Gastança continua: Cidades contratam advogados para receber R$ 90 bi, e honorários abrem guerra judicial (O GLOBO)

Publicado em 15/07/2018 19:58
Dodge defende ação do MPF para barrar contratações (EXCLUSIVO EM O GLOBO)

Bancas de advocacia espalhadas pelo país, grandes e pequenas, tentam receber uma fatia bilionária de recursos destinados à educação básica, uma ofensiva que ganhou a oposição da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Um parecer dela de 25 de maio, obtido pelo GLOBO, aponta a iniciativa como “gravíssima situação” e defende que o Ministério Público Federal (MPF) empreenda ações para barrar contratações desses escritórios de advocacia por prefeituras país afora para agilizar a liberação dos recursos federais.

LEIA: Partidos gastaram R$ 4,5 milhões com aluguel de aeronaves em 2017

As bancas vêm sendo contratadas por municípios que têm direito a receber da União uma complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ao todo, 3,8 mil cidades, em 19 estados, podem receber quase R$ 90 bilhões, dinheiro que corresponde a uma diferença de ressarcimentos do governo federal ao Fundef, o antecessor do Fundeb.

O MPF ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal em São Paulo em 1999, apontando uma retenção ilegal de recursos pela União. Em 2015, a ação chegou ao fim, sem possibilidades de recursos, com ganho de causa dos municípios.

LEIA: Câmara gasta R$ 9,9 milhões com aluguel de aeronaves

É nesse contexto que começou a ofensiva de escritórios de advocacia para representar as prefeituras e assegurar os repasses do Fundeb — convertidos em precatórios (requisição de pagamento para cobrar órgãos públicos após condenação) — a que passaram a ter direito. Os honorários cobrados seguem um padrão: 20% do total do dinheiro a ser depositado. Assim, as bancas tentam receber um montante que pode chegar a R$ 18 bilhões.

A ofensiva dos escritórios levou a uma contraofensiva dos órgãos de controle, como o MPF, que vêm sedimentando o entendimento de que o dinheiro do Fundeb deve ter uma destinação exclusiva à educação básica.

LEIA: PGR gasta R$ 318 mil em evento para 120 procuradoras

Primeiro, em agosto de 2017, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que é inconstitucional destinar o dinheiro dos precatórios para pagamentos de honorários. Depois, no mês seguinte, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os recursos da complementação da União, no caso de quatro estados, devem estar vinculados a “ações de desenvolvimento e manutenção do ensino”. Em 7 de junho, uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin, a respeito de um quinto estado, foi na mesma direção.

TRÊS ESCRITÓRIOS, 400 CIDADES

Há ainda recomendações do MPF em cinco estados — Paraíba, Pernambuco, Bahia, Sergipe e Rondônia — contra a destinação do dinheiro a honorários advocatícios. Municípios nesses estados chegaram a efetivar a contratação de escritórios. O MPF também expediu orientações com aplicação geral, a partir de iniciativas de colegiados que funcionam no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR). Existem ainda posições contrárias da Advocacia Geral da União (AGU), do Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU), de MPs e tribunais de contas locais.

Em maio, a procuradora-geral da República manifestou num parecer a mesma posição. “O MPF defende que, assim como as verbas do Fundef tinham aplicação vinculada a ações de educação, os valores agora repassados aos municípios em razão de sentença judicial devem ser igualmente utilizados exclusivamente para essa finalidade, sem a possibilidade de ser gasta parte da verba para pagamento de honorário advocatício”, escreveu Dodge no parecer.

LEIA:Judiciário concede aumento de auxílios alimentação e pré-escolar a servidores

Nesse cenário, bancas de advocacia passaram a atuar em diferentes frentes para ver assegurada a prestação de serviços aos municípios. O GLOBO identificou que apenas três escritórios têm mais de 400 prefeituras em suas carteiras, a maioria na região Nordeste. Um único escritório, se conseguir garantir a continuidade dos contratos, pode receber mais de R$ 1 bilhão.

Uma iniciativa apontada como estratégica para a continuidade dos serviços advocatícios é um processo no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), movido pela Associação Paraibana da Advocacia Municipalista (Apam). A iniciativa visa a impedir que o MP expeça recomendações para que as prefeituras não contratem escritórios de advocacia sem licitação. O parecer de Dodge é dentro desse processo. O CNMP é presidido pela procuradora-geral da República. O conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que ocupa o cargo por indicação do Senado, mais especificamente de Renan Calheiros (MDB-AL), deu liminar favorável aos advogados.

Em sessão no último dia 26, a maioria do CNMP derrubou a liminar em plenário. Ficaram vencidos Bandeira de Mello, relator do processo; o conselheiro Gustavo Rocha, indicado pela Câmara e integrante do primeiro escalão do governo de Michel Temer; e o conselheiro Leonardo Accioly da Silva, indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Não houve exame do mérito, que será analisado em agosto, depois do recesso do Judiciário.

A posição de Dodge, contrária à destinação de fatia dos recursos da educação aos escritórios, está expressa no voto que ela levará a plenário em agosto. Ela decidiu “expor a gravíssima situação que consubstanciou um dos motivos determinantes para a atuação do MP da Paraíba no sentido de evitar as contratações ocorridas ao arrepio da legislação pertinente”.

LEIA: Pagamento de supersalário a servidores públicos poderá levar à prisão

Responsável por ingressar com a ação no CNMP, o presidente da Associação Paraibana da Advocacia Municipalista, Marco Aurélio Villar, nega que o objetivo seja garantir a destinação de dinheiro do Fundeb para honorários.

— A discussão posta no conselho não teve início com o Fundeb, mas com recomendações do MP para que houvesse rescisão de contratos com escritórios. Não discutimos pagamento, só contratação. Se isso for discutido em plenário, vou suscitar questão de ordem e dizer que o pleito da Apam não diz respeito a isso.

O advogado critica a iniciativa de escritórios na busca por honorários dos caso do Fundeb:

— Eles pegaram o processo em fase final só para receber (honorários). Isso deve ser avaliado pelo Judiciário. Os municípios podem resolver essa questão do recebimento dos precatórios sozinhos.

"BRIGA LONGE DE ACABAR"

O processo no TCU que tratou da questão analisou a situação de municípios no Maranhão que contrataram escritórios para receber o dinheiro. Um único escritório, o João Azêdo e Brasileiro Sociedade de Advogados, sediado em Teresina, foi contratado por 105 municípios, como consta de relatório do tribunal. Outras cinco prefeituras contrataram mais dois escritórios. O montante envolvido é de R$ 7 bilhões. “Desse valor, R$ 1,4 bilhão seria então destinado ao pagamento dos honorários dos três escritórios contratados”, escreveram os auditores.

A iniciativa acabou barrada pelo TCU. Ao GLOBO, um dos sócios do escritório, João Ulisses Azêdo, afirma que apenas 20 dos 105 municípios chegaram a efetivar a contratação:

— A decisão de 2015 é consequência, na verdade, de 15 anos de trabalho. Posso certificar que esses R$ 90 bilhões não existem. E que esses R$ 7 bilhões do Maranhão são um número para impressionar o Judiciário. A AGU vem embargando as execuções de pagamentos, e essa briga está longe de acabar.

PGR CRITÍCIA ESCRITÓRIOS E OAB FAZ DEFESA

A procuradora da República Niedja Kaspary, que integra o grupo de trabalho de educação da Procuradoria-Geral da República (PGR) que monitora os repasses do Fundeb, não tem dúvidas: a iniciativa dos escritórios de advocacia não tem respaldo legal.

— Escritórios estão enriquecendo com dinheiro público. E eles vão até o final. É muito dinheiro, e no Brasil inteiro — diz.

Para Niedja, a atuação do Ministério Público Federal é no sentido de garantir que todo o dinheiro seja gasto exclusivamente na educação básica.

— Se o município contratar um escritório de advocacia, que pague os honorários com recursos próprios — afirma.

Em outra frente, o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, diz ao GLOBO que a instituição é “intransigente na defesa das prerrogativas e dos honorários da advocacia, tanto em causas simples como nas mais complexas”.

— É grave ofensa à advocacia e ao direito constitucional à remuneração pelo trabalho qualquer medida que vise a criminalizar o serviço efetivamente prestado por advogados que atuam, há mais de uma década, em favor de municípios em ações individuais sobre o Fundef. Graças ao trabalho desses profissionais, a população carente será beneficiada — defendeu.

Segundo Lamachia, muitos municípios optaram por contratar advogados para executar os títulos, o que demanda pagamento de honorários.

— A verba líquida que entra nos cofres dos municípios é vinculada à educação. Mas essa vinculação não atinge os honorários advocatícios e, portanto, não impede que sejam destacados nos precatórios e pagos a quem viabilizou o recebimento dos créditos — sustenta o presidente nacional da OAB.

O GLOBO tentou saber a posição do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) sobre os repasses do Fundeb aos municípios e sobre a atuação dos escritórios de advocacia. O FNDE é vinculado ao Ministério da Educação e responsável por fazer as complementações da União ao Fundeb. A reportagem enviou as perguntas à assessoria do FNDE no início da tarde da última quinta-feira, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

Fonte: O GLOBO

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Enchentes afetam abastecimento de combustíveis no RS; refinaria da Petrobras "sem acesso"
BC suspende medidas executivas contra devedores do Rio Grande do Sul por 90 dias
Brasil diz que fechou acordo com Paraguai sobre tarifa de Itaipu
Ações europeias fecham em picos recordes com impulso do setor financeiro
Ibovespa avança em dia cheio de balanços e com RS no radar