PRIMEIRAS DIRETRIZES - editorial da FOLHA

Publicado em 14/05/2016 05:42

As primeiras manifestações dos responsáveis pela economia no governo de Michel Temer (PMDB), embora genéricas, foram enfáticas. Sem rodeios, o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles,afirmou que estão nos planos tanto uma reforma da Previdência como das leis do trabalho.

Não se trata mais de simples declaração de um político profissional, acostumado a selecionar palavras e a ignorar compromissos assumidos. Trata-se de carta de intenções assinada por quem parece gozar de ampla liberdade e total respaldo dentro da nova gestão.

Nesta sexta-feira (13), Meirelles de fato transmitiu a mensagem de que é principal autoridade da área econômica. Ressaltou que tem o poder de nomear os presidentes dos bancos públicos e, mais importante, anunciar o nome do presidente do Banco Central, em tese uma autoridade autônoma, por costume, desde a virada do século.

A divisão de tarefas da nova equipe parece bem ordenada. A Romero Jucá, no Planejamento, caberá cuidar de racionalizar a gestão, de desregulamentar a economia e do diálogo com o empresariado.

José Serra, nas Relações Exteriores, terá meios e o apoio de Temer para transformar a política comercial externa. Imagina-se que haverá não só mais abertura mas também uma reorientação geopolítica dos acordos: tratados bilaterais ou multilaterais, o que for de maior conveniência econômica, em vez de alinhamento ideológico.

Ainda não há, porém, iniciativas concretas. Meirelles sugere que anunciará novas metas de contenção de gastos somente quando houver avaliação realista das despesas e receitas —há desconfiança a respeito dos balanços deixados pela gestão Dilma Rousseff (PT).

Não ficou claro como funcionará o teto para gastos públicos; a princípio, supõe-se que não haverá crescimento real das despesas (nada além da inflação). Quanto a aumento de impostos, apesar da automática ojeriza que esse tipo de proposta suscita, uma tributação extra e provisória soa inevitável.

Haverá renegociação de dívidas com Estados: a União relaxará a cobrança de débitos em troca de contenção de despesas com servidores e, provavelmente, de um acordo de simplificação do ICMS.

Desonerações de impostos e subsídios para empresas serão revistos, embora o ministro tenha ressalvado que compromissos não serão rompidos: a revisão ocorreria no vencimento desses benefícios. A maior parte dos reajustes de servidores acordados será concedida, mas haverá reestudo dos salários da administração pública.

Em suma, um programa essencialmente correto em suas diretrizes. Resta conhecer o plano em si e saber se o novo governo, assumindo num contexto anormal, terá capacidade política de superar as inevitáveis resistências.

 

Itamaraty, Apex e comércio exterior

Por MARCOS JANK

Duas medidas fundamentais que darão maior estrutura para o comércio e os investimentos internacionais foram anunciadas ontem. Hoje a área encontra-se dispersa em mais de dez departamentos de quatro ministros, uma câmara interministerial de comércio exterior (Camex) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimento (Apex-Brasil).

Primeiro, a Camex ganha estatura, vinculando-se diretamente ao presidente da República, com a participação dos principais ministros afeitos ao tema. O desafio é coordenar as políticas comerciais e de investimentos de que o país tanto precisa, formular estratégias, definir ações interministeriais, prioridades e competências, além de validar acordos e contenciosos comerciais. Precisamos recuperar o tempo perdido após 15 anos de crescente isolamento do Brasil ante os blocos e os países mais dinâmicos do planeta.

Segundo, a Apex passa a se vincular ao Itamaraty e vai ser reestruturada. Com orçamento de R$ 550 milhões, a Apex atua basicamente em promoção comercial e atração de investimentos via projetos com o setor privado. Ocorre que 25% do orçamento da Apex é gasto com pessoal próprio e despesas administrativas. Predomina uma visão voltada para dentro do Brasil, pautada na contratação de consultores brasileiros e em uma excessiva dose de campanhas de autopromoção, quase sempre superior à dos setores exportadores que ela se propõe a promover.

A maior especialidade da Apex é organizar a participação brasileira em feiras e eventos no exterior. A maioria delas faz sentido, mas a agência gastou dezenas de milhões com o patrocínio de megaeventos de eficiência comercial questionável, como Carnaval, F-1 e Indy.

Além disso, sempre houve indesejável disputa com outros órgãos do governo, que redundou na duplicação de programas e recursos humanos e financeiros. Por exemplo, a cooperação entre a Apex e o Departamento de Promoção Comercial e Investimento (DPR) do Itamaraty sempre foi mínima. O DPR conta com 104 setores de promoção comercial (Secoms) espalhados nas embaixadas e nos consulados brasileiros de 81 países, mas há anos não tem recursos para realizar um bom trabalho. Em paralelo, a Apex desenvolve seus projetos no exterior de forma independente, com consultores externos.

Por isso, a Apex deveria racionalizar o trabalho de organização de feiras, eventos e rodas de negócios e apoiar mais de perto programas e ações do governo e do setor privado no exterior, principalmente projetos consistentes de internacionalização setorial que passem por seleção criteriosa e presença qualificada e tenham resultados mensuráveis.

A Apex deveria, por exemplo, apoiar ações para a conquista de acesso a mercados nos países relevantes, já que boa parte das exportações brasileiras enfrenta pesadas restrições tarifárias e não tarifárias. O governo carece de recursos para cuidar do tema, e a grande maioria das entidades do setor privado brasileiro nem sequer está presente no exterior. Aqui não é preciso reinventar a roda. Basta olhar o trabalho que empresas e associações dos EUA, do Reino Unido, da Alemanha, do Canadá e da Austrália têm feito no exterior, em parceria com agencias semelhantes à Apex e poderosas Câmaras de Comércio.

Outra ação fundamental que tem sido negligenciada pelo Brasil é a comunicação de temas transversais sobre os quais somos cobrados o tempo todo no exterior. É fundamental não apenas esclarecer, mas sobretudo difundir informação de qualidade, em formato e língua local, sobre assuntos que geram percepções e questionamentos positivos e negativos. Exemplos são desmatamento, uso da terra, direitos humanos, redução da pobreza, combate à corrupção, questão indígena, custo Brasil, sanidade e bem-estar animal e outros.

Em ótima hora, o governo Temer anuncia medidas que permitem retomar a agenda perdida do comércio exterior. Tenho certeza de que daí pode sair parte das boas notícias que o Brasil tanto precisa.

Governo a jato

Por HELIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - No país da Lava Jato, Michel Temer precisará fazer um governo a jato. Normalmente, um presidente que assume o cargo goza de um período de graça de cerca de três meses —100 dias na tradição inaugurada por Franklin Roosevelt— em que pode contar com a boa vontade do Legislativo, da oposição e da imprensa. Depois disso, as cobranças vão ficando mais pesadas.

O governo Temer, porém, tem muito pouco de normal. Sua janela de oportunidade é muito mais curta. Para começo de conversa, o novo presidente assume sem respaldo popular. Chega ao posto porque foi escolhido por um único grande eleitor, Dilma Rousseff, que o tomou como companheiro de chapa. Pode-se até argumentar jocosamente que este foi mais um dos crimes de responsabilidade da presidente afastada.

No mais, o mandato de Temer não é de quatro anos, mas de dois e meio, se não for abreviado. E ele não poderá contar com uma trégua da oposição. Ao contrário, terá de enfrentar um PT mordido, que fará tudo o que puder para atrapalhar seu governo.

A situação econômica também está longe da normalidade. O afastamento de Dilma, ao desatar o nó político que frustrava a adoção de medidas anticrise, melhora as expectativas, mas a reversão terá fôlego curto se não for acompanhada de ações concretas. Temer tem de sinalizar que o problema fiscal do Estado será resolvido, o que exige cortes de gastos e elevação de impostos, medidas impopulares não muito compatíveis com um governo formado principalmente por parlamentares populistas.

Os temores de que a gestão Temer desponta com uma face assustadoramente conservadora são fundados, mas devem ser relativizados pela lembrança de que 7 dos 22 ministros do novo presidente (32%) ocuparam pastas sob administrações do PT e outros cinco (23%) foram aliados de Lula-Dilma. Isso talvez não diga muito sobre o governo Temer, mas diz bastante sobre as gestões do PT.

Homenagens a Dilma

Por DEMÉTRIO MAGNOLLI

Dez mil é o número registrado no caderninho lulopetista. Automaticamente, por uma decisão de cima, qualquer manifestação pública relevante reunirá 10 mil militantes, entre portadores petistas de holerites, sindicalistas profissionais e ativistas de "movimentos sociais". Menos de um terço disso apareceu na melancólica despedida de Dilma Rousseff, provável indício de uma ordem de desmobilização emanada de Lula. As homenagens à presidente escorraçada ficaram a cargo do presidente interino. Michel Temer bateu continência duas vezes, comprovando o horror à ruptura tão entranhado em nossa elite política.

No primeiro gesto de continência, o substituto desvelou a marca publicitária de seu governo, que empresta da bandeira nacional a abóboda celeste circundada pelo lema "Ordem e Progresso". A lei proíbe o uso da administração para propaganda pessoal dos governantes. As marcas publicitárias são a forma encontrada pelos políticos de circundar o veto legal, identificando eficazmente os atos de governo à figura dos governantes. O PT conduziu a prática ilegal ao paroxismo, criando uma marca geral para seus governos ("Brasil, país de todos"), de modo a produzir a tripla identificação governo-partido-governante. Temer reitera a ilegalidade, mas do seu jeito.

Inaugurando seu segundo mandato, Dilma inovou com a "pátria educadora", uma tentativa de singularizar sua imagem, distinguindo-se do PT. O presidente interino prefere investir na ideia de "união nacional" –e, para tanto, cobre seu governo com o manto da própria nação. A operação de marketing tem um cerne autoritário, sintetizado na mensagem subterrânea de que a fidelidade à pátria solicita o apoio ao governo. "O povo precisa colaborar e aplaudir as mudanças que venhamos a tomar", declarou Temer logo após a posse, reivindicando abusadamente uma nota promissória em aberto.

No segundo gesto de continência, o substituto desvelou sua escultura ministerial, que é Dilma menos a ideologia. A alardeada redução de ministérios quase não passa de um truque de ilusionismo vulgar, realizado pela agregação de pastas sob rótulos abrangentes. O núcleo palaciano (Jucá, Padilha, Geddel, Moreira Franco) é uma camarilha peemedebista, no estilo do burô petista de Dilma (Wagner, Berzoini, Cardozo, Edinho). A equipe econômica (Meirelles e Goldfajn), que sinaliza a mudança de rota, foi conectada ao núcleo palaciano por uma dupla ponte política (Jucá e Moreira Franco). Num círculo externo, raros nomes notáveis (Serra, Jungmann, Mendonça Filho) destacam-se sobre o fundo cinzento da tradicional repartição partidária do butim.

Sumiram os ministérios consagrados à cooptação de "movimentos sociais". Ficou, um pouco atenuado, o "presidencialismo de coalizão", expressão inventada por cientistas políticos brasileiros profissionalmente interessados na "normalização" da corrupção institucional. O espectro de Dilma ronda a paisagem da Esplanada, imantado em personagens como o bispo Marcos Pereira, o herdeiro de Jader Barbalho, o ministro-de-qualquer-governo Kassab e os notórios Picciani e Henrique Alves. Na pasta da Justiça, sai o Ministro da Chicana e entra o Ministro da Ordem: o Brasil oficial não tem lugar para um jurista independente.

A dupla continência confirma a dificuldade de Temer de vislumbrar um país, para além dos limites da Praça dos Três Poderes. O presidente interino pretende mudar a economia com as ferramentas políticas enferrujadas que sempre manejou. "A partir de agora não podemos mais falar de crise", atreveu-se a dizer, imaginando que a legitimidade política deriva da tessitura de uma maioria parlamentar.

"A classe política unida ao povo." Temer pronunciou esse desejo –mas, rodeado por representantes de quase todos os 35 partidos legalizados, calou sobre a urgência de uma reforma política. Tempo de quimeras.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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