"Um manual para o Brasil atravessar a primeira metade de 2017", por VINICIUS MOTTA

Publicado em 19/12/2016 01:51
".. primeiro aos que mais precisam", ... na FOLHA DE S. PAULO

O primeiro semestre de 2017 deve ser ainda mais turbulento. Nesse período coincidirão os auges da depressão econômica, da Lava Jato, da crise política e da mais ambiciosa reforma no regime dos gastos públicos já experimentada.

Será difícil e caro atravessá-lo, mas a excepcionalidade vivida desde 2013 deixou suas lições. Abaixo vai uma sugestão para a pessoa com responsabilidades públicas, esboços de um manual da travessia baseados nas cicatrizes mais recentes.

1. Fique o mais próximo possível da literalidade do texto legal. O momento não é propício a invencionices nem tampouco a surtos de egocentrismo na aplicação das normas. Não fatie a Constituição; não force interpretações que atropelem precedentes; não descumpra a palavra dada.

2. Exerça o seu papel, nem mais nem menos. Procuradores investigam e denunciam, não fazem política. Juízes sentenciam, não representam o eleitorado. Congressistas legislam, mas não estão livres para escolher qual ordem judicial acatarão. Movimentos democráticos criticam políticos, mas não conspurcam a sacralidade do Congresso, não depredam e não invadem dependências públicas.

3. Seja recatado. Não use seu cargo para obter vantagens particulares, mínimas que sejam. Dispense regalias. Abra mão do motorista e use táxi. Viaje em aviões de carreira. Valorize e economize o dinheiro que os cidadãos são obrigados a lhe repassar para que exerça a sua atividade.

4. Desista do acordão. A democracia brasileira tornou-se complexa no melhor sentido da palavra. Oligarquias perderam a capacidade de ditar o rumo dos acontecimentos. Faça um pacto com a lei e com as melhores práticas de conduta. Só fale em particular o que pode dizer em público.

5. Priorize os mais pobres. Renuncie aos seus privilégios, combata os alheios e lute para que o dinheiro público beneficie primeiro e com eficácia quem mais precisa.

A 'pinguela' Temer pode resistir até a eleição, mas não dá para soltar fogos (por CLÓVIS ROSSI)

A mais singela (e feliz) definição do governo Michel Temer aparecida até agora pertence a Fernando Henrique Cardoso, ao dizer que se trata de uma "pinguela" até a eleição geral de 2018.

Quem concorda com ele fica obrigado a fazer duas perguntas decorrentes dessa avaliação: a "pinguela" resiste aos dois anos que restam até a posse do/da sucessor/a de Temer? Há alguma chance de que ele ou ela desperte o entusiasmo que nem Temer nem a antecessora, Dilma Rousseff, provocaram no público?

Meu palpite: a "pinguela" pode até resistir, mas o fará muito menos por seus (escassíssimos) méritos e muitíssimo mais porque a única alternativa possível, à esta altura, é a assustadora eleição indireta por um Congresso desmoralizado.

Claro que minha alternativa favorita (exposta, de resto, já em março, quando estavam no ar apenas os primeiros capítulos da novela do impeachment) seria uma nova eleição popular ou pela cassação pelo TSE da chapa completa (Dilma/Temer), ou pela renúncia deste.

O realismo me obriga a reconhecer que é ingenuidade esperar que uma dessas hipóteses se dê nos 13 dias que restam até o fim do ano, após o que a eleição será indireta.

A "pinguela", portanto, é o que temos para hoje, o que é desanimador —e não só para mim, o que seria irrelevante.

O fato é que 72% dos pesquisados no mais recente estudo do Ibope não confiam em Temer.

O fato é que as expectativas, tanto do consumidor como do empresariado, estão em queda, após o primeiro momento pós-impeachment.

Informa a Confederação Nacional da Indústria que foram três quedas seguidas do índice de confiança dos industriais, que caiu para 48 pontos depois de 53,7 em setembro.

Já o consumidor reduziu suas expectativas em dezembro, pelo segundo mês consecutivo. Economia à parte, ainda há a bomba-relógio das delações premiadas.

A Agência Lupa, que faz valioso trabalho de checagem de informações/declarações, visitou partes do depoimento de Claudio Melo Filho, um dos executivos da Odebrecht, e apontou o seguinte: Renan Calheiros, Romero Jucá e Geddel Vieira Lima de fato agiram, no Congresso, em favor da empreiteira, conforme o denunciante informara.

É óbvio que dessa constatação não dá para inferir que todo o resto do depoimento corresponde aos fatos. Mas já permite afirmar que o núcleo duro do governo Temer tem comportamento nada republicano.

Como é possível, nessas circunstâncias, recuperar a confiança do público e, por extensão, melhorar as expectativas dos agentes econômicos?

Seria pelo pacote de supostas bondades anunciado na quinta (15)? Não faz nem cócegas na recessão, segundo meu guru em análise econômica, Vinicius Torres Freire.

A "pinguela" pode até resistir, por falta de alternativa, mas o brasileiro chegará exangue ao fim dela.

Aí virá a eleição. O candidato líder nas pesquisas, Lula, tem 22% ou 23% de apoio e 46% de rejeição. Se o líder não chega a entusiasmar, o que dizer do resto?

Tudo somado, só me resta desejar ao leitor um feliz 2022, ano da eleição seguinte.

“O barulho dos inocentes” e outras 4 notas de Carlos Brickmann

É bonito saber que o ambiente depravado em que circularam Michel Temer e Lula com tanto êxito, sem saber que era depravado, não afetou sua inocência -- Publicado na coluna de Carlos Brickmann

Um fato há que reconhecer: tanto o presidente da República quanto o líder da oposição, mesmo vivendo no meio de toda essa sujeira que tanto nos assusta, mantêm intacta sua pureza. Lula conviveu dezenas de anos com José Dirceu, Delúbio, Marcelo Odebrecht, todos já condenados por corrupção, e proclama que é inocente, aliás nem sabia de nada; Temer presidiu o PMDB de Eduardo Cunha por quinze anos, teve convívio próximo com os seis ministros que se afastaram por problemas judiciais, admite ter recebido um empresário do ramo de doações ilícitas (que, na delação premiada, citou seu nome como captador de recursos) mas garante que não tratou disso com ele. É inocente, diz. Não mexia com essas coisas.

 

É bonito saber que o ambiente depravado em que circularam com tanto êxito, sem saber que era depravado, não afetou sua inocência. Lula sustenta que o apartamento triplex e o sítio de Atibaia não são dele, que a propósito nem imaginava que os voos em jatinhos fossem algo mais que uma gentileza. Temer ofereceu um jantar ao empresário Marcelo Odebrecht em sua residência oficial de vice-presidente da República, o Palácio do Jaburu, após o qual a Odebrecht ficou R$ 10 milhões mais pobre. O delator Cláudio Melo Filho diz que o dinheiro foi para o caixa 2 (o que é confirmado por Marcelo Odebrecht). Temer explica que não, que todas as doações recebidas foram legais, nada de caixa 2.

Aliás, o que é Caixa 2?

Fique tranquilo

Estiveram no jantar do Jaburu o então vice-presidente Temer, o deputado Eliseu Padilha, Odebrecht, Cláudio Melo Filho. Como a conta foi paga pelo caro leitor, esta coluna informa que pode ficar tranquilo: Temer é pessoa cultivada, de fino trato, e com certeza comida e vinhos foram bons.

Balanço geral

1 – Temer foi acusado pela segunda vez, nas delações da Odebrecht, de pedir pixulecos de campanha em troca de favorecimentos à empreiteira.

2 – Lula, que já é réu em quatro processos, foi denunciado pela quinta vez pela Lava Jato, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

3 – O quarto processo, da Operação Zelotes, foi recebido anteontem pela Justiça. Refere-se à acusação de tráfico de influência na compra dos 36 caças supersônicos suecos Grippen.

4 – Lula abriu processo por danos morais contra o promotor Deltan Dallagnol. Pede indenização de R$ 1 milhão.

5 – O promotor Deltan Dallagnol critica o Congresso, por modificar o projeto das medidas anticorrupção. “Congresso: nos deixem trabalhar”.

6 – Lembra da liminar do ministro Luiz Fux, mandando, sob críticas do ministro Gilmar Mendes, que o Senado devolvesse à Câmara as “medidas anticorrupção”? Pois o presidente do Senado, Renan Calheiros, se recusa a cumpri-la. Renan já tinha se recusado a cumprir uma liminar do ministro Marco Aurélio, que o afastava do cargo. Daquela vez ganhou a parada.

Sem fantasia

Já ouvimos autoridades dizer que não podem combater a barbárie que acompanha algumas manifestações de rua por não haver lei específica sobre o tema. Já estamos cansados de ouvir que a manifestação era pacífica, que a Polícia é que atacou os manifestantes e de repente, naquele grupo de pessoas ordeiras e pacíficas, surgiram rojões, morteiros, correntes, socos ingleses e outros objetos que em geral todo mundo traz nos bolsos. Já estamos carecas de aguentar a pregação de que os pacíficos manifestantes, contra sua pacífica vontade, sofreram infiltração de black blocs.

Chega. Chega. A brincadeira já cansou. Os vândalos são filmados, podem ser identificados, mas apenas um ou outro vai preso, e destes, muitos são liberados em seguida. Não há infiltração nenhuma: os vândalos lamentavelmente são parte do grupo, que os aceita e não age de maneira nenhuma contra eles. O que houve na avenida Paulista, há dias, é inaceitável: os vândalos destruindo o teatro do SESI, que apresenta espetáculos gratuitos, e invadindo o prédio da Fiesp, depois de arrebentar sua fachada, e ninguém é preso? O Governo, que detém legalmente o monopólio do uso da força, desistiu da segurança?

Se o Governo deixa de cumprir sua obrigação legal, não estará cometendo prevaricação? Estará ainda dentro da lei?

Uma história de verdade

Dentro de poucos dias ocorrerá o terceiro aniversário do assassínio do cinegrafista Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes. Foi morto por um rojão na nuca quando trabalhava na cobertura de uma manifestação no Rio. Os dois acusados do assassínio foram presos em poucos dias. Até hoje não foram julgados (e estão soltos). Até há pouco a Justiça discutia se o caso deve ir a júri. O STJ decidiu que sim. Mas o caso precisou ir a Brasília para a decisão sobre a forma de julgamento. É bom-mocismo demais.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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