Na FOLHA: Retomada da economia brasileira deve demorar anos, indica FGV

Publicado em 17/08/2016 05:48
na edição da Folha de S. Paulo desta 4a.-feira

O Brasil está deixando a crise para trás, mas indicadores sugerem que o ritmo da retomada será lento. Analistas do mercado financeiro preveem que a recessão deverá terminar neste segundo semestre, e o país poderá voltar a crescer em 2017.

Integrantes da equipe econômica do governo começaram a falar nos últimos dias na possibilidade de a economia crescer acima de 1,5% no ano que vem. Grandes bancos, como o Bradesco e o Itaú, têm projeções positivas. O Bradesco prevê uma expansão de 1,5% e o Itaú, de 1%.

O ritmo da expansão promete ser mais fraco do que após as últimas crises, prevê o economista Paulo Pichetti, da FGV, responsável pelos indicadores usados na datação dos ciclos econômicos.

"Esta recessão está fora do padrão das últimas quatro", diz Pichetti, referindo-se à dificuldade de se confirmar a saída da atual contração econômica. "A natureza da recuperação, quando ela vier, será de menor intensidade, mais fraca."

Em sua opinião, o ajuste nas contas do governo, prometido pelo presidente interino, Michel Temer, "não é expansionista", o que não ajuda a estimular uma taxa de crescimento muito acelerada nos anos seguintes à crise.

O economista José Márcio Camargo, sócio da gestora de investimentos Opus, diz que é "possível, porém improvável" que o Brasil alcance a expansão acima de 1,5%. Em sua estimativa, o crescimento será de 0,5%.

"Os economistas dizem que o Brasil sempre se recupera rápido. Depende da recessão", diz Camargo. "As empresas e as famílias estão endividadas, os bancos continuam restringindo crédito, é pouco provável que cresça mais do que 1%, é um sonho."

Esse e outros problemas estruturais farão com que a saída desta recessão seja diferente das mais recentes, na avaliação de Camargo.

MOTORES

Economistas do Itaú Unibanco analisaram o que ocorreu em países que tiveram recessões de, no mínimo, dois anos desde 1980. São crises parecidas com a que o Brasil atravessa hoje, iniciada no segundo trimestre de 2014.

Concluíram que, após o último ano de contração do PIB, eles cresceram, em média, 4,7% por três anos seguidos. Com isso, conseguiram recuperar o patamar de produção pré-crise em quase cinco anos.

"Os motores das recuperações normalmente são depreciação cambial e corte de juros", diz Laura Pitta, uma das economistas do banco responsáveis pelo estudo.

Segundo ela, o real se depreciou bastante em relação ao dólar desde o início da crise e os juros devem começar a cair em outubro. Mas esses fatores, diz Pitta, não são garantia de que o ritmo de recuperação do país será forte.

Segundo previsões coletadas pelo Banco Central, o Brasil deverá crescer em média 1,8% ao ano entre 2017 e 2019, menos da metade do ritmo observado pelos países estudados pelo Itaú Unibanco.

Se isso se confirmar, o país vai demorar para retomar a produção anterior à da crise.

Apesar do ritmo lento da retomada, Igor Velecico, economista do Bradesco, ressalta que o fato de a economia estar entrando em uma fase de estabilização já é positivo.

"Há dois meses não havia consenso nem sobre isso", diz o economista.

Segundo ele, alguns dados como importações de bens de capital e confiança de empresários na retomada têm vindo fortes. Mas Velecico concorda que esse ritmo é relativamente lento. A principal diferença é que, ao contrário do ocorrido após recessões do passado, o país não conta a expansão da economia mundial, que continua a se recuperar a passos lentos.

"O Brasil deverá sair num ritmo mais devagar dessa recessão do que das outras crises que já atravessou. Isso porque das outras vezes houve forte contribuição do crescimento global, que não ocorrerá dessa vez", afirmou.

Senadores discordam do teto de gastos ou preveem que emenda será desfigurada

  • VINICIUS TORRES FREIRE -- Plano Temer na brasa 

Não se espera de senadores que façam discursos de graça a favor de corte de despesas, em particular naquelas de saúde e educação. Ainda assim, deu para sentir o cheiro de queimado do Plano Temer nesta terça (16) em um mero debate com economistas sobre o teto de gastos na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, em tese casa mais ponderada e razoável do Parlamento, diz a lenda.

Vários senadores da coalizão temerista em suma diziam que o projeto de limitar por 20 anos o crescimento dos gastos do governo federal à taxa de inflação não passa, do jeito que está. Essa emenda constitucional mal começou a tramitar na Câmara dos Deputados.

Trata-se do único esteio do programa de Temer para a economia. Parece a última tentativa restante de arrumação da casa econômica antes do próximo governo, a última barreira que separa o país de alguma variante de sarneyzação modorrenta pelos próximos dois anos e meio, na melhor das hipóteses.

A sarneyzação é uma espécie de pasmaceira crônica e uma aparência de governo que ocultam a piora de uma doença econômica crônica e disfarçam um bloqueio político crucial. Resulta de um pacto social tácito e louco pelo suicídio lento. Grupos de interesse diversos entrincheiram-se nas suas posições (ou privilégios estatais), a casta política se amolda a esse empate autodestrutivo e o país definha (na verdade, os privilegiados maiores quase sempre se safam, quando não engordam).

Foi o que se viu no fim dos anos de José Sarney, entre 1987 e 1989.

Senadores governistas diziam nesta terça o seguinte, em resumo.

Recusam a redução da despesa em saúde e educação, embora a emenda do teto não prescreva ou implique tal coisa (se pode até aumentar tais gastos, desde que se corte em outra rubrica, dado o limite do crescimento de despesa).

Recusam o fim das vinculações (a obrigação de gastar certo porcentual dos impostos recolhidos em saúde e educação).

Pregam que se gaste parte do dinheiro "economizado" com o teto com investimentos "em obras". Mas não haverá "economia" alguma de despesa até 2020 ou 2021.

É muito provável que o governo ainda tenha deficit primários até o começo da próxima década (a despesa será maior que a receita, mesmo desconsiderados gastos com juros da dívida pública). Levará outro tanto de anos até que o governo tenha superavit primário suficiente. Isto é, até que reserve dinheiro bastante para evitar o crescimento ora sem limite da dívida pública.

Essa dívida que cresce sem limite é o motivo imediato da encrenca atual, opinião que não é compartilhada por uma minoria de economistas para quem é possível financiar (quaisquer?) deficit à taxa de juros que se desejar, sonho feérico de endividados.

Como se não bastasse, governadores do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste passeavam ontem por Brasília, pelo Senado e pelo Planalto, a pedir mais repasses obrigatórios da União para os Estados e autorização para tomar empréstimos.

Como vai se sair deste estado de espírito (de porco)? O país parece alheado ou cansado, tomando ar depois de anos de convulsão contínua, mas também um tanto enamorado da ideia de que "as coisas vão se ajeitar, aos poucos".

Não, jeitinho não vai dar.

Página virada, editorial da Folha

Foi serena, e sem apelos emocionais, a leitura da carta que a presidente afastada Dilma Rousseff (PT) dirigiu "ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro", às vésperas de iniciarem-se formalmente as sessões em que será julgada por crime de responsabilidade.

Não haverá exagero de crueldade em considerar que, nesta altura, sua missiva sobre o impeachment se revela sobretudo inócua.

A proposta de um plebiscito para novas eleições, reiterada pela petista, não encontra apoio sequer entre os dirigentes de seu próprio partido. Surge como expediente tardio numa conjuntura em que o mandato de Dilma já consta como página virada na história nacional.

Haveria, ademais, obstáculos jurídicos de grande porte para uma alternativa que significasse o encurtamento, não previsto na Constituição, do tempo de governo previsto para seu vice. Michel Temer (PMDB), querendo-se ou não, substituiu Dilma Rousseff em plena observância das regras estabelecidas.

Cabe fazer justiça a alguns dos argumentos que, mais uma vez, a presidente afastada apresentou. Não pesaram contra ela, em toda a crise, suspeitas quanto à sua honestidade pessoal; o mesmo não se pode dizer de várias figuras que defenderam sua destituição.

Os motivos legais do impeachment, debatidos à exaustão, revelaram-se tão questionáveis quanto relativamente pequenos diante do que se conhece de irregularidade e corrupção na política brasileira.

Não foram inexistentes, contudo. A manipulação abusiva das finanças nacionais, em período pré-eleitoral, reveste-se de gravidade própria. Terá sido, de todo modo, a ponta visível de um novelo gigantesco de erros, escândalos e imprudências que seria tolo ignorar.

Sem apoio no Congresso, Dilma desperdiçou seguidas oportunidades de propor o pacto de governabilidade com o qual ora acena.

A justificativa derradeira para seu apelo seria preservar as instituições democráticas contra o que, na desgastada retórica dilmista, terá sido um "golpe de Estado". A democracia mantém-se intocada desde que, em votação amplamente majoritária na Câmara, aceitaram-se os argumentos pela continuidade do impeachment.

Golpe não houve; eventuais riscos de instabilidade política e de divisão irreconciliável da sociedade nem de longe se confirmaram, limitando-se a uma parcela pequena da população o número dos que ainda esperam a volta de Dilma Rousseff à Presidência.

Não são pequenas as dificuldades do interino Michel Temer e das forças políticas ao seu redor. Nenhuma solução para isso viria, entretanto, de um retorno ao que já se tornou parte do passado.

Gosto pelo monólogo levou Dilma ao ponto onde está (ELIO GASPARI, na FOLHA)

Dilma Rousseff leu sua carta ao povo diante de jornalistas, mas não aceitou perguntas. Ela gostaria de ir ao Senado para apresentar a sua defesa, mas não quer perguntas. Foi esse gosto pelo monólogo que a levou ao ponto onde está. Mesmo assim, há monólogos que ilustram. Esse não foi a caso da carta lida nesta terça (16).

Quando a senhora e o PT não sabiam o que fazer, propunham um pacto. Assim foi em 2013, quando os brasileiros foram para rua. Ela ofereceu cinco pactos e mudou de assunto semanas depois. Ontem, novamente, ofereceu um "pacto pela unidade, pelo desenvolvimento e pela justiça". Quando pactos não rendem, surge a carta do plebiscito, e Dilma voltou a tirá-la da manga. Sugeriu a realização de um plebiscito "sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral".

A reforma política é necessária e não precisa de plebiscito, mas é o caso de se lembrar que tipo de reforma era defendida pelo seu partido. O PT queria, e quase conseguiu, a instituição do voto de lista. Ela confiscaria o direito do eleitor de votar no candidato de sua escolha. Esse poder iria sobretudo para as direções partidárias. (O PT teve dois ex-presidentes e três ex-tesoureiros encarcerados.)

Dilma e o PT revelaram-se intelectualmente exaustos. Tiveram em Eduardo Cunha um aliado, um cúmplice e, finalmente, um inimigo. Nem ela nem o PT conseguiram dar apoio à Operação Lava Jato. Ambos foram ostensivos críticos do instituto da colaboração premiada. Sem ela, a Lava Jato estaria no ralo.

A um passo das cenas finais de sua carreira política, a presidente diz platitudes como esta: "É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade".

A presidente arruinou a economia do país pulando do galho das "campeãs nacionais" para as "mãos de tesoura" de Joaquim Levy, e dele para o breve mandarinato de Nelson Barbosa. Teve em Michel Temer um parceiro de chapa, um articulador político, e finalmente, um inimigo a quem chama de usurpador.

Num episódio raro, a carta de Dilma se parece mais com o programa de um governo que, tendo existido, deixou de existir, mas persiste, vagando tal qual alma penada.

Sua carta aos senadores poderia ter sido diferente na extensão e no conteúdo. Por decisão dela e de seu bunker do Palácio do Planalto, foi um documento empolado no estilo e catastrófico na essência. Ele não seria capaz de mudar votos no plenário do Senado, que baixará a lâmina sobre seu mandato. Poderia ter motivado pessoas que aceitam parte de seus argumentos contra o processo de impeachment. Se ele não tiver esse efeito, isso refletirá a exaustão política do petismo e do dilmismo (se é que isso existe).

A presidente afastada vive seus últimos dias de poder na redoma do Alvorada, transformado em magnífico calabouço. Lá espera o automóvel que a conduzirá ao aeroporto. Poderia ter sido diferente, se ela e o PT tivessem entendido que estar no poder não significa poder fazer o que se queira. Algum dia essa ficha haverá de cair. 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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