"Isso é Lula: nunca gostou de ser baixinho; fala grosso, mas pode miar, se for o caso"... (por RICARDO NOBLAT)

Publicado em 03/11/2015 10:46
em O GLOBO + Augusto Nunes e Reinaldo azevedo, de veja.com
 OpiniãoDERICARDO NOBLAT
 

Ricardo Noblat: O que Lula é

Publicado no Globo

 

Choca ver Lula cobrar de Dilma e do ministro da Justiça que a Polícia Federal o deixe em paz e aos seus filhos, suspeitos de envolvimento com negócios mal explicados?

Se choca é porque você definitivamente não conhece Lula.

Quando completou 18 anos e foi alistar-se para servir ao Exército, ele declarou ser dois centímetros mais alto do que era. Por quê? Simples: porque nunca gostou de ser baixinho.

Em um sábado de 2005, ameaçado por Marcos Valério, o operador do mensalão, que prometia contar o que escondia se não fosse socorrido, Lula falou em renunciar à presidência da República.

Convocado para apagar o incêndio, o então ministro José Dirceu, que passava o fim de semana em São Paulo, lá se foi convencer Valério a permanecer calado. Conseguiu.

Diante de pesquisas que mostravam a queda de sua popularidade, Lula ocupou uma cadeia de televisão e de rádio para pedir desculpas ao país pelo mensalão.

Nervoso, leu folha por folha do discurso olhando com frequência para o alto, sinal convincente de que mentia, segundo estudiosos de linguagem corporal. Jurou inocência. Disse que fora traído. Mas não apontou os traidores.

Às vésperas do julgamento dos mensaleiros, voou até Brasília para pedir a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que os absolvessem.

A um deles, Gilmar Mendes, antecipou como alguns dos seus colegas prometiam votar. E se ofereceu para interceder por Gilmar que estava sendo alvo dentro do Congresso de histórias inventadas para macular sua honra.

Gilmar sabia com quem lidava. Em visita ao Palácio do Planalto, tão logo Lula começara a governar, o ministro soube que um procurador da Fazenda, no Rio, criava dificuldades para a construção de uma obra da Petrobras.

Gilmar ouviu o conselho dado por Lula a José Sérgio Gabrielli, presidente da empresa: “Grampeie esse cara”. Grampo é crime. Só não é se autorizado pela Justiça.

Para escapar do mensalão, Lula entregou a cabeça de José Dirceu, o coordenador de sua campanha vitoriosa de 2002. Apesar do lobby que fez por eles, os mensaleiros acabaram condenados.

Desde então, Lula insiste em afirmar que o mensalão jamais existiu. Coisa de maluco? De excêntrico? De esperto? Coisa de gente sem compromisso com o que disse, diz ou dirá um dia.

Não cobrem coerência de Lula. Tampouco que diga a verdade. A vida inteira ele só pensou em se dar bem.

Carismático, talentoso manipulador de palavras e de pessoas, sempre encontrou quem lhe fizesse as vontades. Se esbarrava em alguém disposto a contrariá-lo, dava um jeito e se livrava dele.

Sabe falar grosso com quem pretenda intimidar. Ou miar se for o caso. Na campanha de 2002, quando enfrentou José Serra, miou.

Correu a informação de que o PSDB exibiria no seu programa de TV um vídeo onde Lula se divertia numa boate em Manaus.

José Dirceu telefonou ao presidente Fernando Henrique duas vezes, perguntando se era verdade. Despachou de Brasília o ex-deputado Sigmaringa Seixas ao encontro de Serra, em São Paulo. Era lenda.

Pelas costas de Dilma, Lula tem falado mal dela. Culpa-a pelo cerco que sofre da Polícia. Na frente de Dilma, mia. Suplica por ajuda.

Ele não vê nada demais no enriquecimento de parentes enquanto governava o país. Nem vê nada demais em ter-se tornado um milionário à custa de empresas que beneficiou como presidente.

Lula não é imoral, longe disso. É amoral – nem contrário nem conforme à moral.

(por RICARDO NOBLAT, de O GLOBO)

 

Petismo: nunca, na história do capitalismo, o discurso socialista rendeu tanto dinheiro a tão poucos

Por Reinaldo Azevedo

Antonio Palocci é, sem dúvida, o maior gênio do PT. Caiu em desgraça duas vezes. E, a cada queda, ele ficava ainda mais rico. Que talento! José Dirceu deve se perguntar todo dia: “Onde, diabos!, eu errei?!”. Dirceu está em prisão preventiva por causa do petrolão e já puxou cana por causa do mensalão. Corre o risco de ver regredir a pena. Os cálculos mais avantajados sobre a sua empresa de consultoria apontam um faturamento de R$ 39 milhões desde que deixou o governo. E ainda foi apontado como uma espécie de mentor do petrolão — no mensalão, foi chamado de chefe de quadrilha. Está com seus direitos políticos suspensos, e sempre se desconfia que esteja tramando alguma coisa. Palocci flana acima do bem e do mal.

Esse vai só no sapatinho. Vá ser bom consultor assim na casa do chapéu!!! Em sete anos, movimentou a espetacular soma de quase um quarto de bilhão de reais: R$ 216 milhões. E sem produzir um parafuso!!!

O governador de Minas, o petista Fernando Pimentel, amigo pessoal de Dilma desde os tempos em que ambos pertenciam a grupos terroristas, também mostra que não veio para brincar em serviço na selva do capitalismo.

Nunca, na história do capital, o discurso socialista rendeu tanto para tão poucos!

Editorial do Estadão: Lula assume o comando geral

Lula cumpriu o que se propunha a fazer em sua viagem a Brasília na quinta-feira: assumiu de fato o comando do PT e do governo. Para botar tudo em pratos limpos, reuniu-se com o Diretório Nacional do partido e, à noite, no Palácio da Alvorada, com os ministros que colocou no Planalto, mais o seu preposto na presidência do PT. A presidente Dilma Rousseff também estava presente. Diante dos correligionários usou e abusou de seus melhores recursos retóricos para estabelecer as novas diretrizes para tempos de guerra. Fez pose de herói e de vítima, deu conselhos e aplicou reprimendas, divertiu-se com a ironia e o deboche, permitiu-se a modéstia e a humildade, explodiu em ímpetos de valentia, tudo junto e misturado. Nos aplausos que recolheu deve ter encontrado consolo para a decadência de seu prestígio no mundo real, no qual 54% dos brasileiros afirmam que “de jeito nenhum” votariam nele em 2018.

Ordenou Lula ao PT: chega dessa história de falar mal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Levy, Lula sabe, é necessário para fazer o ajuste fiscal, botar as contas do governo em ordem e dar um jeito na lambança que “Dilminha” promoveu em seus primeiros quatro anos de desgoverno. Assim, conformem-se por enquanto os petistas e filopetistas remanescentes, porque “as coisas estão difíceis, mas vão melhorar”.

Quanto a Eduardo Cunha, Lula também sabe, é importante para evitar que progridam as tentativas das “elites” de promover o impeachment de Dilma. Até hoje a chefe do governo só fez e falou bobagens, mas agora ela está sob controle e é necessário que permaneça onde está para permitir que seu padrinho dê um jeito nas coisas para chegar a 2018 com alguma chance de se candidatar mais uma vez ao posto que nunca deveria ter deixado. Portanto, nada de ficar falando em contas na Suíça e irrelevâncias desse tipo, até porque não se deve “prejulgar” ninguém.

Para dramatizar a necessidade de apoio ao ajuste fiscal e enquadrar o PT, que se inclinava a formalizar um pedido de afastamento de Joaquim Levy e divulgar críticas à “política econômica” de Dilma, na reunião do Diretório Nacional Lula não teve o menor constrangimento de dar o dito por não dito. Ele afirmara, dias antes, que o ministro da Fazenda tinha “prazo de validade”. Também admitiu, pela primeira fez publicamente, o estelionato eleitoral praticado no ano passado: “Ganhamos as eleições com um discurso e, depois, tivemos que mudar o discurso e fazer o que dizíamos que não íamos fazer. E isso é um fato”. Essa confissão dá bem a medida dos extremos a que Lula está disposto a chegar para evitar o naufrágio do projeto de poder do PT, que faz água por todos os lados desde que, ao assumir o segundo mandato, Dilma meteu na cabeça que teria competência para assumir sozinha o comando político do governo.

Falando aos petistas como se já fosse candidato à Presidência, Lula preocupou-se também em minimizar a importância do cerco da Polícia e do Ministério Público Federais a si e a sua família, como consequência do inevitável surgimento de suspeitas a respeito da repentina prosperidade do clã Da Silva. Na falta de melhores argumentos, apelou para o deboche: “Disseram que uma nora minha recebeu R$ 2 milhões. Aí, vão perguntar quem é rico na família. Daqui a pouco uma nora entra com um processo contra a outra para ter o dinheiro repatriado”.

Além da participação na reunião do diretório petista, Lula almoçou com a liderança do PCdoB, a sempre fiel linha auxiliar do PT, onde repetiu os principais pontos de seu pronunciamento aos petistas. À noite, jantou no Palácio da Alvorada com Dilma, os ministros Jaques Wagner, da Casa Civil, e Ricardo Berzoini, da Secretaria de Governo, além do presidente nacional do PT, Rui Falcão. Em todas essas ocasiões ressurgiu em grande estilo a prodigiosa metamorfose ambulante – expressão cunhada por ele próprio para demonstrar que se considera acima do Bem e do Mal. Era o líder populista que não tem o menor escrúpulo de falar apenas o que acredita que as pessoas querem ouvir ou o que as circunstâncias políticas exigem. Está aí o homem que governa de novo o País, agora e mais uma vez sem intermediários.

O petismo, de fato, cuidou muito bem dos ex-pobres Lula e Erenice. Hoje, são milionários!

Por Reinaldo Azevedo

Ui, ui, ui…

Em entrevista concedida à Folha no sábado, Gilberto Carvalho diz haver uma campanha de desmoralização do Lula para que ele seja depois enviado à cadeia. Carvalho não deixou claro por qual crime. O próprio Lula, por sua vez, atacou a imprensa e afirmou que esta só bate no PT porque não gosta de ver o pobre melhorar de vida. Ah, sim: o jornalismo também estaria a serviço das elites.

Como a gente vê, o petismo cuida muito bem dos pobres. Lula já foi pobrezinho. Erenice idem. Agora são milionários. Essa imprensa é muito má…

 

Roberto Pompeu de Toledo: Dois diários

Publicado na versão impressa de VEJA

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

No dia 3 de outubro de 1930, o chefe revolucionário Getúlio Vargas tomou de um caderno pequeno com capa de couro marrom, na qual estava escrito em ouro, no estilo dos velhos almanaques, “1928 ─ O Rio Grande do Sul em revista”, e escreveu:

“Se todas as pessoas anotassem diariamente num caderno seus juízos, pensamentos, motivos de ação e as principais ocorrências de que foram parte, muitos, a quem um destino singular impeliu, poderiam igualar as maravilhosas fantasias descritas nos livros de aventuras dos escritores da mais rica fantasia imaginativa. O aparente prosaísmo da vida real é bem mais interessante do que parece. Lembrei-me que, se anotasse diariamente, com lealdade e sinceridade, os fatos da minha vida como quem escreve para si mesmo, e não para o público, teria aí um largo repositório de fatos a examinar e uma lição contínua da experiência a consultar”.

Os diários de Getúlio, iniciados naquele dia em que explodiu no Rio Grande o movimento que o levaria ao poder, fazem eco aos diários de Fernando Henrique Cardoso que agora são publicados. O próprio Fernando Henrique, no primeiro de seus registros, invoca os diários de Getúlio. Por coincidência, os diários de Getúlio foram publicados ─ primeiro em excertos, em VEJA, depois em dois nutridos volumes ─ naquele mesmo ano de 1995 em que Fernando Henrique cumpria o primeiro ano de seu mandato. São dois presidentes conversando consigo mesmos e com a história.

Várias vezes, FHC citará GV. “No avião, li na VEJA fragmentos do diário de Getúlio”, escreve Fernando Henrique, em dezembro daquele ano. “É admirável, ele era distante, frio, não registrava os principais acontecimentos, registrava coisas de ordem pessoal (…) Fora disso, algumas observações duras, cruéis, sobre o ser humano. Ele era muito cético, sobretudo com Oswaldo Aranha, que era seu grande amigo e, ao mesmo tempo, sua grande sombra.”

Getúlio escrevia, Fernando Henrique ditava ao gravador ─ sinal dos tempos, mais vagarosos no primeiro caso, atropelados no segundo. É surpreendente como Getúlio conseguiu perpetrar treze longos parágrafos naquele primeiro dia, enquanto as coisas pegavam fogo ao seu redor. Getúlio capricha na linguagem. FHC vai aos trambolhões. Getúlio anota, no dia 27 de maio de 1934: “O Oswaldo convidou-me para conspirar no sentido de uma revolução para outorgar uma nova Constituição ao país, pela dissolução da Constituinte e outro processo que a substituísse” ─ e em seguida muda de assunto.

FHC, num assunto dessa gravidade, explodiria em perplexidade, indagações, indignações. Tanto quanto um é seco e preciso, o outro é emotivo e esparramado. A certa altura FHC registrou em seu gravador: “Interessante, o Getúlio montou o sistema que eu estou tendo que desmontar, porque a história é outra hoje, mas temos que desmontar usando métodos não muito diferentes daqueles de Getúlio, ou seja, tendo um arco muito abrangente de alianças para poder governar, jogando com uns e outros, não abrindo o jogo com ninguém, ficando no isolamento das minhas decisões (…) e fazendo com que, de alguma maneira, o jogo escoe naturalmente para o lado que eu quero”.

Os dois registram banalidades. Getúlio escreve, no dia 5 novembro de 1930: “Pela manhã leio os jornais nos aposentos, faço ‘toilette’ e dirijo-me a um gabinete particular no mesmo andar do dormitório, para despachar a correspondência”. E no dia 26 de agosto de 1933: “Não havia água para banho em palácio. Pela manhã, fui para o Jaceguai cortar cabelo, tomar banho e mudar de roupa”. FHC registra fielmente o hábito matinal da natação e especifica com frequência os cortes de cabelo. “Hoje vou cortar o cabelo e fazer a unha do pé”, registrou no dia 2 de abril de 1996. Cortou o cabelo também em 8 de novembro e, de novo, no dia 21 do mesmo mês.

De forma mais pesada, a sombra de Getúlio será invocada por FHC em dois momentos de dificuldades. O primeiro foi durante uma brigalhada entre os assessores mais próximos ─ “Com o Getúlio também foi assim, alguém quis protegê-lo, o Gregório tentou matar o Lacerda, isso não dá” ─ e o segundo numa hora de cansaço pessoal e “hesitação” no governo: “Há momentos em que a gente pensa: já fiz tanta coisa, será que não dá para parar? É como se houvesse um começo de sentimento de morte, que eu nunca tive. O Getúlio, entretanto, li em seu diário, fala sempre em suicídio. Sempre fui o oposto, não penso em nada disso, penso em quanto a morte, no passado, era encarada por mim como uma coisa terrível e agora, pouco a pouco, vai me parecendo natural”. De certa maneira, para parodiar o livro famoso de Zuenir Ventura, o 24 de agosto de 1954 é um dia que não terminou.

Opiniões desse ou daquele contra o impeachment não traduzem a vontade da “sociedade civil”

Por Reinaldo Azevedo

A Folha publica hoje a opinião de algumas personalidades sobre a crise. No jornal impresso, reproduz-se o pensamento de 12 pessoas. Na versão Online, de 28. Extraíram-se de lá duas conclusões cuja origem não entendi. A primeira consiste em chamar um grupo de 28 pessoas de “representantes da sociedade civil”, o que lhes confere uma amplitude que não têm. A segunda, em afirmar que a maioria é contra o ajuste da economia, mas também se opõe ao impeachment. Vamos lá.

Entre os 28 ouvidos, apenas 8 se disseram explicitamente contra o impeachment; quatro se mostraram favoráveis, e 16 não tocaram no assunto. Se contaram isso aos repórteres e se não sai publicado no jornal, a gente não tem como saber. Sim: entre os que não opinam, está, por exemplo, o senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, mas também o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM). Se apenas 8 de 28 afirmam explicitamente que o impeachment não é a solução, não vejo como se chegar àquela conclusão.

A questão da “sociedade civil” é mais complexa. Esse é um conceito político, que designa, de maneira genérica, as vozes da sociedade que não estão, vamos dizer, disciplinadas pelo estado e pelas políticas oficiais — o que não quer dizer que sejam forças necessariamente de contestação, claro!

No grupo dos 28 ouvidos pela Folha, há quatro políticos eleitos da oposição, quatro da situação e até um ex-deputado petista do Paraná. Vênia máxima, não se encaixam no conceito elementar de “sociedade civil”. Os 28 já caíram para 19. No grupo que resta, nada menos de 10 são lideranças sindicais empresariais, boa parte oriunda da indústria, setor bastante dependente de decisões governamentais. Outros cinco são sindicalistas ou representantes de movimentos sociais, todos de esquerda. E há quatro advogados.

Uma representação da sociedade civil, parece-me, tem de ser um pouco mais rigorosa: há apenas duas vozes de São Paulo, uma do Rio e uma de Minas. Nada menos de sete são do Paraná, cinco de Pernambuco e cinco da Bahia. Esses três Estados concentram 17 pessoas da amostra. Somados, têm uma população inferior a 36 milhões, bem menor do que os mais de 44 milhões só de São Paulo, que, com Minas e Rio, formam mais de 81 milhões de pessoas.

Acho boa, sim, a ideia de ouvir lideranças sobre a política econômica, o impeachment etc. Se, no entanto, o que se quer é uma média da sociedade civil, como está lá, aí é preciso cuidar dos critérios. Ou estaríamos diante de uma situação um tanto inusitada, não é? Teríamos uma sociedade civil contra a esmagadora maioria da sociedade: segundo o Datafolha, dois terços dos brasileiros são favoráveis ao impeachment.

O establishment político contra a sociedade costuma até ser coisa corriqueira; a sociedade civil contra a sociedade seria uma ocorrência inédita e realmente preocupante.

“Contra socos e pontapés das brigadas governistas e o silêncio de setores da imprensa, chegamos até aqui”

Por Reinaldo Azevedo

Deus, que dor nas costas! Despertar numa barraca de nylon sobre o declive do gramado do Congresso Nacional não é, exatamente, a melhor das experiências ortopédicas. Ainda que a vista guarde algum ineditismo, as saudades da minha cama e de um teto sem vazamento ganham cada vez mais peso em meu ânimo diário. São ossos do ofício, diria o amigo resignado. Mas o fato é que os ossos reclamam cada vez mais do ofício. Normal. Hora de sair da barraca.

O universo particular que criamos em frente ao Congresso Nacional é o exemplo mais recente de um Brasil novo, que vem surgindo a despeito do olhar oblíquo de setores da imprensa e da classe artística — os contadores de história por excelência que se negam a contar a grande história do ano. Por entre as barracas, vejo dezenas de pessoas, em sua maioria jovens, dos mais diversos estados da federação, que carregam consigo histórias de vida profundamente diferentes e um sentimento de unidade surpreendentemente natural.

Não existe espaço para bairrismos. Os gaúchos pilotam a cozinha com um baiano; a turma da Paraíba toca violão com o cabeludo do Paraná, e as meninas de São Paulo planejam os atos da semana com as colegas de Goiânia. Sem frescura, sem estresse.

Seria impossível imaginar um ambiente melhor para que nosso grupo, o Movimento Brasil Livre (MBL), pudesse comemorar seu primeiro ano de existência. Num momento em que o impeachment de Dilma Rousseff torna-se politicamente factível; em que o maior partido do país, o PMDB, assume publicamente uma agenda liberal e desestatizante e em que a sociedade civil se encontra alerta e engajada, estar ombro a ombro com meus colegas de movimento nesse cerco moral ao Congresso Nacional possui uma carga simbólica e emocional das mais intensas.

Estamos numa etapa muito importante de uma luta que iniciamos no dia 1º de novembro de 2014. Foi numa tarde de sábado, então ensolarada, que quase 10 mil brasileiros tomaram a Avenida Paulista para deixar claro a todos que não aceitariam de braços cruzados o vale-tudo em que haviam se convertido as eleições presidenciais recém-apuradas. O uso de militância violenta para amedrontar a imprensa livre, os meandros cada vez mais assustadores da operação Lava-Jato, o derretimento do real e dos fundamentos econômicos do país eram sintomas claros de um processo de precarização das instituições republicanas que nos legaria um futuro, no mínimo, sombrio. Era hora de reagir.

Manifestação após manifestação, ajudamos a construir uma cultura de resistência com iconografia e linguagem particulares. Trouxemos as grandes metrópoles e o Brasil profundo às ruas do país de maneira pacífica, ordeira e articulada. Dos pampas ao Rio Negro, todos clamavam pelo fim da impunidade, pela redução do peso governamental sobre seus ombros e pelo impeachment de Dilma Rousseff, cujo segundo mandato encerrou-se antes mesmo de começar.

Quando nossas reivindicações pareciam perder força diante de discussões bizantinas sobre base jurídica para o impeachment, iniciamos uma marcha a pé de São Paulo até Brasília para protocolar o nosso primeiro pedido de impeachment. Mas isso era detalhe. Queríamos inspirar outros brasileiros a integrar uma luta que não haveria de ser breve. Chegamos.

Contra socos e pontapés das brigadas governistas, contra o silêncio de setores da imprensa, mas embalados pela indignação de milhões de brasileiros, chegamos até aqui. E aqui não encerraremos nossa jornada. O PT e Dilma Rousseff são apenas os da hora de uma forma de se fazer política que não é apenas moralmente condenável. Ela também nos condena à pobreza, à mentira e à servidão.

Retornaremos a nossos respectivos lares no momento oportuno para continuar nossa luta por um Brasil mais livre, justo e próspero para todos. Encerro com as palavras de Diego Aires, nosso colega de Campina Grande:

“Hélio fervente castiga o campo
A chuva alivia o rosto suado
E o sangue que ferve no homem lutando
Alenta e libera o povo cansado”

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Fonte:
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