Supremo Tribunal Paradoxal, por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Publicado em 24/06/2019 19:53

O ioiô jurisprudencial sobre o cumprimento de pena  condenatória, antes de esgotados os recursos judiciais postos à disposição dos acusados no processo criminal, é absurdo e infantil. 

O "debate"  não ocorreria se o Supremo Tribunal e demais tribunais da República, julgassem com presteza e eficiência os recursos criminais. 

O dilema  "trânsito em julgado versus execução da pena" é absolutamente falso. Sua simples existência exclui a grave responsabilidade do judiciário pela própria morosidade no cumprimento da prestação jurisdicional.  Não fosse essa morosidade, não haveria qualquer discussão a respeito da cláusula pétrea constitucional da presunção de inocência.

A insistência persecutória em prender antes de esgotados os recursos, e a persistência garantista de manter em liberdade mesmo quando a prisão se faz preventiva e didaticamente necessária, convergem para o mesmo diagnóstico: nosso poder judiciário está obsoleto, perdeu sua capacidade implementadora, não atende mais à aplicação da lei penal - da mesma forma a Constituição que o sustenta.

Essa é a verdade que ninguém quer enxergar. 

O pior é toda essa discussão fora de parâmetro se desenrolar... com o único intuito de beneficiar acusados  no bojo da Operação Lava-Jato - em especial o ex-presidente Lula. 

O preço do embuste é pesado para a cidadania - fere o direito e a democracia e joga  no lixo dos debates obscuros o caro princípio da presunção de inocência.

Presunção de Inocência é milenar

A presunção de inocência não é assunto novo. Ela foi alegada em favor de Jesus, por um atônito Pôncio Pilatos, que não via nele qualquer culpa. 

O episódio é revelador do conflito milenar entre Justiça e Política,. Embora juridicamente exigisse dos saduceus e fariseus que formalizassem suas acusações e submetessem o acusado a julgamento conforme a lei judaica, o governador romano cedeu politicamente à pressão dos fanáticos e crucificou Jesus, sem que delito algum houvesse ele cometido contra a lei romana. 

Ulpiano, doutrinador romano, duzentos anos antes de Cristo, lecionava que "É preferível deixar impune o delito praticado por um culpado que condenar um inocente". (*1)

Essa máxima foi incorporada na doutrina cristã, e sobreviveu ao longo dos séculos - ainda que o "nocemtem absolvere satius est quam innocentem damnari" (*2) encontrasse ouvidos moucos na santa inquisição da Baixa Idade Média... (*3) 

A justiça católica e medieval, ainda em vigor no antigo regime, justificou o resgate da presunção de inocência pelo iluministmo. Esse resgate constituiu um dos princípios da Revolução Francesa e foi sintetizado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujo artigo 9º expressou: 

"Todo homem é presumido inocente até ser declarado culpado. No caso de se julgar indispensável sua prisão, qualquer excesso desnecessário para se assegurar de sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei."

A Declaração Universal dos Direitos do Homem,  proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948,  reconheceu o princípio da presunção de inocência como necessária e inerente ao exercício pleno de defesa, rezando o art. 11 que: 

“§1.Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.”

Seguiu-se a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos dos Homens, de 1950, o Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 e a Convenção Americana sobre os Direitos Políticos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, em vigor desde 1978 - esta última  ratificada pelo Brasil em 1992, positivando expressamente o princípio da presunção de inocência. 

O princípio, como se vê, é claro e expresso  e pressupõe o devido processo legal  para a formação da culpa. 

No entanto, no Brasil, sua expressividade é literal, mais abrangente e não deixa margem a qualquer dúvida, como adiante se verá.  

A  Constituição Federal é taxativa

Reza, a propósito do tema, o art. 5º da Constituição Federal: 

"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

 LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 
(...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."

A Constituição dispensa "interpretações iluminadas" quando expressa as garantias fundamentais, por definição auto aplicáveis. 

A prisão só pode ocorrer mediante o devido processo legal. O acusado tem assegurada sua defesa com os meios e recursos a ela inerentes e a culpa só existe após trânsito em julgado da sentença penal condenatória - vale dizer, esgotados "os meios e recursos" inerentes á defesa. 

A Constituição de 1988 é extremamente garantista. Os termos postos sobre a presunção de inocência jamais constaram com similar expressividade nas Cartas anteriores.  

A culpa, aqui, pressupõe condenação. Esta, só se processará no campo penal após transitada em julgado. Assim,  a menos que incorra nos motivos  justificadores da prisão preventiva, o acusado não será recolhido à prisão antes de esgotados os meios e recursos inerentes à sua defesa. 

A regra foi reforçada infraconstitucionalmente em 2011, com a alteração do art. 183 do Código de Processo Penal, instituindo as mesmas condições para a prisão.  Essa alteração, diga-se, partiu de um projeto de adequação do CPP às normas constitucionais, proposto por juristas de escol, capitaneados pela Professora Ada Pellegrini Grinover, dez anos antes de sua aprovação. 

O Estado, em verdade, deveria ter implementado a regra, agilizando a justiça. Mas ocorre o contrário: julgadores estão suprimindo direitos para manterem-se em dia com o atraso. 

Antecipar, portanto,  a execução da pena, é tratar como culpado quem é presumidamente inocente. Isso afronta expressamente o texto constitucional. 

A falácia da impunidade

Não há o que mudar na norma e, sim, em quem a aplica. 

O STF mudou... e se enrolou. 

O "rolo" é escamoteado acintosamente nos debates jurídicos e na imprensa. 

A falta de memória, nesse campo,  é de fato criminosa. 

Uma coisa é certa: O dispositivo constitucional nunca impediu a prisão de quem deveria permanecer preso, ainda que no curso do processo. 

Quem determina a expedição imediata do mandado de prisão, considerando a periculosidade do agente, a gravidade dos fatos imputados e o risco à Ordem Pública,  é o magistrado. 

Essa decisão pode ocorrer no recebimento da denúncia, durante o processo e no dispositivo final da sentença.  

Entendendo presentes os mesmos requisitos que justificariam a prisão preventiva, o magistrado (ou o tribunal), deve baixar o decreto de constrição. Simples assim. 

Portanto, é preciso sair da esfera do faz de conta e encarar a realidade. Era e é, sim, possível a prisão ser decretada no curso do processo, na prolação da sentença e mesmo na pendência de recurso, nos termos postos pela lei. Basta o magistrado se esforçar e o tribunal compreender, se assim for necessário.

O problema, destarte, não está no critério constitucional. Está na lassidão burocrática que contamina todo o judiciário brasileiro. Uma máquina que não agiliza os processos - muito menos os recursos. 

Essa lassidão torna-se aguda nos tribunais superiores. Ali, nada anda mesmo. As prescrições se sucedem em meio a manobras processuais absurdas - todas possíveis de serem evitadas por um juízo atento e uma procuradoria operosa.

Esses dois elementos - operosidade e atenção, parecem não existir nas instâncias recursais superiores. 

Se somarmos essa inoperância à confusão de ativismos, punitivismos, garantismos, açodamento, preguiça e assoberbamento de demandas, ocorrentes na primeira instância da justiça criminal, compreenderemos onde está a causa da impunidade... 

Aliás, a impressionante produtividades do juízo de Sérgio Moro, no bojo da Operação Lava-Jato, demonstra exatamente isso: quando se quer, se julga. 

O resto, é falácia.

Claro, sempre há quem queira mais. 

Assim é a demanda provocada pelos próprios procuradores envolvidos na operação Lava-Jato.  Eles elaboraram uma proposta de alteração da execução provisória da pena, dentre outras medidas,  para atender justamente sua sanha persecutória - face à morosidade da justiça. Obviamente, a demanda persecutória da força-tarefa guarda características únicas - tamanha a dimensão do fenômeno criminológico ali combatido. 

Daí a prudência, e a jurisprudência, agirem para conter ânimos e produzir, com serenidade, a Justiça. 

O fator Teori 

Prudência, porém, não foi o que ocorreu em 17 de fevereiro de 2016, quando, por maioria dos votos no Plenário, a Suprema Côrte decidiu contra a Constituição, admitindo sem ressalvas o cumprimento de sentença condenatória após a prolação de acórdão condenatório de 2º grau. 

Mais uma vez, o pivô da distorção foi Lula e os pistolões da República, encalacrados na Operação Lava-Jato.

A sanha por manter Lula na prisão, nublou o raciocínio da côrte, que poderia ter mantido a postura anterior à primeira decisão equivocada do Tribunal, permitindo ao juízo elencar os fundamentos para a manutenção do réu preso e, assim, mantendo a espada da justiça pendente sobre a cabeça de Lula.

Agindo como agiu, o STF suprimiu-se como instância e mutilou o instituto do trânsito em julgado. 

Esta decisão constituí o pivô de toda a suprema confusão federal em torno de prisões e impunidades. Ela ocorreu no Habeas Corpus n. 126.292/SP. 

Tratou-se, contudo, de um decisum disfuncional. 

O HC julgado em 2016 se insurgia contra uma decisão do tribunal  de justiça paulista, e informava algo  totalmente diferente: o Tribunal bandeirante, ao determinar a prisão do acusado, fundamentara o ato de constrição no conteúdo de sua própria decisão de improvimento do recurso -  não elencara elementos que sustentassem uma prisão cautelar no bojo do processo. 

O Ministro Teori Zavascki, indicado relator, deferiu liminar e suspendeu a prisão preventiva. 

Teori, naquele momento, agia conforme decidira o próprio plenário do STF, quase uma década antes,  no HC 84078, de relatoria do ministro Eros Grau ( já aposentado).      Nesta histórica decisão, o Supremo Tribunal entendeu que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar, ou seja, “é imperiosa a indicação concreta e objetiva de que os pressupostos descritos no artigo 312 do CPP incidem na espécie”. 

Repita-se, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre foi firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo e presentes os requisitos autorizadores da manutenção em sede cautelar. 

A decisão liminar, no entanto, não correspondeu com o voto posterior do relator. Em plenário, o entendimento de Teori extrapolou, e as coisas mudaram.  

Teori decidiu inovar. 

Após tecer considerações exaustivas comparando o instituto da presunção de inocência com sua implementação em vários outros pontos do planeta e, munido com uma jurisprudência antiga, dos primeiros anos de vigência da constituição de 1988, o ministro fez uma proposição "inovadora", nos termos seguintes: 

"Essas são razões suficientes para justificar a proposta de orientação, que ora apresento, restaurando o tradicional entendimento desta Suprema Corte, no seguinte sentido: a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência." (*4) 

Retirou-se, assim, a cautela em relação ao risco, para transformar a prisão em um mero efeito burocrático decorrente da decisão condenatória em segunda instância. Desprezou-se a peculiaridade da constituição. 

Aquele julgamento foi suspenso - pois a proposição surprendeu os ministros e, posto em julgamento, em fevereiro de 2016, vingou para alterar o entendimento do Tribunal. 

Teori morreu, e sua herança incendiou o cenário jurisprudencial. 

A decisão "data venia" foi um tapa no rosto do direito brasileiro. 

Paradoxo invencível 

A inconstitucionalidade era, e é, óbvia. E é possível de ser constatada no histórico recente do próprio STF. 

Em 2011, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro paulista Cesar Peluso, apresentou Proposta de Emenda Constitucional, de iniciativa do  judiciário, alterando o art. 105 da Carta para modular os efeitos dos recursos criminais no âmbito dos tribunais superiores, assim redigida: 

"Art. 105-A A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.

Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento."

O Supremo Tribunal, portanto, estava plenamente ciente do obstáculo constitucional à execução provisória desmotivada, da decisão condenatória. 

O próprio pretório excelso, assim,  já havia lançado a bola para o campo legislativo. 

O que, afinal, ocorreu? 

A resposta está na conjuntura provocada por dois fatores esquerdistas:  a) no fator PSOL + populismo judicial e, também,  no b) O "fator Lula" - que contaram com a lamentável pusilanimidade do supremo colegiado.

O fator PSOL e o populismo judicial

Os anos posteriores a 2011 - data da introdução do mandamento constitucional no texto da legislação processual penal ordinária,  representaram mudanças no humor da sociedade ante o populismo petista e as instituições nacionais.  

As manifestações de junho de 2013, os escândalos da Lava-Jato, as manifestações pelo impeachment de Dilma e a crise de governo acuaram o  judiciário. O Supremo necessitava "dar uma resposta à opinião pública". 

As demandas sociais  não mais se coadunavam com a tentativa reiterada dos tribunais superiores livrarem-se da carga de trabalho, comprimindo direitos dos que a eles recorriam. Não havia como manter em liberdade notórios corruptos, que ostentavam uma riqueza roubada à  população brasileira que já sofria terrivelmente com uma recessão econômica provocada por desastradas políticas econômicas governamentais.

Por outro lado, a violência sem controle no sistema prisional e a situação carcerária sub humana,  também demandaram o Supremo Tribunal.  Surgiram, então, duas correntes paradoxais: uma pela rejeição do sistema prisional, outra pelo incremento da punibilidade.

A demanda pela humanização do sistema carcerário, menos difusa e melhor articulada pelos seguimentos esquerdistas, ditos de "direitos humanos", veio em forma de uma Ação de  Descumprimento de Preceito Fundamental - a ADPF 347, proposta pelo PSOL em 2015. 

Notoriamente lento, o STF agiu rápido. Afinal, a ação se enquadrava no perfil ativista da composição populista da côrte. Seus julgadores - Ministro Barroso à frente, admitiram em parte a procedência da histórica ADPF e, à guiza de melhor controlar o fluxo de prisões, instituíram uma "linha de produção de liberação de presos" - as famigeradas audiências de custódia, hoje implementadas nos judiciários dos estados e no âmbito federal. 

O Supremo, nesta ação, também baixou um entendimento jurisprudencial de consequências mais complexas. Fez constar em sua decisão que o Brasil vive um "estado de coisas inconstitucional" no sistema de repressão criminal. Informou, em sede de decisão, que nossas prisões se assemelham a "masmorras" - e o preso sempre arca com uma pena "maior que a decretada na sentença". 

Não informou, por óbvio,  que sua própria lentidão no decidir os recursos e Habeas Corpus, também contribuía para esse estado de coisas...

Reconhecida a inconstitucionalidade do sistema prisional, criada a "fábrica de audiências de custódia",  na outra ponta, porém, a pressão por efetividade punitiva continuava.

Conhecida é a diferença de timming entre primeira instância e instâncias recursais, na apreciação dos casos criminais.

Ocorre que, com o advento da Operação Lava-Jato, essa  defasagem, em especial no que tange aos réus submetidos ao foro privilegiado do STF, tornou-se um escândalo. Enquanto a primeira instância condenava envolvidos na Operação Lava-Jato, na casa das dezenas e centenas, o Pretório Excelso caminhava a passos de formiga, no campo originário e no recursal. 

O Supremo Tribunal ficou na berlinda, exposto à crítica sistemática e ao descrédito da sociedade. 

Pusilâmine, a judicatura do STF cedeu às pressões e incorreu no paradoxo invencível. Se na ADPF de 2015,  entendera ser o sistema prisional inconstitucional, devendo o judiciário priorizar a manutenção dos imputados em liberdade até que comprovada em definitivo a culpa (daí a audiência de custódia e as medidas flexibilizadas da liberdade provisória e constrições alternativas),  a Côrte decidiu, por outro lado, em sede de Habeas Corpus, interpretar a possibilidade de prisão após decisão condenatória em segunda instância - antecipando, portanto, o recolhimento do imputado à prisão antes de transitada em julgado sua culpabilidade. 

Foi nesse sentido que o Supremo decidiu o HC 126.292, em 2016,  contra decisão anterior e contra a Constituição, admitindo possível o cumprimento burocrático de sentença condenatória após a prolação de acórdão condenatório de 2º grau.   

Não deu outra. A cornucópia jurisprudencial construída pela "decisão de Pollyanna" na ADPF 347, transformou-se, então,  na caixa de pandora, aberta pelo contraditório HC 126292, que liberou  maldades jurisprudenciais e  persecuções doutrinárias Brasil afora. 

Criou-se, portanto, um novo e paradoxal estado de coisas inconstitucional. 

O mais irônico foi que a proliferação de mandados de prisão, decorrentes do novo posicionamento, não afetou os poderosos pivôs dos escândalos nacionais.   Afetou, isto sim, os pé-rapados da esquina, a massa de desassistidos - os que se vergaram ao peso da autoridade insensível. 

O fator LULA e a gangorra jurisprudencial

Pois bem. Na decisão de fevereiro de 2016, pouco importou o infeliz paulista paciente do Habeas Corpus. 

O que visaram os supremos ministros, primariamente,  foi lançar uma espécie de "aviso aos incautos da Lava Jato". Pretendeu o tribunal alertar à opinião pública que não daria guarida aos que fossem condenados nas instâncias inferiores - todos iriam cumprir pena a partir das condenações em segunda instância. 

Havia uma sombra sobre essa decisão. Se o alvo primário era a "impunidade", o alvo secundário sempre foi o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula, e seu envolvimento escandaloso na Operação Lava Jato,  provocou, assim, disfuncionalidades na jurisprudência do STF.  Essas disfunções prejudicaram a segurança jurídica das decisões do Tribunal e incrementaram o desrespeito à sua imagem institucional.   

Lula, o "príncipe-eleitor" da maioria absoluta dos componentes da Côrte, permanece como a grande sombra no horizonte e, também, surge na raiz da postura populista que hoje comanda o Supremo Tribunal Federal. 

Não há como não constatar o horizonte político da coisa toda. 

É notório que os magistrados da côrte suprema, foram indicados na perspectiva de tutelar juridicamente um "processo bolivariano de consolidação socialista no poder". Competiria a eles, tutelar a implementação das necessárias alterações "não consensuais" de paradigmas, no campo dos costumes, da relação ética de Estado, das garantias individuais, etc...

Porém, com a derrocada do projeto lulopetista e a "sinucada" institucional de seu líder, passaram os nominados e cooptados jurisconsultos a sofrer profunda crise de identidade.  

Ante o volume de crises e escândalos provindos do período de gestão lulo-petista, os ativistas judiciais e geradores de decisões "não consensuais" encastelados no STF, resolveram decidir ao sabor dos ventos, e também contra estes, sem rumo e sem ter um porto seguro onde aportar.

Como diz Sêneca, "Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir"...

O Supremo, então, transformou-se em uma gangorra jurisprudencial,  que desestabiliza o ambiente político do Brasil. 

É nesse sentido que se compreende o vespeiro que ousaram mexer os desnorteados ministros, ao politizar a presunção de inocência sem o devido respaldo constitucional. 

A ordem dos fatores altera o produto

Ocorre porém, que o vespeiro da prisão sem culpa transitada em julgado, transcende os imediatismos políticos. 

O STF, desde o início, foi o grande responsável pelo Habeas Corpus preventivo impetrado em favor de Lula, contra as instâncias julgadoras que consolidaram sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro. Esse HC foi posto no colo dos julgadores supremos, desnudando, outra vez, o questionamento de sua disfuncional decisão de 2016. 

O espectro dessa questão, no entanto, é  muito maior que a  questiúncula lulista visada pelos supremos julgadores, enxergada pela mídia, e debatida por por petistas e jato-lavagistas. 

O Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF) Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), com pedido de liminar, visando ao reconhecimento da legitimidade constitucional da nova redação do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), inserida pela Lei 12.403/2011 e acima já referida. 

As ações visam, obviamente, obrigar o STF a rever sua posição de 2016 e condicionar o início do cumprimento da pena de prisão ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Na ADC 43, o PEN sustenta que o dispositivo é uma interpretação possível e razoável do princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Já a OAB, na ADC 44, argumenta que a nova redação do dispositivo do CPP buscou harmonizar o direito processual penal ao ordenamento constitucional, espelhando e reforçando o princípio da presunção da inocência. 

Em ambos os casos, o pedido de declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP surgiu da controvérsia instaurada em razão da decisão proferida pelo STF no Habeas Corpus (HC) 126292, quando, por maioria, o Plenário considerou válido o cumprimento da pena de prisão antes do trânsito em julgado da condenação.

Porém, a presidente do STF, Ministra Carmem Lúcia, ao receber o HC em favor de Lula, cujo fundamento resvala no mesmo objeto, resolveu priorizar este remédio judicial na pauta do tribunal, postergando as ADCs para um segundo momento. 

Com os ânimos exaltados no ambiente institucional do Brasil, o Supremo corre o risco, claramente, de adotar um decisão "ad hoc", para o "fator Lula"... e... se ver em papos de aranha, pouco tempo depois, quando houver de examinar, em plenário as ações declaratórias, envolvendo a mesma situação - com reflexo indireto sobre a mesma pessoa.

De uma forma ou outra, inevitavelmente, estará reagindo politicamente.  

Um Tribunal acuado, contra a República

O Supremo incorreu em um paradoxo invencível, e está sendo tragado por ele.

Deixou-se levar pela onda autoritária do ativismo judicial, abriu precedentes perigosíssimos que fragilizaram as instituições e gerou conflitos, ao invés de decidi-los. 

Criado o impasse e constatada a trombada de decisões, a atitule do Supremo se altera: os  iluminados de toga, antes protagonistas, agora agem acuados. 

Foi nessa condição, de acuados pelos fatos, que os supremos julgadores postam-se perante o Habeas Corpus preventivo - e aditamentos, requeridos pela defesa do ex-presidente Lula. 

Estão togadamente fragilizados pelo paradoxo invencível, de julgar um fato envolvendo um personagem, revolver o  sistema prisional brasileiro que julgara inconstitucional e, em seguida, conduzir para as "masmorras" (como classificara) uma massa de condenados provisórios presumidamente inocentes, desprivilegiados, enquanto o dito personagem gozará de situação privilegiada.  

Pior ainda, os supremos togados, de uma forma ou outra, ver-se-ão face a face com a mesma esfinge jurisprudencial, tão logo sejam obrigados a julgar as ações declaratórias referentes ao artigo 283 do Código de Processo Penal.  

Sentiram o peso da contradição, ao serem cobrados pelo líder petista condenado, porém beneficiário, ainda que por uma nesga,  da presunção constitucional de inocência, e sob risco de ser tragado pela contradição que aqueles togados produziram. 

Sentem o peso de serem cobrados pela sociedade brasileira, que não mais tolera a escandalosa impunidade, em parte provocada pela lentidão da côrte. 

Logo, poderão ser devorados pela esfinge constitucional que resolveram, inadvertidamente, decifrar... 

O fim da Constituição de 1988

No entanto, a fragilização das colunas pétreas da Constituição -  por obra e graça de seu guardião, o Supremo Paradoxal, revela algo ainda mais grave: a morte da própria Carta de 1988 e da chamada "nova república". 

Cegos pelas obstruções institucionais erguidas, não percebem os operadores do direito, e mesmo seus críticos, que a questão não mais se resolve no ambiente constitucional de 88, muito menos na estrutura sucateada do judiciário que aí está -  menos ainda no Supremo. 

Volto a repetir, esse impasse é revelador. Não se trata apenas de uma estreita somatória de deslizes político-doutrinários com fundo ideológico e interesses rasos. 

O paradoxo que envolveu, no ioiô jurisprudencial, a cláusula pétrea da presunção de inocência, é revelador. Revela e exprime,  fielmente,  o quadro de falência múltipla de órgãos do Estado Brasileiro, a obsolescência do Poder Judiciário e o esgotamento do regime constitucional de 1988.

Essa novela pendular, pelo visto... não terminará. 

Lula é o de menos, ou pode ter sido demais...

Artigo escrito por Antonio Fernando Pinheiro Pedro, no site The Eagle View

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Fonte:
Notícias Agrícolas

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