Cria-se um inimigo – Temer – para ocultar o lulopetismo, o verdadeiro responsável pela tragédia nacional

Publicado em 21/10/2017 05:14
O inimigo eleito, EDITORIAL DO ESTADÃO

Tudo indica que a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer, rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, será barrada pelo plenário, em votação marcada para a próxima quarta-feira. Infelizmente, contudo, isso não significa que o governo passará finalmente a ter tranquilidade para encaminhar as tão necessárias reformas que, em razão da anuviada atmosfera política, entraram em compasso de espera.

O espírito messiânico que culminou nas desastrosas denúncias da PGR – repletas de ilações, carentes de provas e motivadas pela ânsia justiceira de castigar os mais altos escalões da República para purificar a política nacional – parece ter contaminado o ânimo da opinião pública contra Temer. A tal ponto que praticamente tudo o que emana de seu governo ou com ele é identificado, ainda que remotamente, é desde logo tratado como retrocesso, como cassação de direitos ou, simplesmente, como crime. Para os arautos do desastre pouco importa que a inflação esteja abaixo das expectativas mais otimistas, que o valor da moeda esteja alto, que a economia esteja reagindo à crise de maneira muito favorável.

O catastrofismo contribuiu, como já está evidente, para o comportamento imprudente de uma parte do Judiciário e do Ministério Público, cujos exotismos hermenêuticos, a título de acabar com a impunidade, terminaram por atropelar alguns direitos fundamentais, como a presunção da inocência e o devido processo legal, quando se trata de políticos.

A julgar pelas pesquisas de opinião, que mostram o absoluto descrédito dos parlamentares, dos partidos, das Casas Legislativas e dos governos em geral – em particular de Temer, com sua popularidade quase nula –, consolidou-se o discurso segundo o qual a corrupção é endêmica e generalizada. Num cenário desses, não surpreende que comece a ser bem-sucedida a pregação petista segundo a qual Temer seria mais do que simplesmente um mau administrador; ele seria a encarnação de um projeto destinado a arruinar a vida dos pobres e das minorias, favorecendo grupos econômicos e sociais interessados apenas em ampliar seus lucros e sua força. A corrupção teria sido apenas o meio para chegar ao poder – desalojando o partido que se considera porta-voz dos desvalidos – e implementar esse maligno projeto.

Assim, por exemplo, a recente portaria do Ministério do Trabalho que fixou parâmetros para definir o que é trabalho escravo foi desde logo tratada como inaceitável derrogação de direitos, com o objetivo de obter votos da bancada ruralista para barrar a denúncia contra Temer na Câmara. Em meio à gritaria, houve quem dissesse que só faltava “revogar a Lei Áurea”, como fez a presidente cassada Dilma Rousseff em nota, na qual acrescentou que “o presidente golpista se rende ao que há de pior e mais retrógrado, subordinando-se a empresários atrasados, egoístas e responsáveis por práticas de trabalho escravagistas”. Nesses termos, parece claro que é impossível sustentar um debate racional, assim como já havia acontecido com outras iniciativas importantes de Temer, como a reforma da Previdência – que, segundo os petistas, fará os brasileiros trabalharem “até morrer” – e a reforma trabalhista, contra a qual se insurgiram alguns juízes e fiscais do Trabalho, que prometem ignorar as novas leis a fim de proteger os “direitos” dos trabalhadores.

A histeria é tanta que Temer está sendo responsabilizado até mesmo por uma suposta “onda conservadora” que estaria ameaçando as liberdades artísticas e intelectuais. Circula nas redes sociais uma “carta-manifesto pela democracia” em que “artistas, intelectuais e profissionais de várias áreas” denunciam a tal “onda de ódio”. Ao final do texto, o alvo fica claro: os que chegaram ao poder com Temer depois do “golpe parlamentar” e que agora “passaram a subtrair ou tentar retirar um número significativo de conquistas obtidas pelos brasileiros a partir da Constituição de 1988”, limitando “os direitos individuais, civis e sociais no Brasil, precarizando as condições de trabalho, ameaçando a liberdade de ensino nas escolas, a proteção ao meio ambiente, a união de pessoas do mesmo sexo, etc.”. Esse seria, segundo o manifesto, “o conjunto da obra que resulta do golpe de Estado”.

A estratégia é tão óbvia quanto antiga: cria-se um inimigo – Temer – para que o País esqueça quem é o verdadeiro responsável pela atual tragédia nacional – isto é, o lulopetismo.

Seriedade gera emprego, mas quantos acreditam? (Rolf Kuntz, no ESTADÃO)

Seriedade, quem diria, pode gerar crescimento, emprego e renda, mas, segundo uma tese muito popular em Brasília, pode também atrapalhar uma eleição ou reeleição. A crença nessa tese é hoje, e provavelmente será na maior parte do próximo ano, a principal ameaça à recuperação da economia brasileira. A preocupação apareceu, mais uma vez, numa palestra da secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, em São Paulo. Depois de citar a melhora dos indicadores econômicos e os bons efeitos do esforço de arrumação das contas públicas, ela resumiu: “Disciplina fiscal rende, sim, crescimento sustentável”.

Mas será preciso, acrescentou, deixar essa mensagem mais clara para a sociedade em 2018, ano das próximas eleições. Falta saber quem se encarregará desse trabalho. Políticos em busca de votos para chegar ao Congresso ou lá se manter? Candidatos, ainda incertos ou desconhecidos, à Presidência da República? Provavelmente será muito mais fácil usar a linguagem populista, ou aparentada ao populismo, se a economia, como calculam muitos especialistas, ainda estiver crescendo na faixa, nada espetacular, de 1,5% a 2%. Muito mais trabalhoso será mostrar o avanço realizado a partir do fundo do poço e expor os fatos com racionalidade.

Os dados, no entanto, são simples e claros e têm sido divulgados, nem sempre com destaque, pelos meios de comunicação. Tome-se, por exemplo, a arrecadação federal de setembro. A parcela administrada pela Receita Federal chegou a R$ 103,89 bilhões, valor 8,68% maior que o de um ano antes, descontada a inflação. A soma foi levemente engordada por dois itens atípicos, a renegociação de dívidas fiscais em atraso, o chamado novo Refis, e o aumento do PIS/Cofins cobrado sobre combustíveis. Descartados esses componentes, sobraram R$ 98,26 bilhões, uma arrecadação 5,19% superior à de setembro de 2016. 

Esse ganho é explicável, como indicou o relatório, por fatores como o aumento da massa de salários, o crescimento da produção industrial, o início de recuperação do varejo e a elevação das importações. 

Todos esses dados são indicadores da recuperação econômica. A reação começou no primeiro trimestre, puxada estatisticamente pela agricultura, e em seguida ganhou impulso com a movimentação crescente da indústria. A reação do consumo tem sido moderada, mas suficiente para mostrar os primeiros efeitos da melhora da renda familiar. Essa melhora explica os aumentos de arrecadação do Imposto de Renda retido na fonte e das contribuições pagas à Previdência.

No exame dos fatos geradores da arrecadação os técnicos da Receita Federal discriminam alguns dados de agosto, comparados com os de um ano antes. A lista inclui, entre outros itens, variações positivas da produção industrial (+3,97%), das vendas do comércio varejista (+5,77%) e da massa de salários (+4,87%).

Para compreender mais amplamente o quadro é preciso ir além dos detalhes destacados no relatório da Receita Federal. O aumento real da massa de salários é atribuível em parte à criação de empregos e em parte ao recuo da inflação. Desde o segundo semestre do ano passado os preços de bens e serviços consumidos pelas famílias têm subido muito mais lentamente do que haviam subido até a transição de governo. Isso se explica parcialmente pela recessão e, é claro, pela dura política de juros do Banco Central, atenuada de forma gradativa a partir de outubro do ano passado. Desde esse momento os juros básicos caíram de 14,25% para 8,25% ao ano e ainda poderão cair mais um pouco, talvez até 7%.

Nos 12 meses terminados em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 2,54%, ficando pouco abaixo do limite inferior da margem de tolerância (3%). Além disso, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado nos orçamentos de famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, subiu apenas 1,63%. Isso significa menor corrosão da renda familiar e maior espaço, no orçamento, para a diversificação de despesas. Obviamente esse detalhe se reflete em maior demanda de bens industriais e de vários serviços.

Em agosto, a produção da indústria geral foi 4% maior que a de um ano antes. De janeiro a agosto superou por 1,5% a de igual período de 2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Houve condições, portanto, para a criação, de janeiro a setembro, de 81.523 empregos formais na indústria de transformação. O total gerado nos vários setores, em nove meses, chegou a 208.874 (diferença entre admissões e demissões). O acumulado em 12 meses continuou negativo (-466.654), mas esse buraco está sendo gradativamente fechado. O desemprego total continua muito alto, mas também tem diminuído, até mais velozmente do que se previa até há pouco.

A recuperação da economia tem ocorrido, em suma, com inflação declinante – e já quase civilizada – e enquanto o governo tenta arrumar as contas públicas, devastadas na administração anterior. O cenário desmente mais uma vez algumas velhas crenças da chamada heterodoxia – teses favoráveis ao desleixo orçamentário e à tolerância à inflação.

Disciplina fiscal, como disse a secretária do Tesouro, rende, sim, crescimento sustentável. O controle da inflação, acrescente-se, também favorece o aumento dos negócios e do emprego. Mas boa parte dos políticos mostra pouca ou nenhuma disposição para sustentar essa mensagem. Esse grupo inclui, naturalmente, muitos parlamentares da chamada base governamental.

Se esses decidirem deixar para depois a reforma da Previdência, o crescimento previsto para os próximos anos estará em risco. Na pior hipótese, os ganhos obtidos na área fiscal, na reativação econômica e no controle da inflação poderão ir pelo ralo. Os espertos arranjarão alguém para culpar, talvez os neoliberais ou os vilões do Império. Por que não?

*Jornalista

Um tropeço na recuperação (no ESTADÃO)

A recuperação econômica prosseguiu em agosto, com nível de atividade superior ao de um ano antes, embora o índice mensal tenha sido 0,38% menor que o de julho. A recessão ficou mesmo para trás e a economia segue uma trajetória de crescimento, bem caracterizada, mas com inevitáveis oscilações. Sinais de tropeço em agosto já haviam aparecido nos balanços da indústria, do varejo e dos serviços, mas com os dados principais confirmando um cenário melhor que o de 2016. Não trouxe grande surpresa, portanto, a divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), usado como referência, no mercado, enquanto se esperam os dados trimestrais do Produto Interno Bruto (PIB). Os números do PIB do terceiro trimestre devem ser anunciados em 1.º de dezembro, mas já se pode ter uma ideia razoavelmente clara do andamento da produção, do consumo, do investimento e do comércio exterior.

Apesar da queda mensal de 0,38%, o nível de atividade foi 1,46% superior ao de um ano antes, na série com desconto dos fatores sazonais. Na série observada, isto é, sem ajuste, a diferença anual foi de 1,64%. Outros detalhes confirmam a continuidade da recuperação.

A média do trimestre móvel encerrado em agosto foi 0,50% maior que a dos três meses até maio e 1,18% mais alta que a de igual período de 2016, na série com correção sazonal. Na série sem ajuste, a atividade nos meses de maio a agosto deste ano foi 0,81% mais intensa que a de igual período do ano passado.

A atividade acumulada em 2017 foi 0,41% superior à de janeiro a agosto de 2016, nos cálculos com ajuste. O balanço de 12 meses, ainda 0,89% menor que o do período imediatamente anterior, continua melhorando, mas um longo caminho será percorrido até o retorno ao nível pré-recessão. Em dois anos de retração, 2015 e 2016, o PIB encolheu 7,3%. Só depois de recobrada essa perda o País poderá retomar o crescimento perdido em 2014. Mas ainda será preciso cuidar das condições necessárias a uma expansão mais veloz e duradoura, com investimentos bem planejados na infraestrutura, no sistema empresarial e na formação, há muito negligenciada, de capital humano.

Os dados positivos, por enquanto, são o esforço de ajuste das contas públicas, a baixa da inflação e o empenho do governo, com efeito ainda limitado, na realização de reformas.

A melhora do ambiente nos mercados e o aumento da confiança nas perspectivas da economia já se têm refletido na reativação dos negócios. A produção da indústria geral diminuiu 0,8% de julho para agosto, mas ficou 4% acima da contabilizada um ano antes.

De janeiro a agosto o volume produzido foi 1,5% maior que o dos oito meses correspondentes de 2016. No mesmo período a fabricação de máquinas e equipamentos superou por 4,4% a de um ano antes. A exportação de manufaturados tem aumentado, contribuindo para a reativação industrial.

As vendas do varejo restrito também diminuíram em agosto, ficando 0,5% abaixo do volume de julho, mas o resultado do mês foi 3,6% superior ao de igual mês de 2016. O varejo ampliado – com inclusão de veículos, seUm tropeço na recuperaçãous componentes e materiais de construção – vendeu em agosto 0,1% mais que em julho e 7,6% mais que em agosto do ano passado. Com a inflação em queda, o poder de compra dos salários tem durado mais e isso contribui para algum aumento do consumo. O setor com pior desempenho continua sendo o de serviços, com recuo mensal de 1% em agosto e volume ainda 2,4% menor que o de um ano antes.

O desemprego continua alto, mas tem diminuído mais rapidamente do que estimavam muitos especialistas. No trimestre encerrado em agosto a desocupação foi de 12,6% da força de trabalho, 0,7 ponto menor que a do período de março a maio. A geração de empregos, especialmente na indústria, é o sinal mais animador de recuperação do País.

As projeções de crescimento para o País têm subido e estão em torno de 0,7%, com perspectiva de aceleração em 2018. Mas crescimento é assunto de interesse público, tema frequentemente desprezado pelos envolvidos no jogo do poder.

Marcelo Tas ataca Bolsonaro em programa de Pedro Bial. Mas quem são os intolerantes? (por Rodrigo Constantino)

Pedro Bial recebeu para entrevista em seu programa Mario Sergio Cortella e Marcelo Tas, que lançaram um livro contra a “cidadania obscena” e a influência das redes sociais nas pessoas.

Cortella, ao lado de Leandro Karnal, é um mestre em dizer platitudes com ar de sabedoria, e pelo visto isso seduz muita gente. Ele é também um admirador de Paulo Freire, que foi seu orientador de doutorado. Quando precisou elencar suas objeções a Freire, sequer mencionou o fato de se tratar de um comunista defensor de tiranias que importou o conceito marxista de luta de classes para dentro das salas de aula, com consequências terríveis.

Marcelo Tas é um apresentador com viés de esquerda, com quem já participei de um painel de debates sobre os limites do politicamente correto. Ambos bancam os “isentões”, mas no fundo pregam uma visão claramente “progressista” de mundo.

E quando a conversa chegou no tema tolerância, Tas puxou Bolsonaro da cartola, citando o caso deturpado em que o deputado disse que “não estupraria” Maria do Rosário por ela ser feia. Será que Tas não sabe que Bolsonaro é um dos únicos ali que quer aumentar a pena de estupradores, enquanto a esquerda, em especial Maria do Rosário, trata esses marginais como “vítimas da sociedade”?

Mas é possível ver o ar de superioridade de Tas, a condescendência com a qual trata os eleitores do deputado, como se precisassem ser ensinados sobre os erros da intolerância do seu representante, umas crianças limitadas que necessitam da sabedoria do ungido.

Cortella citou Karl Popper, um liberal, para lembrar, com razão, que não devemos ser tolerantes com os intolerantes. Mas atenção! O exemplo de intolerância não é a extrema-esquerda, que quer destruir nossa democracia, que admira os regimes cubano e venezuelano, que aplaude vândalos mascarados que quebram tudo em “manifestações”, que sustenta invasores de terra e propriedade, que acusa de “fascista” todo aquele que não é socialista. Não! Esses são “democratas”.

O intolerante é Jair Bolsonaro. É ele que precisa ser impedido de seguir na política. E como os três debatedores adotam uma forma muito sutil, uma postura adequada, fica-se com a impressão de que são moderados no conteúdo também, que estão defendendo as coisas mais avançadas do planeta. Falam em diversidade e tolerância, mas só cabe nesse círculo a esquerda, seja a “limpinha” mais moderada, seja até mesmo a radical e extremista, que para essa turma nunca é tratada como tal.

Num país que teve o PT no poder por 13 anos, roubando e destruindo nossas instituições, que tem Lula ainda solto, apesar de condenado, e em primeiro lugar nas pesquisas para 2018, com seu enlouquecido e cínico discurso de ódio, que tem um PSOL elogiando até Maduro na Venezuela e sonhando com o invasor Boulos como candidato, que tem “intelectuais” esquerdistas acusando o juiz Sergio Moro de ser ligado à CIA e destilando ódio à classe média “fascista”, nesse país eis que os ícones da tolerância consideram Jair Bolsonaro o principal alvo.

E depois não sabem como a audiência despenca, perdendo para Danilo Gentili…

Rodrigo Constantino

‘É erro generalizar um ataque à classe política’, diz vice-procurador-geral da República

Para Luciano Mariz Maia, a interpretação de que ‘ninguém presta’, que ‘todos são bandidos’, gera ‘espécie de vale-tudo’

Segundo na hierarquia da Procuradoria-Geral da República, o vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia, avalia ser um “erro monumental” generalizar “um ataque à classe política como um todo” por causa das investigações criminais. “Quando você atribui que ninguém presta, todos cometem crimes, são todos bandidos, você está dando a si próprio o direito de cometer irregularidades, o direito de destruir vidas, de desrespeitar a lei. Isso é uma espécie de vale-tudo”, afirmou em entrevista ao Estado

A classe política diz que as investigações criminalizaram práticas da política. O senhor concorda com essa avaliação?

Não existe homogeneidade na conduta humana. É possível que pessoas boas pratiquem atos ilícitos e é possível que pessoas perversas tenham direitos. O que diferencia um estado de civilidade de direito é que não faz um julgamento de pessoas enquanto tais, mas aprecia condutas concretas praticadas. Portanto, é um erro monumental, um erro que destrói o estado de direito, generalizar um ataque à classe política como um todo e às instituições políticas como um todo.

Mas as atividades políticas estão sob investigação...

O Judiciário e o MP são baseados em um dever ético de isenção e imparcialidade. Ao passo que a classe política é baseada na chamada solidariedade partidária. Só se consegue ganhar um mandato por meio do partido. (...) Muitas vezes solidariedades partidárias terminam excedendo o dever da integridade na apreciação de erros, desvios, por filiados àquele partido. Mas esse processo de depuração natural se faz ou pelas instâncias partidárias ou pelo voto. É próprio da democracia que isso aconteça. O importante é que as instituições consigam dialogar entre si. O STF precisa dialogar com o Congresso; precisa dialogar com a Presidência da República e seus ministérios. 

A procuradora-geral tem falado sobre a importância do diálogo com as instituições, após um período de ruídos da gestão anterior com o Executivo. Há uma orientação para alterar a conduta que vinha sendo adotada pela gestão anterior?

Uma instituição como o MPF é plural. Enquanto havia a fala do PGR com a atuação criminal havia dezenas de outras falas e outros interlocutores com outros poderes. Diariamente o MP participa de audiências no Congresso, de reuniões de trabalho nos ministérios. As instituições têm vários canais de comunicação. Muitas vezes a imprensa é seletiva no que olha e perde a chance de ver a pluralidade de atores. 

Começamos 2017 com notícias de barbáries em penitenciárias e, ao longo do ano, crescem as investigações criminais atingindo a classe política. Qual o espaço na sociedade e no Estado hoje para falar em garantia dos direitos dos acusados?

Há muito tempo Maquiavel diz assim: “É muito ruim quando o governante não respeita a lei”. O que termina acontecendo é que no estado democrático de direito a chamada vingança privada é substituída pela resposta do Estado. Quando você termina vendo agentes do Estado se envolvendo na prática de ilícitos, isso retira a confiança nas instituições do Estado. E, portanto, retira a confiança no papel civilizatório da lei. Fica como se fosse um mundo sem lei, onde termina prevalecendo a força do mais forte – quem tiver condição de ter sua própria segurança terá, não importa se a vida exploda nas outras comunidades. O que é preciso devolver é uma confiança nas instituições democráticas.

Como devolver a confiança nas instituições?

Quando você atribui que ninguém presta, todos cometem crimes, são todos bandidos, você está dando a si próprio o direito de cometer irregularidades, o direito de destruir vidas, de desrespeitar a lei. Isso é uma espécie de vale-tudo. Para devolver isso há a necessidade de diferenciarmos pessoas que cometem os ilícitos e devem responder por eles das instituições que eles representam. Nós devemos fortalecer as instituições e identificar que aqueles desviantes do padrão a ser seguido possam ser responsabilizados, em todas as profissões.

O sr. é ligado à defesa de diretos humanos. A procuradora-geral mostra que vai dar prioridade ao tema.

Ela quer guardar coerência, harmonizar o exercício do mandato com as responsabilidades nas várias dimensões. A atuação de responsabilização criminal guardando compatibilidade com os deveres de quem tem um olhar de direitos humanos, inclusive sobre quem é investigado, acusado, processado, condenado de um lado. Por outro lado, também entender que no mandato do Ministério Público está fortemente zelar pelo respeito dos direitos constitucionais e isso significa um olhar atento às políticas públicas.

Erro grosseiro ("trabalho escravo") -- por JOÃO DOMINGOS

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, fará na semana que vem sugestões ao governo para que altere o conteúdo da portaria sobre o trabalho escravo, portaria que ela mesma classificou de retrocesso. A portaria determina, entre outras coisas, que a inclusão de empresas na lista suja do trabalho escravo dependerá de ato do ministro, o que tira autonomia da área técnica. Também muda procedimentos de fiscalização, tornando mais difícil a comprovação do ilícito, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A intervenção da procuradora será a única que o governo acatará, dizem líderes da base aliada do presidente Michel Temer. Portanto, a portaria será modificada, mas mantida. É provável que Raquel Dodge, uma militante dos direitos humanos, deixe a portaria impecável do ponto de vista legal.

O problema para o governo é que depois de mais um erro tão gritante, não tem Raquel Dodge que dê jeito. A OIT anunciou ao planeta que o Brasil não é mais referência no combate ao trabalho escravo, a oposição encontrou mais uma justificativa para acusar o governo Temer de revogar a Lei Áurea, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que limitar a definição de trabalho escravo é inaceitável. Para piorar, representantes da União Europeia sinalizaram que a portaria pode prejudicar a compra de produtos brasileiros, pois o bloco rejeita mercadoria que pode ter sido produzida por escravos.

Enfim, o governo de Michel Temer, que quer ser reconhecido pela História como reformista, corre o risco de lá entrar com outra denominação, a de obscurantista.

Pior é que esse não é o primeiro erro mortal do governo quanto às suas próprias iniciativas. Antes, decreto de Temer que autorizou a mineração na Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) deu a impressão de que o governo havia liberado geral o desmatamento na Amazônia. Não adiantou dizer que projetos minerais, no fundo, têm maior capacidade de proteger o meio ambiente do que a pecuária, que as reservas indígenas e ambientais seriam respeitadas. A Temer só restou revogar o decreto.

Numa entrevista ao site Poder 360, o presidente Michel Temer defendeu a portaria do trabalho escravo, disse que será mudada por Raquel Dodge e ofereceu alguns exemplos de abusos cometidos por fiscais nos laudos a respeito do trabalho escravo. Num deles, o empresário foi enquadrado como patrocinador do trabalho escravo porque o beliche superior não tinha proteção lateral ou escada. Noutro, porque os chuveiros não dispunham de suportes para sabonete e toalha. Em mais um, porque os locais destinados aos extintores de incêndio não tinham sinalização na cor vermelha. De fato, são três casos de abuso. Não dá para dizer que esse tipo de falha é sinal de escravidão.

Acontece que a divulgação da portaria assinada pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que também é deputado federal pelo PTB do Rio Grande do Sul, foi tão mal feita que todas as iniciativas para se pôr um pouco de ordem no trabalho dos fiscais se tornaram inúteis. O tema, importante para as relações de trabalho, foi tratado de forma tão desequilibrada que o Brasil, mais uma vez, pode estarrecer o mundo, agora pelo trabalho escravo.

Os brasileiros poderiam estar envolvidos em outro debate: como o País vai pagar sua dívida com a população de origem africana? Seus bisavós foram trazidos para o Brasil à força e escravizados. Os descendentes continuam mal remunerados quando têm emprego, sua juventude morre por assassinatos muito mais do que a juventude bisneta de europeus. Se não tiveram chances no passado, têm menor expectativa de futuro.

Mas, não. O Brasil está envolvido é com o tema do trabalho escravo. Convenhamos, ninguém merece.

Em defesa da democracia, editorial deste sábado

O título deste editorial não é anacrônico como poderia parecer, passadas mais de três décadas desde a redemocratização do País. Há razões de sobra para que se faça, tantas vezes quanto for necessário, uma intransigente defesa da democracia e do regime republicano.

Justamente no momento em que as instituições que definem o Estado Democrático de Direito são postas à prova – seja por mandatários movidos tão somente pela fome de locupletação, seja por aqueles que julgam estar acima das leis e sobrepõem suas agendas particulares ao interesse público – é que se deve reforçar a sua importância como único meio de que a sociedade dispõe para manter a paz social e alcançar o bem comum.

O resultado mais nocivo que pode advir da longa crise que instalou no País este clima de desalento e insatisfação generalizada é a disseminação da ideia de que a democracia não é um regime bom o bastante para dar conta dos desafios que ora se impõem à Nação.

Este receio não é infundado. Embora ainda incipiente, cresce a parcela da população que canaliza as suas angústias e os seus anseios na direção de alternativas de representação política com vieses claramente autoritários. A indignação popular ante os desmandos na vida pública tem levado a uma difusa antipatia pelos “políticos”, no plural, repelindo, para esta parcela, as candidaturas e práticas identificadas com a “política tradicional”, como se o problema fosse a tradição, e não os crimes cometidos por agentes determinados.

Recentemente, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou o estudo O dilema do brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro, que mostra o retrato de uma sociedade descrente não apenas da política e dos políticos, mas, o que é ainda mais grave, do próprio valor do regime democrático.

O estudo revelou a percepção da sociedade sobre a política, os políticos em geral e as instituições. As instituições políticas – como a Presidência, o Congresso Nacional e os partidos – são alvo de uma descrença generalizada. Sem novidade, o presidente Michel Temer é visto com desconfiança por 83,2% dos entrevistados. Os políticos com mandato e os partidos são desacreditados por 78,3% e 78,1% dos respondentes, respectivamente. No entanto, o dado surpreendente da pesquisa foi a constatação de que 42,4% dos entrevistados discordam da afirmação de que há democracia no País.

Quando instados a opinar sobre os partidos políticos, 47,15% disseram discordar, no todo ou em parte, da frase “partidos políticos são importantes, estaríamos piores sem eles”. Essa insatisfação geral com as legendas e com a própria acepção da política como mecanismo de mediação dos interesses sociais reflete-se na atual crise de representatividade que, entre outros danos, dá azo ao florescimento de candidaturas populistas e irresponsáveis, sem qualquer compromisso com o futuro do País.

É importante ressalvar, no entanto, que nas pesquisas de opinião não é incomum haver uma discrepância entre as noções de política adotadas por aqueles que perguntam e aquelas percebidas pelos que respondem. Para a grande maioria da população, os termos “política” e “políticos” englobam toda sorte de práticas, instituições e entes públicos que não raro extrapolam os limites de uma pergunta fechada.

De todo modo, o resultado obtido pela FGV é revelador do estado de espírito de uma parcela da população e vai ao encontro de outro dado capturado por uma recente pesquisa do Pew Research Center, que revelou que 67% dos brasileiros estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia no País. O Brasil, de acordo com o centro de estudos norte-americano, é um dos países onde o entusiasmo popular em relação à democracia tende a ser menor. Aqui, apenas 8% da população concorda com a afirmação de que “um governo formado por representantes eleitos é muito bom”.

O Brasil vive um momento de inflexão. A inarredável defesa da democracia é a única forma de legar às futuras gerações um País desenvolvido. Esta deve ser a missão dos que querem evitar uma guinada em direção ao retrocesso.

Crédito escasso às empresas afeta retomada

O que os indicadores do Banco Central já revelavam com clareza – a forte diminuição do crédito às empresas – é agora tratado como assunto muito grave por analistas como José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV), e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Hoje, 47% das empresas não estão conseguindo gerar caixa nem para pagar despesa financeira”, diz José Ricardo Roris Coelho, da Fiesp. “E não há crédito para refinanciar dívidas”, acrescenta ele.

O problema não tem solução fácil, e é até certo ponto natural que os bancos relutem em oferecer empréstimos a empresas que, afetadas pela crise, não demonstram capacidade para preservar a clientela nem recebem aportes financeiros dos sócios. Muitas dessas companhias têm engrossado a lista de inadimplentes, o que dificulta ainda mais o acesso a empréstimos.

Uma das questões críticas é a elevada capacidade ociosa das companhias, enfatiza um dos vice-presidentes do Bradesco, Domingos Figueiredo Abreu. Há sinais de recuperação da economia, diz ele, “mas é normal que a retomada na (pessoa) jurídica demore mais”. Ou seja, a recuperação começa pela volta do consumidor às compras e só depois chega à empresa.

A economista Zeina Latif, da XP Investimentos, previu que tanto a retomada da economia quanto a da oferta de crédito às empresas ocorrerão em ritmo lento, o que tem “a ver com risco”. Cresceram, por exemplo, os pedidos de recuperação judicial de empresas. “Os bancos não emprestam neste cenário porque temem não recuperar o dinheiro.”

Os indicadores da diminuição da oferta de crédito às empresas traduzem o problema: entre dezembro de 2015 e agosto de 2016, o crédito às companhias diminuiu de 28,45% para 22,21% do Produto Interno Bruto (PIB), ao mesmo tempo que as pessoas físicas passavam a receber a maior parcela do crédito bancário.

Sem capital de giro, empresas levarão tempo para se recuperar, o que causa problemas adicionais, tais como a baixa demanda por pessoal, inclusive para repor o que foi cortado na fase mais aguda da recessão. Soluções específicas, como a de recursos fornecidos por fintechs, em que investidores aplicam diretamente nas empresas, não têm escala nem podem ser comparadas ao crédito bancário.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo/Gazeta

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