Desequilíbrios globais ameaçam a sobrevivência do livre comércio, diz "Financial Times"

Publicado em 03/12/2008 21:06
O mundo está sem tomadores de empréstimo privados dispostos e dignos de crédito. O colapso espetacular do sistema financeiro ocidental é um sintoma deste grande fato.

A curto prazo, os governos substituirão os setores privados como tomadores de empréstimos. Mas isso não pode durar para sempre. A longo prazo, a economia global terá que se reequilibrar.

Se os países com superávit não expandirem a demanda doméstica em relação à produção potencial, a economia do mundo aberto poderá até mesmo quebrar. Como nos anos 30, este agora é um risco real.

Para entender isso, é preciso entender como a economia mundial funcionou ao longo da última década. Um papel central foi exercido pelo surgimento dos superávits gigantes de poupança ao redor do mundo.

Em 2008, segundo previsões do Fundo Monetário Internacional, o excesso de poupança agregada em relação ao investimento em países com superávit ultrapassará US$ 2 trilhões.

Os exportadores de petróleo deverão gerar US$ 813 bilhões. Notavelmente, vários países importadores de petróleo também deverão gerar imensos superávits. Os principais entre eles são a China (US$ 399 bilhões), Alemanha (US$ 279 bilhões) e Japão (US$ 194 bilhões).

Como participação do produto interno bruto, a previsão de superávit em conta corrente da China é de assombrosos 9,5%, o da Alemanha é de 7,3% e o do Japão é de 4%. No agregado, a previsão é de que os exportadores de petróleo, mais esses três países, gerem 83% de todos os superávits.

Os países com superávit freqüentemente gostam de contrastar sua prudência com a gastança dos outros. Mas é impossível para alguns países gastarem menos do que suas rendas se outros não gastarem mais.

Emprestadores precisam de tomadores de empréstimo. Sem os últimos, os primeiros terão que abandonar os negócios.

Em 2008, os países com grandes déficits são, pela ordem, Estados Unidos, Espanha, Reino Unido, França, Itália e Austrália. Os Estados Unidos são disparadamente os maiores tomadores de empréstimo de todos.

Estes seis países serão responsáveis por quase 70% dos déficits do mundo. (Também deve ser notado que o mundo parece estar mantendo um superávit de US$ 350 bilhões.)

Alguém poderia argumentar que Espanha, França e Itália apenas compensam os superávits da Alemanha dentro da zona do euro. É verdade que a previsão para a zona do euro como um todo é de que tenha um pequeno déficit de US$ 66 bilhões.

Isto não significa que os vastos superávits da Alemanha não tenham um impacto macroeconômico global. Apesar de ser a segunda maior área econômica do mundo, a zona do euro quase não contribui para compensar superávits em outras partes.

Além disso, as pressões sobre os países com déficit na zona do euro estão crescendo. Crises fiscais são no mínimo concebíveis em alguns casos.

Como apontei anteriormente, a característica mais interessante dos desequilíbrios globais é o padrão correspondente de desequilíbrios financeiros domésticos.

A soma do empréstimo exterior líquido (poupança bruta, menor investimento doméstico) e balanços financeiros do governo e setor privado (o último a soma dos balanços das empresas e lares) deve ser zero.

No caso dos Estados Unidos, as contrapartes de empréstimo estrangeiro líquido nesta década foram, primeiro, os déficits fiscais, depois igualmente déficits do governo e dos lares e, finalmente, déficits do governo de novo.

Durante as recessões, o setor privado recua e o déficit do governo aumenta. Padrões semelhantes podem ser vistos em outros países ricos, notadamente no Reino Unido.

Os booms imobiliários ajudaram a tornar possíveis os imensos déficits dos lares nos Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Austrália e outros países.

Logo, onde estamos agora? Com as empresas não interessadas em gastar mais em investimento do que suas reservas de lucros, e os lares os reduzindo, apesar da política monetária branda, os déficits fiscais estão explodindo. Mesmo assim, os déficits não são grandes o suficiente para sustentar o crescimento de acordo com o potencial.

Assim, estímulos fiscais deliberados também estão sendo adotados: um pequeno acabou de ser anunciado no Reino Unido; um imenso virá com o futuro governo Obama.

Este é o fim de jogo para os desequilíbrios globais. De um lado estão os países com superávit. Do outro estão esses imensos déficits fiscais.

Logo, déficits visando demanda sustentada se empilharão juntamente com os custos fiscais do resgate aos sistemas bancários, que faliram com a febre do financiamento do gasto excessivo de lares não dignos de crédito por meio de empréstimo securitizado garantido por imóveis sobrevalorizados.

Esta não é uma solução durável para o desafio de sustentar a demanda global. Cedo ou tarde -mais cedo no caso do Reino Unido, mais tarde no caso dos Estados Unidos- a disposição de absorver papéis do governo e as obrigações dos bancos centrais chegarão a um limite.

Nesse ponto a crise chegará. Para evitar esse resultado temível o setor privado dessas economias deve poder e estar disposto a tomar empréstimos; ou a economia deve ser reequilibrada, com balanços externos mais fortes como contraparte para os déficits domésticos menores.

Dado o excesso de endividamento privado, o primeiro resultado parece tão improvável quanto letal. Então deve ser o segundo.

Em tempos normais, os superávits em conta corrente dos países que são estruturalmente mercantilistas -isto é, apresentam um excesso crônico de produção em relação aos gastos, como a Alemanha e Japão- ou seguem políticas mercantilistas -isto é, mantêm taxas baixas de câmbio por meio de imensa intervenção na moeda estrangeira, como a China- são úteis. Em uma crise de demanda deficiente, entretanto, eles são perigosamente contracionistas.

Os países com grande superávits externos importam demanda do restante do mundo. Em uma profunda recessão, isto é uma política "empobrecer o vizinho".

Isso impossibilita a combinação necessária de reequilíbrio global com demanda agregada sustentada. John Maynard Keynes argumentou isso quando negociava a ordem pós-Segunda Guerra Mundial.

Resumindo, para que a economia mundial possa sair desta crise em uma condição razoável, os países com superávit e dignos de crédito devem expandir a demanda doméstica até a produção potencial.

Como eles devem atingir este resultado cabe a eles. Mas apenas dessa forma o países deficitários podem esperar realisticamente evitar gastarem até a falência.

Alguns argumentam que uma tentativa dos países com déficits externos de promover um crescimento liderado pela exportação, por meio de desvalorização da taxa de câmbio, é uma política "empobreça o vizinho". Na verdade é o contrário.

É uma política que visa retornar ao equilíbrio. A política "empobreça o vizinho" é para países com imensos superávits externos para permitir um colapso na demanda doméstica.

Eles então exportam o desemprego. Se os países com imensos superávits permitirem que isso ocorra, eles não poderão se surpreender caso os países deficitários venham a recorrer a medidas protecionistas.

Nós todos estamos juntos na economia mundial. Os países com superávit devem acomodar por vontade própria os ajustes necessários dos países com déficit. Se decidirem ficar sentados de lado, insistindo que os países deficitários merecem o que está acontecendo com eles, eles devem se preparar para resultados terríveis.


Fonte: UOL
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Fonte:
UOL

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