Nova era nos Estados Unidos, por Marcus Vinícius de Freitas

Publicado em 24/01/2017 04:49

Contrariamente a todas as previsões e análises, Donald John Trump venceu uma corrida presidencial acirrada e assumiu a presidência do país mais poderoso do mundo.

Por outro lado, Barack Hussein Obama, o primeiro presidente afrodescendente, saiu da posição de homem mais poderoso do planeta e se transformou num cidadão comum. Ao entrar no avião, melancólico, deixou de ser o comandante em chefe, o líder do mundo livre e viverá sem o enorme aparato do serviço secreto. E o maior legado de Obama tem um nome: Trump.

A transição pacífica, realizada desde quando John Adams prestou juramento como segundo presidente dos Estados Unidos, seguiu o roteiro esperado. O respeito institucional à presidência é essencial para a unidade do país.

O poder vem do povo e em seu nome é exercido, um princípio derivado de uma simples expressão, existente na Constituição: "Nós, o povo". Tão simples: o presidente é o servidor máximo do povo. Foi eleito pelo povo e é responsável pelos seus atos diante do povo. Um mandato quase sagrado e uma obrigação solene. Daí a importância do juramento sobre a Bíblia, algo que não deve ser assumido levianamente.

Muitos afirmarão que o discurso de Trump à frente do Capitólio foi populista. Aludirão que poderia ter sido feito por um líder esquerdista.

Não é verdade. A situação nos EUA é complicada porque, apesar de o nível de desemprego ter diminuído, há falta de trabalho, resultante da dura concorrência de outros países, mais competitivos, produtivos e baratos.
Além disso, a automação, sem a necessária realocação da mão de obra, é um enorme desafio para o país.

Trump assume, pois, com três desafios: fazer a economia crescer; restaurar a confiança nos EUA como potência mundial, erradicando o islamismo radical; e criar empregos, com melhor remuneração.

Para isso, o discurso dele foi muito claro: a América em primeiro lugar. Essa foi a sua promessa de campanha e será a régua pela qual ele será medido. Realizar esses objetivos é essencial para sobreviver o enorme escrutínio que sua presidência enfrentará todos os dias, afinal ele inicia com uma taxa de rejeição elevadíssima.

Muitos não dormirão em paz com o discurso de Trump. Os islâmicos radicais, os chineses, os mexicanos, alguns ditadores e, principalmente, aqueles que, de alguma forma, desdenharam da possibilidade de o empresário-apresentador virar presidente. O silêncio estratégico, que deveria ser observado inclusive por líderes governamentais, e não o foi, será uma preocupação.

O conselho neste caso é a leitura do livro de Trump: "A arte da negociação". E buscar oportunidades de parcerias vantajosas para ambos os lados. É chegado o tempo de adequar-se às novas realidades e não ficar reclamando.

A chuva no Capitólio no dia da posse foi um bom sinal, como lembrado pelo líder religioso, ao final. Chuvas são essenciais a boas colheitas. O mundo precisa que os EUA melhorem sua situação. Como um ator indispensável no sistema internacional, não há mais espaço para uma narrativa socialmente agradável, mas economicamente desastrosa. Trump representa uma nova era. Torçamos para que seja para o bem.

MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS, docente de relações internacionais da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), é professor visitante da Blavatnik School of Government da Universidade de Oxford

Pesadelo americano, EDITORIAL DA FOLHA

O governo dos Estados Unidos tem a capacidade de demarcar as relações econômicas internacionais e de regular a tensão política e militar do planeta. O desempenho do presidente, por si só, costuma inspirar programas e líderes mundo afora. É medonho, portanto, que tal poder de influência esteja nas mãos de Donald Trump.

Em um final de semana, o novo morador da Casa Branca renovou suas promessas de lançar o comércio mundial no tumulto, ameaçando desde vizinhos e aliados antigos, como Canadá e México, até adversários ora transformados em quase inimigos, caso da China.

Trump não se dá o trabalho de vestir o figurino de presidente da democracia mais antiga e poderosa do mundo. Sem cerimônia, reafirma o personalismo salvacionista do candidato, que por sua vez jamais abandonara a vulgaridade ególatra do empresário bufão.

Seu desapreço pelas instituições é alarmante. A figura privada, uma estrela pop e populista patrioteira, conversa diretamente com o povo a ser salvo da ruína em que o republicano vê mergulhado seu país, vítima de carnificina, de lideranças totalmente inaptas e do esbulho de estrangeiros.

Em outra frente, seu governo mentiu sobre o tamanho do público presente à posse e chamou de "fatos alternativos" as informações falsas que propagou. Seria apenas um jogo de palavras risível se não constituísse inquietante passo além no hábito de Trump de reagir com chiliques nas redes sociais quando se sente contrariado.

Dada sua personalidade autoritária, não espanta, mas consterna, que o novo presidente dos EUA repudie os jornalistas, que inclui "entre os seres humanos mais desonestos da Terra". Além de fazer uma generalização grosseira, Trump ataca um antigo e reconhecido pilar da república americana.

Quanto a políticas públicas domésticas, afirmou o desmonte do plano de acesso a assistência médica aprovado por Barack Obama, mas não ofereceu alternativa para a saúde dos americanos mais pobres.

De concreto, ademais, renegou a Parceria Transpacífico, acordo de livre-comércio firmado, mas ainda não ratificado, com 11 países da Ásia e da América do Sul. Alertou, em tom próximo ao da chantagem, que quer reparações para manter transações com Canadá e México.

Tal viravolta custará caro a consumidores e empresas. Abalará a confiança na diplomacia do comércio mundial, que se tornava mais aberto nas últimas sete décadas –sob inspiração americana, aliás.

Tudo isso em três dias. Otimistas dizem que o republicano haverá de ser contido por membros menos irresponsáveis do governo ou por pressões da opinião pública. A lista de promessas renovadas, todavia, contém retrocessos nos direitos civis e a denúncia de acordos do clima e de pactos militares.

Em 1933, em sua posse, Franklin D. Roosevelt, o presidente mais longevo da história dos EUA, afirmou que não havia nada a temer além do próprio medo. Ele não conhecia Donald Trump, a quem os americanos concederam um mandato de quatro anos que mal começou. 

 

Donald Trump começa a pôr em prática suas promessas de campanha. Uma das primeiras, a saída do TPP (Parceria Transpacífico, que engloba 12 países), pode ser, a curto prazo, uma boa notícia para o Brasil. Pelo menos no setor de agronegócio.

Brasil e Estados Unidos praticamente disputam os mesmos mercados mundiais de grãos e de carnes, e o TPP daria uma vantagem aos Estados Unidos nos países que integrariam esse acordo.

Saída de acordo pode abrir espaço para commodity brasileira, por MAURO ZAFALON (FOLHA)

  Saul Loeb/AFP  
O presidente dos EUA, Donald Trump, assina o decreto que dá fim à Parceria Transpacífico

Esses países têm necessidades crescentes de alimentos e de outras commodities.

Já com uma máquina bem mais eficiente do que a do Brasil no mercado externo, os EUA teriam taxas diferenciadas —em vários casos, zeradas— em países com boa renda e em busca de produtos com maior valor agregado.

Concorrentes, mas com pouca relação comercial entre si no setor de agronegócio, o Brasil e os Estados Unidos se destacam tanto no mercado europeu como no asiático. A posição de confronto de Trump com parceiros comerciais tradicionais, inclusive a Europa, amplia o comércio brasileiro.

As ameaças de Trump não se limitam ao TPP. Elas podem se estender também sobre o Nafta (acordo comercial na América do Norte). Sem tarifas diferenciadas, Canadá e México podem se voltar mais para o mercado brasileiro de grãos e de carnes.

Essa freada dos Estados Unidos nos tratados poderá trazer vantagens ao Brasil, desde que o país faça a lição de casa de buscar novos acordos comerciais.

A presença comercial dos EUA no TPP, se esse fosse concretizado, seria desastrosa para o Brasil. Mesmo sem o acordo, os norte-americanos já abocanham US$ 57 bilhões em exportações do agronegócio para os 11 países do bloco que estava sendo formado.

Esse mercado, com redução de tarifas ou até taxa zero, elevaria a presença norte-americana, dificultando a presença brasileira.

A saída dos Estados Unidos do TPP não será bem-aceita pelo Meio-Oeste do país, região produtora de grãos e de carnes e que deu apoio eleitoral ao presidente.

Os produtores dos EUA perdem grande chance de avançar sobre um mercado ávido por carnes, soja e milho, produtos nos quais os EUA se destacam e dos quais são grandes exportadores.

A curto prazo, o Brasil ganha com as ações de Trump. A longo prazo, no entanto, se outros países adotarem a posição protecionista de Trump, as dificuldades crescerão no comércio mundial.

O Brasil num mundo em transformação, por RUBENS BARBOSA (no ESTADÃO)

O sistema internacional – político econômico e comercial – está em acelerada transformação como consequência das mudanças que ocorreram desde o desaparecimento da União Soviética, em 1989, e o fim do mundo bipolar existente durante a guerra fria.

A ordem global tradicional foi construída a partir do Tratado de Westfalia, em 1648 (Estado/nação), e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção e das prerrogativas dos Estados. Mais tarde, depois da 2.ª Grande Guerra, a criação das instituições multilaterais (ONU, Banco Mundial e FMI) serviu para garantir a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira mundial. Decisões dos países desenvolvidos impuseram suas visões geopolíticas e os conceitos de soberania, equilíbrio de poder, áreas de influência, lógica territorial, Ocidente, guerra fria, bipolaridade, unipolaridade, multipolaridade, hiperpotência, liderança norte-americana, rogue States, perigo amarelo, conflito de civilizações e protecionismo, entre outros.

Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização, com a revolução tecnológica e nas comunicações, com o fim do mundo bipolar e agora com o terrorismo estão afetando o processo decisório interno nos países e obrigando os governos a repensar como os desafios externos devem ser encarados. Essa nova atitude forçará uma ampla coordenação, que deverá levar em conta os interesses de todos os países.

A defesa do interesse nacional – político, econômico e social – está levando ao reexame desses conceitos, à superação das obsessões geopolíticas e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos, de modo a refletir as necessidades e demandas que surgiram com a nova realidade global. O discurso nacionalista e populista de Donald Trump na posse, anunciando que “os interesses dos EUA estarão acima de tudo”, deixa para trás uma época em que os EUA “defenderam outras nações” e “subsidiaram seus exércitos” e indica a aceleração do fim da atual ordem global criada por Washington.

Essa ordem em formação está adaptando conceitos vigentes até aqui às realidades de um mundo interconectado e às novas ameaças e aos novos desafios representados, em especial, pelo aumento da desigualdade, pelo regionalismo, por drogas, violência, guerras localizadas, segurança, ataques cibernéticos, não proliferação e mudança de clima. E também pelo terrorismo, pelo nacionalismo xenófobo e pelas questões de imigração e dos refugiados. A soberania não é mais um conceito absoluto, as organizações internacionais, em crise, deverão ser reformuladas. E todos os países, não apenas um grupo reduzido de países desenvolvidos, passarão a ter participação mais intensa nos problemas que afetam o sistema internacional.

No Brasil ainda estamos presos a conceitos e percepções superados. Não houve até aqui renovação do pensamento estratégico no âmbito de grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica. Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor. Pouco se discute sobre isso.

Como pano de fundo, deve-se reconhecer que nossa região (América do Sul) está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Ásia), e que até agora não está contaminada pela ameaça terrorista e por grandes crises sociais (Europa e Oriente Médio). Em compensação, está mas perto dos EUA, principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política, agora com enormes incertezas (Trump) nos próximos anos.

Para o Brasil, enfrentar o desafio de encontrar seu lugar no mundo, compatível com o papel que deve desempenhar uma das dez maiores economias globais, não pode ser mais adiado. Urge a definição de nossos reais interesses. O que queremos do novo sistema internacional? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os Brics?

Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de examinar, em especial, como 1) integrar o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia global e de comércio exterior (o que significa discutir o grau de abertura da economia e sua competitividade); 2) assumir a efetiva liderança na América do Sul, segundo os interesses brasileiros, tendo presente que liderança não é dominação, nem hegemonia (o que significa discutir o papel do Mercosul); 3) ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais de paz e segurança, comércio, mudança de clima, não proliferação, direitos humanos, terrorismo, segurança cibernética e refugiados, entre outros (o que implica fortalecer a coordenação interna pelo Itamaraty); 4) pôr fim ao isolamento do Brasil nos entendimentos comerciais com a ampliação das negociações bilaterais e com acordos com megablocos, como a União Europeia e mesmo com a Ásia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Transpacífica (com o reforço do papel da Camex); 5) aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo Brics para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros do grupo.

O atual governo, com o ministro José Serra à frente do Itamaraty, começou esse processo de correção de rumos e de redefinição do papel do Brasil no mundo. Essa ação deveria ser aprofundada nos próximos meses e anos, na medida em que a economia voltar a se expandir e crescer. Assim como ocorre com política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018, com os candidatos comprometidos com sua implementação a partir do próximo governo.

* RUBENS BARBOSA, Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior

Fonte: Folha de S. Paulo + Estadão

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