Prudência na demarcação de terras indígenas (EDITORIAL DO ESTADÃO)

Publicado em 24/01/2017 05:00
O assunto da demarcação de terras indígenas foi tratado, após a Constituição de 1988, sem o devido cuidado, com decisões muitas vezes demagógicas, que geraram não pequenos problemas sociais

Atualmente estão em andamento ao menos 280 processos de demarcação de terras indígenas, como mostrou reportagem do Estado. Trata-se de um tema complexo, com várias exigências constitucionais e diversas implicações sociais, políticas e econômicas. No modelo vigente, cabe à União decidir sobre a demarcação. Infelizmente, o assunto foi tratado, após a Constituição de 1988, sem o devido cuidado, com decisões muitas vezes demagógicas, que geraram não pequenos problemas sociais.

Recentemente, o Ministério da Justiça autorizou a criação de um Grupo Técnico Especializado (GTE), com o objetivo de assessorá-lo sobre a demarcação de terras indígenas. Apesar da polêmica surgida em torno do caso – que fez com que o Ministério editasse nova portaria, mais sucinta –, trata-se a princípio de uma boa medida, já que possibilitará uma decisão mais técnica em área tão afeita a pressões políticas.

No estudo das propostas de demarcação feitas pela Funai, é dever do Ministério da Justiça avaliar o cumprimento das condições estabelecidas pela Constituição para a criação das reservas indígenas. Como se sabe, o constituinte definiu com precisão o que são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios: “As por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

Infelizmente, o texto constitucional foi utilizado para criar reservas indígenas sem a devida ponderação. Por exemplo, metade da área do Estado de Roraima está hoje destinada a reservas, com graves consequências econômicas e sociais. Depois de um longo processo judicial, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou em 2009 que a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, deveria ser contínua, obrigando a saída de todos os agricultores não indígenas. A sua expulsão da reserva – uma área de 1,7 milhão de hectares – é uma das causas apontadas para a redução da produção agrícola do Estado, que em 2006 totalizava US$ 16,4 milhões e em 2013 não chegou a US$ 8 milhões. Com o enfraquecimento econômico, Roraima é hoje mais dependente dos recursos federais, em situação inversa do que era de esperar.

É preciso rever a interpretação dada à Constituição, como se ela representasse um estímulo contínuo à criação de novas reservas. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 67, indica justamente o oposto: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. A Assembleia Constituinte não tinha qualquer interesse em transformar a demarcação de terras indígenas numa questão eternamente em aberto, como parece ocorrer agora, tendo em vista o número de processos em andamento depois de quase trinta anos.

Como reação aos abusos cometidos, foi apresentada em 2000 uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215/2000) conferindo ao Congresso Nacional competência exclusiva para a aprovação da demarcação das terras indígenas e a ratificação daquelas já homologadas. Aprovada em outubro de 2015 por comissão especial formada para analisar o tema, a PEC 215/2000 ainda depende da aprovação em dois turnos pelos plenários das duas Casas Legislativas.

Faz sentido a transferência dessa competência ao Poder Legislativo, tendo em vista que a própria Constituição, entre as garantias estabelecidas às terras indígenas, proíbe a remoção dos grupos indígenas de suas terras, “salvo ‘ad referendum’ do Congresso Nacional em caso de catástrofe ou epidemia (...) ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional”. Se só o Parlamento pode autorizar tal remoção, deve caber a ele decidir quais reservas criar. É no mínimo estranho que uma medida de tamanho impacto social, político e econômico fique a cargo de um simples ato do Poder Executivo federal.

PT mergulha na ficção

Enquanto Luiz Inácio Lula da Silva dá tratos à bola para se livrar da cadeia, os intelectuais petistas preparam propostas para “resgatar” a imagem do PT, a serem apresentadas ao 6.º Congresso Nacional do partido, marcado para abril. Nesse contexto, duas questões se destacam: a que é objeto dos textos Balanço de Governo Estrutura e Funcionamento, voltados para uma avaliação crítica da atuação do PT desde a primeira eleição de Lula à Presidência da República, e Luta Contra a Corrupção, dedicado à análise dos desvios éticos dos petistas desde que chegaram ao poder. Trata-se, de um lado, de elucubrações requentadas sobre o papel da esquerda na política brasileira. De outra parte, a que cuida de corrupção, todo o conteúdo também é puramente ficcional.

Para entender melhor a enrascada em que o PT está metido desde que o povo brasileiro descobriu quem são de verdade Lula e sua turma, convém rememorar os primórdios da fundação daquele que se propunha a ser “o” partido dos trabalhadores. Empenhados no combate à ditadura militar, intelectuais de esquerda, aliados a setores ditos “progressistas” da Igreja Católica, chegaram à conclusão, em meados dos anos 70, de que precisavam de alguém que personificasse a luta pela democratização do País e que este papel era perfeito para um jovem e aguerrido líder sindical que então se destacava no comando da elite do movimento operário: Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Naquela época Lula não queria nem ouvir falar de política e políticos, pelos quais nutria indisfarçável desprezo, comparável apenas ao que dedicava a intelectuais e acadêmicos. Mas logo descobriu que a liderança de um partido político “de operários” lhe cairia bem, até porque estava certo – como demonstrou acima de qualquer dúvida – de que não teria nenhuma dificuldade para enquadrar devidamente os “professores” que imaginavam poder manipulá-lo.

Durante mais de 20 anos, o PT lutou contra tudo e contra todos, inclusive contra a Constituição de 1988, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e, principalmente, contra a economia de mercado. Até que Lula se deu conta de que estava tudo errado, mas com o próprio PT. E que, para ganhar uma eleição presidencial – a terceira que disputaria, em 2002 –, era preciso fazer aquilo que hoje, no documento Estrutura e Funcionamento, a esquerda petista critica: “deslocou-se para o centro” e “deixou vago o espaço político de esquerda”. O instrumento dessa guinada foi a famosa Carta ao Povo Brasileiro, por meio da qual – denuncia agora o documento Balanço de Governo – Lula propôs “um pacto de não agressão em relação aos capitalistas” e, em vez da “ruptura” até então defendida pelo PT, optou por promover programas sociais “sem confrontar o capital”.

Fica claro, assim, que a esquerda do PT continua mais bolivariana do que nunca e defende para o Brasil a mesma “ruptura” com a economia de mercado que colocou Cuba e Venezuela onde estão hoje. Para esses salvadores da Pátria nostálgicos dos anos 50 do século passado, o Brasil precisa de um regime “democrático” totalmente controlado pelo Estado, com “proibição de bancos privados, limites regionais para propriedades rurais”, além, é claro, de um bom controle da mídia por meio da criação de um “Fundo de Defesa da Liberdade de Imprensa e do horário sindical gratuito na TV”.

Essa é uma pregação até capaz de ainda animar corações e mentes de jovens sonhadores, generosos e mal informados. E assim esse ideário poderá voltar ao programa partidário. O mais difícil, na verdade, impossível, é o PT chegar a um acordo sobre o tema “Combate à Corrupção”. A ideia é criar um “tribunal de honra” no qual personalidades do partido sejam julgadas internamente por eventuais transgressões éticas e legais. Dá para imaginar Lula sentado no banco dos réus desse tribunal?

O notório Marco Aurélio Garcia, um dos donos do partido que cultivam irrepreensível fidelidade ao Grande Chefe, deu o recado: “O 6.° Congresso do PT não é um tribunal nem será ocasião para um ajuste de contas mesquinhas entre tendências”. Perfeitamente claro.

O motivo do sumiço das câmeras do Planalto tem nome: Lina Vieira (por AUGUSTO NUNES, em VEJA.COM)

As incontáveis abjeções produzidas pela usina fora-da-lei que funcionou no Planalto por mais de 13 anos não cabem no noticiário jornalístico, tampouco na memória dos brasileiros. O escândalo da vez não fica na vitrine mais que algumas horas. É muita bandalheira para pouco espaço. É muita pauta para pouco repórter. É delinquência demais para um país só. É tanta obscenidade que, nesta segunda década do século 21, o que houve na primeira parece anterior ao Velho Testamento. Isso ajuda a explicar a curta escala nas manchetes feitas pelo sumiço das câmeras de vigilância do Planalto, assombro divulgado em entrevista a VEJA pelo general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

A remoção dos aparelhos ocorreu no segundo semestre de 2009, informou Etchegoyen. Se tivesse consultado os jornais da época, teria descoberto que o motivo da remoção dos aparelhos teve (e tem) nome e sobrenome: Lina Vieira, secretária da Receita Federal afastada do cargo em agosto daquele ano. Entre a história protagonizada por ela e a entrevista do chefe do GSI passaram-se apenas sete anos ─ e no entanto o resgate do caso parece coisa de arqueologista. Aos fatos. Em 9 de agosto de 2009, numa entrevista à Folha, Lina Vieira fez revelações que escancaram a causa da sua substituição. Fora demitida por honestidade.

Estava marcada para morrer desde o fim de 2008, quando fez de conta que não entendeu a ordem transmitida por Dilma Rousseff, então chefe da Casa Civil, numa reunião clandestina ocorrida no Planalto: “agilizar”a auditoria em curso nas empresas da família do ex-presidente José Sarney. Em linguagem de gente, deveria encerrar o quanto antes as investigações, engavetar a encrenca e deixar em paz os poderosos pilantras. Dilma poderia alegar que não dissera o que disse. Como serial killers da verdade primeiro mentem para só depois pensarem em álibis menos mambembes, resolveu afirmar que a conversa nunca existiu.

 

Lina pulverizou a opção pelo cinismo com uma saraivada de minúcias contundentes. Contou que o convite para a reunião foi feito pessoalmente por Erenice Guerra, braço-direito, melhor amiga de Dilma e gatuna ainda sem ficha policial. Como confirmou Iraneth Weiler, chefe de gabinete da secretária da Receita, Erenice apareceu por lá para combinar a data e o horário da reunião. Também queria deixar claro que, por ser sigiloso, o encontro não deveria constar das agendas oficiais. ” Em depoimento no Senado, descreveu a cena do crime, detalhou o figurino usado pela protetora da Famiglia Sarney e reproduziu o diálogo constrangedor.

“Foi uma conversa muito rápida, não durou dez minutos”, resumiu. “Falamos sobre algumas amenidades e, então, Dilma me perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho de Sarney”. No fecho do depoimento, repetiu a frase com que o abrira: “A mentira não faz parte da minha biografia”. As informações que fornecera permitiriam a qualquer investigador de chanchada esclarecer a delinquência em poucas horas. Mas Franklin Martins, ministro da Propaganda de Lula, achou pouco. “O ônus da prova cabe ao acusador”, declamou. “Cadê as provas?”.

Estão no Palácio do Planalto, reiterou Lina. Como dissera durante a inquisição dos senadores, ela chegou sozinha para o encontro noturno, teve a placa do carro anotada ao entrar pela garagem, passou pelo detector de metais, deixou o nome na portaria, subiu pelo elevador, esperou na sala ao lado de duas pessoas e caminhou pelo andar. “É só requisitar as filmagens”, sugeriu. “Não sou invisível. Não sou fantasma”. Logo se soube que, no sistema de segurança instalado no coração do poder, todo mundo virava fantasma um mês depois de capturada por alguma câmera. Numa espantosa nota oficial, o bando fantasiado de governo confessou que as imagens eram guardadas por 31 dias.

Haviam sido destruídas, portanto, as cenas do entra-e-sai de outubro e novembro de 2008, entre as quais as que documentaram as andanças de Lina Vieira. E os registros na garagem? Esses nunca existiram. Como o serviço de segurança à brasileira confia na palavra dos visitantes, tanto as placas dos carros oficiais quanto a identidade de quem zanza por ali não são registradas em papéis ou computadores. O porteiro limita-se a perguntar ao motorista se há uma autoridade a bordo. Assim, o governo não tinha como atender às interpelações de parlamentares oposicionistas.

Conversa de 171. Acobertados pela mentira, os sherloques a serviço da bandidagem destruíram as gravações. A ex-presidente fantasiada de mulher honrada enquadrou-se, sempre em parceria com Lula, nos crimes de ocultação de provas e obstrução da Justiça. As câmeras foram escondidas em lugar incerto e não sabido. Nunca mais deram as caras no palácio. Nos sete anos seguintes, os quadrilheiros com direito a foro privilegiado agiram com a desenvoltura de quem se livrara até daquele simulacro de esquema de vigilância. Deu no que deu.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo + veja

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