Temer sobre Joesley: ‘Fui vítima de bandidos que saquearam o País. A quem interessa desestabilizar o governo?"

Publicado em 22/05/2017 04:08
Entrevista exclusiva feita por Vera Magalhães, em O Estado de S. Paulo

Minutos depois do pronunciamento que fez sobre a crise que atinge seu governo, Michel Temer reafirmou ao Estadão sua recusa a renunciar à Presidência, se disse vítima de “armação”, negou que tenha participado de um plano para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e disse estranhar que a delação da JBS, que o atingiu, tenha sido selada “no momento em que a economia começa a se recuperar”. 

Temer concedeu uma entrevista exclusiva ao Estadão por telefone. Disse estar convencido da capacidade de rearticulação política do governo, deu sua versão para o encontro que teve com Joesley Batista, da JBS, em março — que foi gravado e entregue ao Ministério Público Federal, o que desencadeou a delação do grupo, e criticou os termos da colaboração negociada com o empresário pela Lava Jato.

Segundo ele, depois de muita insistência por parte de Joesley, ele concordou em recebê-lo no Palácio do Jaburu. Questionado sobre o horário tardio da conversa, Temer disse que a razão foi o fato de que, anteriormente, ele compareceu à festa de aniversário da carreira do jornalista Ricardo Noblat. “Disse a ele: estou na festa do Noblat. Se quiser, passa mais tarde no Jaburu. E ele concordou.”

Temer afirmou que já conhecia Joesley, e que tem o costume de receber empresários para conversas. “Já recebi dezenas de empresários. Em São Paulo, no Jaburu, no Planalto. Muitas dessas reuniões acontecem fora da agenda”, disse o peemedebista.

Questionado sobre os assuntos tratados na reunião, alguns deles a confissão de crimes como o suborno a um procurador e supostamente a dois juízes, Temer disse ter atribuído o teor da conversa ao fato de Joesley ser alguém acuado por investigações e contrariado por não obter acesso que tinha antes a altas autoridades do governo. “Logo de cara, vi que ele era um falastrão”, afirmou.

Ele afirmou ter achado “estranho" o teor da conversa, mas que não levou a sério as afirmações. “Mas você veja que comecei a ser cada vez mais monossilábico, quando a conversa dele começou a enveredar para o pedido de que precisaria ter acesso a esse ou aquele setor do governo.”

Temer afirmou que a divulgação do áudio da conversa demonstra que ele não deu aval à compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, conforme se divulgou inicialmente. “Veja que ele diz que está mantendo uma boa relação com ele, e incentivo que deveria manter, apenas isso.”

Sobre o eventual interesse em evitar uma delação de Cunha, Temer evoca o fato de o ex-aliado tê-lo arrolado como testemunha: “Que silêncio do Cunha eu poderia comprar? Se ele me mandou 21 perguntas num processo e 17 em outro, todas claramente tentativas de me incriminar, e o próprio juiz Sergio Moro tratou de indeferir?”.

A respeito da sugestão para que Joesley procurasse o ex-assessor especial da Presidência e deputado afastado Rodrigo Rocha Loures, Temer disse que apenas confirmou uma sugestão do empresário. “Falei que poderia falar com o Rodrigo sobre assuntos do grupo, como poderia falar o Moreira, ou o Padilha”, justificou. 

Temer disse acreditar que Rocha Loures “deve ter sido seduzido” pela promessa de receber R$ 500 mil ao longo de 20 anos. Questionado pelo Estadão se tomou conhecimento, em algum momento, da negociação de recursos por Rocha Loures, ou se autorizou a transação, o presidente negou.

Afirmou que o suborno ao deputado foi negociado pela obtenção de um acordo no Cade que foi negado. “O Cade resolveu? Não resolveu! Ele estava desesperado porque a Maria Silvia saneou o BNDES, ele teve de mudar a operação da empresa para outro país porque fechamos a torneira do BNDES”, afirmou o presidente.

Temer atacou os governos do PT e criticou os termos da delação oferecida ao grupo JBS. “Fui vítima de bandidos que saquearam o País nos governos passados e não obtiveram acesso ao nosso. E negociaram um acordo pelo qual querem sair impunes!”, afirmou o presidente, para em seguida dizer que tentará todos os recursos jurídicos para tentar anular o inquérito aberto contra ele no STF, que, segundo sua avaliação, se baseou em provas armadas.

Ele afirmou que não renunciará e que tentará recompor a base de sustentação do governo para aprovar as reformas. “Querem me tirar para continuar com as mesmas reformas que eu propus, com o meu programa. A quem interessa desestabilizar o governo?”, questionou o presidente.

Temer disse “estranhar” que a crise tenha sido “criada" justamente quando a economia começava a dar sinais de reação. E repetiu os dados que dissera no pronunciamento, de que a JBS lucrou com o câmbio e a venda de ações nos dias que antecederam a Operação Patmos.

A crise e as reformas (EDITORIAL DO ESTADÃO)

É ilusão pensar que a solução para a crise passa por deixar de lado a análise das reformas, substituídas pela discussão de alternativas institucionais pouco ortodoxas

Ainda que a revelação do áudio da conversa de Joesley Batista com Michel Temer no Palácio do Jaburu não tenha trazido prova da anuência presidencial à suposta compra do silêncio de Eduardo Cunha e de Lúcio Funaro, é certo que o vazamento da delação do empresário da JBS colocou uma vez mais o País em clima de profunda crise política e moral. Com os acontecimentos dos últimos dias, os defensores da purificação nacional pela via da devastação da política dão mais um passo em sua empreitada de extinguir qualquer resquício de confiança no sistema político.

Diante desse quadro preocupante, onde vicejam irresponsabilidade e oportunismo, não poucos vaticinam que as reformas previdenciária e trabalhista, levadas a cabo com tanto custo até agora pelo governo federal, se inviabilizaram. Já não haveria qualquer ambiente político-institucional para sua aprovação. Seria perda de tempo – apregoam – insistir nas reformas com essa crise política instaurada.

Tal raciocínio contém um grave engano. A saída da crise só virá com as reformas. É ilusão pensar que a solução para a crise passa por deixar de lado a análise das reformas, substituídas pela discussão de alternativas institucionais pouco ortodoxas, construídas quase sempre a partir de interesses pessoais, que pouco respeitam os trâmites constitucionais.

A superação da crise virá pelo trabalho responsável, com a atuação firme, serena e dentro dos estritos limites das atribuições institucionais de cada um dos Poderes. A maior contribuição, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode dar nesse momento é investigar, com a máxima diligência possível, o que lhe cabe investigar. E julgar, com igual presteza, os processos que lá estão há três anos.

O mesmo ocorre com os demais agentes e órgãos públicos. A força-tarefa da Lava Jato contribui para a superação da crise na medida em que faz avançar seu trabalho investigativo e persecutório na esfera penal, sem desandar para o jogo político, que não lhe compete. O presidente Michel Temer ajuda o País a sair da crise ao esclarecer de forma cabal o que se faz necessário esclarecer e, principalmente, ao manter bem firme o timão do governo. Há um País a ser governado, com sérias questões pesando sobre a vida nacional. Não custa lembrar que atualmente existem mais de 14 milhões de brasileiros desempregados. Há muito, portanto, o que fazer e a ninguém assiste o direito de obrigar o País a entrar em compasso de espera.

Nesse sentido, o Congresso Nacional tem uma responsabilidade especial pela superação da crise, já que está em suas mãos aprovar as tão necessárias reformas para que o País possa retornar aos trilhos do desenvolvimento econômico e social. Achar que a crise poderá ser superada com a suspensão dos trabalhos do Congresso é um perigoso equívoco, de alto custo econômico, social e institucional.

A reconstrução do País destroçado pela irresponsabilidade de Lula e Dilma não pode parar. E haveria uma criminosa paralisação caso os parlamentares deixassem de lado o trabalho que lhes cabe – a análise das reformas – à espera de uma solução utópica, nascida não se sabe de onde, que amainasse milagrosamente os ânimos exaltados da Nação.

Pedir a continuidade do trabalho pela aprovação das reformas previdenciária e trabalhista não significa fechar os olhos à crise. Ao contrário, olhar de frente a crise econômica, social, política e moral que assola o País conduz necessariamente à conclusão de que as instituições não podem parar de trabalhar. Afinal, o que temos pela frente não é uma crise teórica, que possa ser superada apenas com o decorrer do tempo ou com discussões acaloradas. Sua solução demanda desprendimento pessoal e trabalho.

Aos que consideram o Congresso e o governo frágeis – ilegítimos, diriam – para aprovar as reformas, vale lembrar que sua legitimidade se baseia na Constituição, e isso é mais que suficiente. Ao mesmo tempo, as reformas são o sustento do governo e também desse Congresso. É a única ponte que o País tem para atravessar esses tempos revoltos. Abandonar as reformas seria condenar o País ao desgoverno, no desvario de achar que a anarquia possa trazer alguma estabilidade. Não é disso que o País precisa.

Fonte: ESTADÃO

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