O mundo avança, o Brasil patina, EDITORIAL DO ESTADÃO

Publicado em 28/11/2016 05:36
Na FOLHA: "A lua de mel entre Temer e os empresários está ameaçada"

A recuperação mundial continua e até ganha velocidade, apesar do comércio ainda fraco e das incertezas criadas pelo avanço do nacionalismo e do protecionismo nas maiores economias do Ocidente. O Brasil permanece como um caso especial, com baixo dinamismo, escassa perspectiva de crescimento nos próximos 12 a 24 meses e uma agenda difícil, e apenas começada, de arrumação de suas esfrangalhadas finanças públicas. No terceiro trimestre, a atividade aumentou 0,6%, em média, nos 35 associados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada majoritariamente por países avançados e alguns emergentes, como Chile, México e Turquia. O crescimento em relação ao mesmo período de 2015 foi de 1,7%, pouco acima do estimado no segundo trimestre (1,6%).

Os temores causados pelo Brexit, o abandono da União Europeia pelo Reino Unido, poderão ser justificados, talvez, a partir do próximo ano. Por enquanto, os números mostram atividade ainda mais vigorosa que a de vários outros países desenvolvidos. O avanço perdeu algum impulso, de 0,7% para 0,5% na passagem do segundo para o terceiro trimestre, mas o Produto Interno Bruto (PIB) do período de julho a setembro foi 2,3% maior que o de um ano antes. Nenhuma outra economia avançada exibiu resultado tão bom. Na potência número um, os Estados Unidos, o ritmo foi de 0,4% para 0,7%, entre os dois últimos trimestres, e a comparação anual mostrou uma expansão de 1,5%, pouco maior que o resultado médio das sete maiores nações capitalistas (1,4%).

A maior ameaça ao crescimento mundial, neste momento, continua sendo a onda protecionista criada pelo avanço dos grupos menos liberais, ou mesmo antiliberais, na União Europeia e nos Estados Unidos. A vitória de Donald Trump na eleição presidencial americana reforçou os temores manifestados na última assembleia do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Representantes do Fundo, da Organização Mundial do Comércio (OMC), do Grupo dos 20 e de outras entidades multilaterais expressaram, na ocasião, preocupações quanto a mudanças no mercado global. Nos Estados Unidos, boa parte da campanha do candidato republicano foi baseada em promessas de revisão de acordos internacionais e de criação de barreiras à importação.

Na política americana, assim como na europeia, misturam-se bandeiras de proteção do mercado de trabalho, de elevação de barreiras comerciais e de combate à imigração. Grupos europeus contrários à globalização festejaram a eleição de Trump. É incerto se o novo presidente americano e seus simpatizantes europeus conseguirão deter ou reverter a integração mundial. Mas os temores serão justificáveis ainda por um bom tempo.

No Brasil, os problemas internos continuam sendo os principais motivos de inquietação, mesmo diante da insegurança internacional. O risco de maior protecionismo nas maiores potências torna mais preocupantes as condições de uma economia com baixo poder de competição. Dependente em excesso das exportações de produtos básicos, o Brasil já é ameaçado pela mera reforma econômica da China, onde o crescimento, embora ainda vigoroso, perde velocidade.

Para se tornar mais competitivo, o Brasil precisará de grandes investimentos em infraestrutura. Com enormes deficiências em logística, até o setor mais competitivo, o agronegócio, tem dificuldade crescente para disputar espaço nos mercados. Mas será preciso remover vários outros entraves, como a tributação muito ruim, o peso dos juros (agravado pela dívida pública), a ineficiência burocrática e a escassez de mão de obra capacitada.

Nada se fará sem o ajuste das contas públicas, atoladas num dos maiores déficits do mundo – próximo de 10% do PIB, incluídos os juros. Muito mais do que técnico, o grande obstáculo a esse ajuste é de natureza política. Enquanto as incertezas internas permanecem, economistas continuam rebaixando as projeções de crescimento para 2017, hoje em torno de 1%.

“Vai todo mundo perder” (por REINALDO AZEVEDO)

Dados do IBGE revelam que todas as faixas de renda sofreram perdas em 2015

Um estudo do IBGE revela que o brasileiro ficou, em média, 5,4% mais pobre no ano passado. O rendimento mensal do trabalhador passou de R$ 1.950 para R$ 1.853 entre 2014 e 2015, já descontada a inflação. Esse foi o primeiro recuo em termos reais em 11 anos. De acordo com o instituto, a queda do rendimento já era esperada em função do cenário de recessão. A pesquisa, no entanto, revela uma característica única da crise brasileira: todos os tipos de renda sofreram redução em 2015; em outras palavras, todas as classes sociais ficaram mais pobres no ano passado.
Dividindo o “bolinho”:
A metade mais rica dos brasileiros sofreu uma queda maior dos rendimentos quando comparada com os da metade mais pobre. Com isso, o índice que mede a desigualdade entre ricos e pobres, o Índice de Gini, cedeu de 0,497 para 0,491 em 2015.

No fundo do poço tem dívida cara, por VINICIUS TORRES FREIRE

Faz mais de um ano, o total de dinheiro emprestado pelos bancos cai no Brasil. O crédito para as pessoas físicas diminui porque a renda baixa e, em parte menor, porque pagamentos de dívidas ainda são pesados.

As despesas com juros e amortização do principal, com o serviço da dívida, praticamente não baixam desde o início do ano. Levam desde então mais ou menos a mesma parcela da renda das famílias, indicam números calculados pelo BC.

Um motivo dessa persistência do peso do endividamento deve ser, óbvio, a própria baixa da renda média.

Parece um raciocínio um tanto circular. É mesmo. O consumo está bastante encalacrado nessa espiral para baixo. As vendas de varejo caem nesse redemoinho de crise, carros e material de construção inclusive.

As famílias fazem esforço para reduzir as dívidas e seu peso no orçamento mensal. Enxugam gelo, por causa dos juros altos. Desde março de 2014, está em alta a parcela dos pagamentos de juros no serviço da dívida, no "total das prestações".

Em março daquele ano, quando, aliás, começava a recessão, os juros representavam 40% do serviço da dívida. Agora, levam 48%.

Esta recessão é tão especialmente horrível e pegajosa também porque famílias e empresas se endividaram demais. Um dos economistas menos animados com a retomada econômica, Carlos Kawall, do Safra, vem batendo nessa tecla e também nesse bumbo. Faz tempo que prevê em seus relatórios crescimento do PIB de apenas 0,5% no ano que vem.

O grande endividamento começou ainda em 2009, incentivado a princípio por um programa do governo de contenção dos efeitos da crise mundial. Mas não parou por aí. Foi uma das nossas desgraças.

O endividamento teve um pico em 2012. Se a conta inclui imóveis, a expansão de empréstimos durou até o início de 2015.

Havia incentivos artificiais para a compra de bens duráveis (como carros) –artificiais porque insustentáveis, baseados em redução da receita do governo (cortes de impostos), por exemplo. Havia subsídios (descontos) nos juros, bancos públicos empurrando crédito barateado, também insustentável, pois bancado por endividamento do governo (que bancava os bancos públicos).

Essa história é velha. O problema agora é que estamos encalacrados.

Aparentemente, estamos em um fundo do poço no crédito, desculpe-se o clichê ainda mais desacreditado. Estamos catatônicos, paralisados na lama desse fundo.

Uma retomada mesmo lentíssima depende da queda das taxas de juros e de investimentos em infraestrutura de serviços públicos (as empresas estão com enorme capacidade ociosa). É só o que temos para sair do buraco. Virá devagar, se tanto.

Em outubro, soube-se ontem pelas estatísticas do Banco Central, aumentaram um tico as concessões de crédito (dinheiro novo emprestado). O total de dinheiro emprestado, o estoque de crédito, parou de cair, mas ainda está 9,1% abaixo de onde estava faz um ano (em termos reais, descontada a inflação).

Apesar da melhora mínima, as concessões, os empréstimos novos, estão em níveis críticos. Somado o dinheiro emprestado nos últimos 12 meses, as concessões caíram quase 16% (em relação a outubro de 2015). No caso das concessões para empresas, queda de mais de 20%.

Um desastre.

A lua de mel entre Temer e os empresários está ameaçada, por RAQUEL LANDIM

Nesta semana, o presidente Michel Temer voltou a reunir o "Conselhão". A presença de empresários importantes —incluindo Jorge Paulo Lemann, um dos donos da AB Inbev e o homem mais rico do país— demonstra que o governo ainda tem prestígio junto ao PIB, mas também revela uma forte pressão.

Ao pedir durante o encontro que o presidente não tenha receio de fazer "reformas impopulares", mas necessárias, o publicitário Nizan Guanaes disse publicamente o que muitos homens de negócio vem repetindo em privado.

A percepção dos empresários é que, se realmente quiser tirar o país do buraco, o governo precisa acelerar as reformas previdenciária e trabalhista, além do plano de concessões de obras de infraestrutura.

Em conversas reservadas, dirigentes de grandes empresas elogiam o compromisso da equipe econômica em arrumar as contas públicas, mas reclamam da falta de "ambição" do governo, que gasta muito tempo se defendendo da crise política e não teria um "projeto" para o Brasil.

O desconforto entre os empresários é provocado pela persistência da recessão. Também nesta semana, o ministério da Fazenda reviu sua projeção de crescimento do PIB em 2017 para apenas 1%. Neste ano, a queda deve chegar a 3,5%.

O mercado reagiu bem ao impeachment de Dilma Rousseff e à chegada de seu vice ao poder. As ações das empresas subiram e os indicadores de confiança melhoraram. Naquele momento, muitos empresários tiveram esperanças de que a crise arrefecesse neste fim do ano.

Mas, infelizmente, isso não vem acontecendo. As vendas continuam em queda, a capacidade ociosa das fábricas é alta, o crédito está caro e escasso, e o desemprego ainda vai crescer. Já ficou evidente que a crise é ainda mais grave do que se imaginava.

Avesso a mudanças bruscas de poder, que paralisam a economia e prejudicam os negócios, o setor privado demorou para embarcar no pedido de impeachment de Dilma. Durante meses, industriais e banqueiros pediram calma aos políticos, embora não simpatizassem com a presidente.

Os empresários só passaram a apoiar abertamente o impeachment quando ficou claro que a economia não ia parar de afundar enquanto Dilma estivesse no comando.

A relação com Temer está longe desse ponto, mas pode se desgastar rapidamente se as projeções de PIB para o ano que vem começarem a apontar para baixo.

Até agora, a torcida do setor privado é para que o presidente seja poupado pela Operação Lava Jato para evitar uma nova ruptura.

Mas, se ficar claro que esse governo também não é capaz de recuperar a economia, não haverá muitos braços do PIB dispostos a resgatar Temer se ele for enredado nas novas delações premiadas que vem por aí.

Ruína das contas públicas do país é uma rara oportunidade, por VINICIUS MOTA

SÃO PAULO - O pessimismo voltou a prevalecer nas expectativas de retomada da economia. A profunda debilidade dos fatores de atividade ameaça carimbar a letra L como formato da recessão: queda vertical seguida de estagnação persistente.

É mais ou menos conhecida dos estudiosos a hierarquia das crises econômicas pelo critério da capacidade e da velocidade da recuperação. No topo da pirâmide costumam situar-se as derrocadas provocadas por mergulho nos preços dos imóveis e inadimplência hipotecária generalizada, como a ocorrida na década passada no mundo desenvolvido.

Talvez seu paralelo do lado de cá da linha do Equador, onde os empréstimos imobiliários disseminam-se bem menos, sejam as chamadas crises fiscais, os impasses sobre o financiamento do Estado. É disso que se trata, neste momento, no Brasil.

No início da Idade Moderna, o reino da Inglaterra mal fazia sombra ao poderoso e rico império colonial espanhol. As respostas diferentes dessas nações ao mesmo desafio fiscal —de que modo financiar a coroa e o gasto crescente exigido pelas guerras modernas— inverteram o quadro.

A Espanha entrou num longo período de decadência, de que só veio despertar no final do século 20, com a entrada na comunidade europeia e com toda a modernização institucional que dali decorreu.

Por essas e outras, a pesquisa historiográfica caminha para colocar as crises de financiamento do contrato político na fronteira entre o sucesso e o fracasso das nações. A depender de como a sociedade enfrenta esse problema complexo e conflituoso, ela se habilita a atravessar o rio.

A ruína das contas de União, Estados e municípios não é, portanto, apenas sinal de desgraça. Trata-se de rara oportunidade oferecida pela História de o Brasil destacar-se da geleia geral das nações destinadas ao declínio civilizatório secular.

A guerra é dura, mas o butim compensa.

 

Fonte: ESTADÃO + FOLHA

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Wall St salta com dados de empregos nos EUA reforçando hipótese de cortes nos juros
Dólar cai ao menor valor em quase um mês com dados fracos de emprego nos EUA
Ibovespa fecha em alta com melhora em perspectivas sobre juros nos EUA
Taxas futuras de juros têm nova queda firme no Brasil após dados de emprego nos EUA
Brasil e Japão assinam acordos em agricultura e segurança cibernética