Brasil exporta recorde à China com guerra comercial, mas precisa buscar mercados

Publicado em 30/11/2018 14:18

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Por Marcela Ayres e José Roberto Gomes

BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - As exportações do Brasil à China já bateram recorde em 2018, antes mesmo de o ano acabar, com a disputa comercial entre o gigante asiático e os Estados Unidos favorecendo os envios brasileiros, sobretudo de soja, mas a neutralidade e a busca por outros mercados e alianças ainda precisam nortear a estratégia do país.

Especialistas ouvidos pela Reuters afirmam que as retaliações entre as duas maiores potências do mundo podem, em breve, afetar o crescimento econômico global, além de enfraquecer a atuação de órgãos como a Organização Mundial do Comércio (OMC), mesmo em meio à expectativa de um encontro entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping durante o G20, em Buenos Aires.

Assim, posicionar-se adequadamente neste ambiente conturbado seria essencial para o Brasil.

"Acho que a melhor posição é ficar equidistante, não tomar partido... Temos de colocar o interesse nacional acima de tudo", afirmou o embaixador Rubens Barbosa, que atuou em Washington entre 1999 e 2004. "No curto prazo, (a disputa comercial) é muito positiva, se o Brasil souber aproveitar. No longo prazo, é ruim para todo mundo."

Para Barbosa, além da neutralidade, abrir novos mercados, ampliar o leque de produtos exportados --hoje muito calcado em soja, petróleo e minério de ferro-- e até se aproximar da Aliança do Pacífico seriam ações importantes.

O embaixador disse esperar isso do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, que, entretanto, já deu sinais de querer limitar o peso da China nas relações com o Brasil. A executiva de seu partido, o PSL, até recusou um convite do Partido Comunista da China para ir ao país ainda neste ano, alegando "tempo muito exíguo", segundo o presidente da sigla, Luciano Bivar, que espera realizar tal visita em 2019.

O fato é que tomar um lado nessa "briga" pode mesmo prejudicar o Brasil.

De janeiro a outubro, as exportações do Brasil à China somaram 53,2 bilhões de dólares, alta de 28,8 por cento ante igual período de 2017. Com isso, ultrapassaram o total observado em todos os anos fechados da série iniciada pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) em 1997.

A China, que já é o maior parceiro comercial do país, aumentou ainda mais seu peso nessa relação, abocanhando 26,7 por cento de tudo o que o Brasil vendeu nos 10 primeiros meses do ano, uma fatia também histórica.

As vendas de soja, principal item da pauta exportadora brasileira, foram determinantes para tanto. O avanço foi de 27,2 por cento sobre igual intervalo do ano passado, a 23,9 bilhões de dólares, em uma avenida aberta pela guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, favorecendo o Brasil, o maior exportador global da oleaginosa.

Em uma das várias retaliações que adotou, Pequim impôs em julho tarifa de 25 por cento sobre a soja dos EUA, respondendo a medidas do governo de Donald Trump de taxar importados chineses para forçar a revisão da pauta comercial e diminuir o déficit com o gigante asiático.

PERSPECTIVAS

Para o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Marcello Estevão, é inegável que, no curto prazo, as tarifas impostas tanto do lado norte-americano quanto do lado chinês estão beneficiando o Brasil, inclusive com maior procura pelos EUA de peças e componentes feitos em território nacional.

Os norte-americanos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, tendo comprado 23,8 bilhões de dólares em produtos brasileiros de janeiro a outubro, alta de 7,2 por cento sobre um ano antes.

Estevão ponderou, contudo, que a continuidade da guerra comercial tende a afetar negativamente o crescimento global, o que invariavelmente prejudicará as exportações brasileiras. Por isso, será uma questão de tempo para o acirramento dessa disputa começar a pesar negativamente para as trocas comerciais brasileiras.

"Acho que 2019, no líquido, ainda vai ser positivo para o Brasil. Mas essa é uma oportunidade para fazer mais negócios, para abrir mais parceiros porque quando dois grandes cães brigam sobra bastante farelo e pedaço de carne para os outros. E o Brasil tem de acelerar esse processo de abertura por causa disso", disse.

Tal como embaixador Rubens Barbosa, Estevão citou a necessidade de o país firmar acordos comerciais com outras nações, como Canadá e Coreia do Sul, trabalhar para o acordo entre Mercosul e União Europeia enfim ser fechado e também renegociar tarifas de importação, tornando bens de capital e bens de informática mais baratos.

Quanto a Estados Unidos e China, Estevão citou como caminho estratégico uma aproximação forte com Washington e com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com concomitante consolidação das relações com Pequim. Ele avaliou que esse foi o rumo tomado pelo governo de Michel Temer e que deveria seguir o mesmo sob o comando de Bolsonaro.

"Me parece que vai haver um aprofundamento dessa agenda (de liberalização comercial) porque vamos ter agora um presidente que foi eleito com ela", destacou o secretário, defendendo que o país siga aproveitando o fato de "não ter problemas geopolíticos com ninguém" para defender interesses diversos, sem marcar posição ideológica em relação aos parceiros.

MAIS CHINA?

O presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-presidente do BNDES, José Pio Borges, disse que "a complementaridade entre Brasil e China já existe e continuará existindo com ou sem essa guerra comercial com os Estados Unidos".

Conforme ele, as exportações de carnes para a China podem passar por uma explosão nos próximos anos à medida que Pequim abre ainda mais seu mercado às proteínas brasileiras.

Pio Borges também ressaltou que a China é --e continuará sendo-- grande compradora de petróleo brasileiro, e que isso deve se acentuar com a expectativa de maior produção nacional nos próximos anos, conforme campos do pré-sal elevam a extração do país.

No acumulado de 2018 até outubro, as vendas de petróleo para a China subiram 84,2 por cento, a 11,5 bilhões de dólares, em meio a maiores preços neste ano.

A China também é a maior compradora de minério de ferro do Brasil, e os negócios foram impulsionados neste ano pelo produto de melhor qualidade da Vale, que consegue atender os chineses no momento em que o país tenta reduzir a poluição. As vendas totais da mineradora ao gigante asiático subiram mais de 10 por cento no terceiro trimestre, para 4,2 bilhões de dólares.

Diante do impulso, o Banco Central projeta que as exportações totais do Brasil ao exterior somarão 231 bilhões de dólares em 2018, melhor desempenho em cinco anos.

Para além das compras diretas de produtos, uma aproximação com a China no contexto do programa "Belt and Road" --principal plataforma de política externa chinesa-- abre oportunidades para investimentos e financiamento em infraestrutura para o Brasil, num momento em que o governo eleito de Jair Bolsonaro vem ressaltando o objetivo maximizar concessões e vendas nessa área.

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Fonte:
Reuters

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