os outros dez integrantes da parceria formam cerca de 40% da economia mundial e o acordo tem potencial para reescrever as regras do comércio global.

Além de reduzir barreiras comerciais com o corte de tarifas de importação entre seus parceiros, o TTP facilita as transações ao estabelecer regras uniformes para setores como investimentos, ambiente, direitos trabalhistas e propriedade intelectual.

Para entrar em vigor o acordo terá de ser ratificado pelos Legislativos dos 12 países, o que nos EUA não deverá ser fácil, sobretudo em meio à corrida presidencial –na Austrália e no Canadá, ele também deverá enfrentar oposição parlamentar.

Mesmo antes da ratificação, a conclusão do acordo é uma vitória para o presidente americano, Barack Obama, que investiu no TTP como uma das principais ações de sua estratégia geopolítica e econômica. Em comunicado divulgado logo após o anúncio do acordo, Obama não escondeu que um dos objetivos centrais foi marcar posição na rivalidade com a China.

"Quando mais de 95% de nossos consumidores potenciais vivem fora de nossas fronteiras, não podemos deixar que países como a China escrevam as regras da economia global. Nós devemos escrever essas regras."

Com clara dimensão geopolítica, que dá músculos ao plano de Obama de reorientar o eixo da diplomacia americana para a Ásia, o TTP é antes de tudo um mega-acordo de comércio, que une a primeira e a terceira maiores economias globais: EUA e Japão.

Os dois países nunca assinaram um tratado bilateral de comércio e gradualmente derrubarão as atuais barreiras. Os demais integrantes do TTP são Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã.

Concluído após uma maratona de cinco dias de negociações na cidade americana de Atlanta, o acordo que reúne cerca de 40% do PIB mundial coloca ainda mais em xeque a relevância da OMC (Organização Mundial do Comércio), que tenta fechar há mais de uma década a Rodada Doha, o ambicioso tratado multilateral de livre-comércio.

O brasileiro Roberto Azevedo, diretor-geral da OMC, parabenizou os países do TTP e disse que o acordo prova que é possível alcançar consenso entre nações com interesses diversos quando existe "vontade política e determinação".

Para outro brasileiro, o economista Maurício Mesquita Moreira, do setor de integração e comércio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o TTP deixa claro para onde caminha o comércio mundial, com novas regras estabelecidas pelo bloco liderado pelos EUA.

"Há o objetivo claro de sinalizar para a China que, se quiser continuar participando do comércio global, em algum momento vai ter que se ajustar a essas novas regras."

 

VINICIUS TORRES FREIRE

O Brasil na bolha do jeca

Novo acordo comercial ressalta o quanto o país está absorto na ruminação das próprias bobagens

A GENTE OLHA pela janela e vê, lá longe, a notícia de que um monte de países, grandes parceiros do Brasil, fechou acordo para facilitar o comércio. A gente olha para o umbigo e mal consegue enxergá-lo, tamanha a névoa de crises, como a da mixórdia político-jurídica do impeachment.

Parece, pois, exótico, coisa de outro mundo, tratar da Parceria Transpacífico, o acordo assinado entre EUA, Japão, Canadá, México, Chile, Peru, Austrália, Nova Zelândia, Cingapura, Malásia, Vietnã e Brunei.

Transpacífico? E daí? Um quarto do comércio do Brasil é feito com os países que assinaram esse acordo; um terço das nossas exportações vai para lá. Esse tratado facilita o comércio entre eles porque uniformiza regras de produção (trabalhistas, ambientais, entre muitas outras), abre mercados para certos produtos etc. Em vez de comerciar com o Brasil, fica mais fácil (barato, seguro) comerciar entre eles.

É grande o risco de perdermos mais mercados. Além do mais, a facilitação do comércio vai influenciar decisões de investimento de grandes empresas (talvez até brasileiras), pois o nosso grande e ora prejudicado mercado doméstico pode não ser motivo bastante para contrabalançar os custos do nosso isolamento comercial.

Ainda muito importante, o acordo Transpacífico e tantos outros que vêm sendo fechados criam padrões básicos, condições de comércio que se tornam itens elementares de qualquer tratado. Como o Brasil não participa dessas tratativas, se e quando tentar fazê-lo, vai chegar atrasado e terá de dançar conforme a música já escolhida por outros.

Por aqui, não anda nem mesmo o acordo de livre-comércio de carros com a Argentina, firmado faz um quarto de século e emendado por 41 (sic) protocolos adicionais de enrolação. Desde 1999, o Brasil (Mercosul) enrola com a União Europeia um acordo comercial geral. Talvez neste ano Mercosul e UE troquem propostas firmes de negociação, espera-se, muito. Mas, no fim das contas, a gente mal sabe o que está fazendo.

Para começar, não temos nem boa política econômica de curto prazo (inflação e contas públicas em ordem, crescimento econômico regular). Faz mais de década, nosso projeto comercial é protecionismo mal disfarçado e acomodação de maluquices da Argentina kirchnerista, às quais em parte aderimos desde Dilma 1.

Na região, no mais, o grande projeto foi subsidiar empreitadas em países vizinhos, via BNDES, e, na prancheta doidivanas, há coisas como o Trem do Peru, a ferrovia que iria do meião do Brasil ao Pacífico, via Amazônia e Andes. A gente não consegue nem fazer trem no sertão da Bahia ou metrô e variantes de bonde, como na São Paulo de Geraldo Alckmin. Mas tem essa mania "geopolítica" de Trem do Peru, coisa de país pobre delirante.

Dilma fez política de conteúdo nacional genérica e equivocada (compras obrigatórias de produtos nacionais mais caros, por exemplo, o que ajudou a arruinar a Petrobras e criou um nicho fértil de corrupção). Enfim, criou mais barreiras de proteção de uma das indústrias mais ninadas do mundo, as montadoras de carros, entre outras. Mas mesmo boa parte da indústria é contra essa solução do jeca. Além de nos estranharmos aqui dentro, estamos alienados do mundo.

BENJAMIN STEINBRUCH

É só querer

Conjuntura é desesperadora, mas país tem um currículo que o credencia para superar os problemas atuais

A crise é feia na economia e na política. O país está em recessão, as contas do governo não fecham, os impostos esfolam os brasileiros, o crédito é o mais caro do mundo, a indústria brasileira anda pra trás, o desemprego já atinge 8,6 milhões de pessoas, o comércio não vende, o dólar passou de R$ 4 pela primeira vez desde a criação do real, a inflação está alta, as ações das empresas estão superdesvalorizadas etc.

Tudo isso é real. A conjuntura é desesperadora. Mas em situações como essas temos a tendência de esquecer conquistas recentes e passar a ideia de que nada dá certo no país.

O Brasil dos últimos 20 anos, apesar de tantos erros cometidos no meio do percurso, é um exemplo de sucesso.

Não acredita? Vamos, então, repassar alguns números básicos.

Em 1994, o PIB brasileiro, em dólares correntes, era de US$ 558 bilhões. No ano passado, atingiu US$ 2,35 trilhões, segundo estatísticas do FMI. Nesse período, a renda per capita do brasileiro subiu de US$ 3.569 para US$ 11,6 mil por ano.

O comércio exterior (importações mais exportações) passou de US$ 76 bilhões para US$ 454 bilhões nesses 20 anos.

E a produção de alimentos (grãos) aumentou de 81 milhões de toneladas ao ano para 209 milhões ao ano.

Houve nessas duas décadas um bom avanço na distribuição de renda. O principal indicador da concentração de renda é o índice Gini, que vai de zero a 1 –quanto mais perto de 1, mais concentrada, e quanto mais próximo de zero, menos concentrada.

Pois o Gini do Brasil melhorou bastante, passando de 0,603 em 1994 para 0,501 no ano passado.

Na área social, houve avanços consideráveis. O índice de analfabetismo, a despeito do ensino deficiente, foi reduzido pela metade e hoje há no país 8,5% de pessoas com mais de quinze anos que não sabem ler e escrever.

A mortalidade infantil, talvez o mais importante indicador das condições de saúde de uma população, caiu. Em 1994, para cada mil bebês nascidos vivos, 43 morriam no primeiro ano de vida. Agora, esse índice é de 14,4.

Dentro de casa, a situação melhorou. Só 39% dos domicílios tinham esgoto em 1994, número que subiu para 59%. A luz elétrica já está instalada em 99,6% das residências, e a água encanada, em 85%. E 97,2% deles têm geladeira e televisão.

Há muitos outros números positivos, que não cabem neste espaço.

E você poderá citar, certamente, vários indicadores negativos desse período, sendo o mais grave a desindustrialização que atingiu o parque manufatureiro brasileiro.

Sempre será possível também comparar esses dados, aqui e ali, com os de outros países que caminharam mais rapidamente.

E por que lembrar essas coisas em meio a uma crise tão grande?

A resposta é simples: para observar que o Brasil tem um currículo que o credencia para superar os problemas atuais. Superou crises seguidamente, desde Itamar até agora.

Todos esses governos cometeram erros, mas todos também promoveram avanços, mostrados por alguns números citados acima.

O país está naturalmente assustado com o tamanho da crise. Já há perdas imensas para empresas e trabalhadores, que exigem correção imediata de políticas equivocadas.

É só querer.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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