Posse de Kátia Abreu na CNA

Publicado em 17/12/2008 21:14

Senadora Kátia Abreu

Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil

DISCURSO DE POSSE

Brasília, 16 de dezembro de 2008

Até aqui, caminhei com tanta luta, coragem e ousadia, e tudo foi tão rápido, os acontecimentos tão decisivos, os cenários se sucederem tão vertiginosamente, que precisei estar atenta para preservar fidelidades sagradas a que nunca espero renegar.

Preservei minha condição humana, a um só tempo princípio e fim das nossas vidas: a fé, a cidadania, a família, a história, a classe, a civilização ocidental.

Cuidei de não me desviar da ética, por maiores que fossem as tentações. O compromisso da honra não se perde jamais para recuperar depois.

Por respeito às minhas convicções democráticas, recusei as utopias estéreis, por mais que parecessem generosas, e as aventuras fantásticas, por mais que acenassem com poder e fortuna.

Finalmente, estive atenta ao horizonte para o qual avanço no tempo e no espaço. Alguma coisa que chamo às vezes de ideal; às vezes de destino; às vezes de esperança e sempre de felicidade.

Se aqui estou, certamente numa altitude superior aos meus méritos e competência, não desembarquei em endereço aleatório.

Não estou invadindo território usurpado.

Podem consultar as vossas bússolas.

Este lugar corresponde em graus, minutos e segundos, à latitude e à longitude do ponto futuro, anunciado e antevisto profeticamente quando se iniciou esta bela jornada de renovação da agropecuária brasileira a que um dia me incorporei ao aderir à luta sindical rural no meu querido Tocantins.

A Presidência da Confederação Nacional da Agricultura, que agora assumo, é uma contingência. O fato permanente é a causa dos produtores rurais brasileiros.

Eu não sou nada, mas a agropecuária é tudo. Que sua verdade seja proclamada.

Atentai bem. Não vos proponho uma abstração, mas um exercício de pura realidade.

Daqui em diante não sou mais eu, somos nós.

Não ouvirão a minha voz, será a nossa voz.

Não são os meus argumentos, são as nossas razões.

Não é a mim que haverão de respeitar, honrar e dialogar, mas à classe dos produtores rurais brasileiros – pequenos, médios e grandes – sem distinção, região ou especialidade – a quem haveremos de fazer ouvir, dialogar, respeitar e honrar.

Não proclamarei nada solitariamente, mas nossa voz coletiva promoverá, com a compreensão da sociedade, do governo e do povo deste País, os objetivos fundamentais da liderança que nos foi confiada e que estão contidos em duas palavras: afirmação e ruptura.

Afirmação e ruptura.

Não calamos nem nos conformamos.

Combateremos os preconceitos e injustiças que atingem os produtores rurais e, com o mesmo diapasão, semearemos otimismo e colheremos safras que gerarão empregos e desenvolvimento. Para felicidade do povo brasileiro.

Eis nosso binômio: afirmação e ruptura.

Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal

Senhor Presidente do Senador Federal

Senhor Ministro da Agricultura

Senhores Governadores

Senhor Presidente da CNA, que acaba de me empossar na Presidência da Confederação Nacional da Agricultura

Senhores Congressistas

Senhoras e senhores.

Amigos e companheiros da CNA, meus estimados Presidentes das 27 Federações estaduais e representantes dos 2.142 sindicatos rurais espalhados pelo Brasil com mais de 1 milhão de produtores  sindicalizados.

Estamos aqui para remover os preconceitos que isolaram, pelos séculos dos séculos, os produtores rurais.

Odiosamente lhes foi atribuída, não como indivíduos, mas como classe, não apenas o poder, mas toda sorte de culpas e anedotas pelo atraso econômico, social, cultural, tecnológico e principalmente, político deste País.

Não. Não temos porque assumir resquícios dos métodos coloniais, de que não somos ao menos herdeiros

Queremos romper com a imagem injusta.

Somos o que somos e não quem nos imaginam.

É falso que sejam os empresários rurais, por se dedicarem à atividade econômica da agricultura, protótipos do atraso, da fortuna injusta, da propriedade usurpada e do poder feudal.

É absurdo que sejam comparados a escravos, dependentes ou trabalhadores de segunda categoria, os empregados das empresas agrícolas. Eles são desde os peões que mourejam no campo aos operadores de maquinas, da informática, os técnicos e engenheiros nas variadas disciplinas, da biologia à química, das operações econômico-financeiras e de comercio internacional, sem os quais é impossível atuar hoje nosso setor produtivo.

É caricato que os empresários rurais hoje sejam enquadrados na velha moldura que a História superou.

Os processos de produção se alteraram radicalmente. São outras as exigências de capital. Inventaram-se e se criam a cada dia novas modalidades de operações financeiras. A própria legislação impôs compulsoriamente os avanços da sociedade, dos direitos sociais à preservação ambiental.

são falsos e inaceitáveis os parâmetros adotados para generalizar os erros de uns poucos, a quem negamos solidariedade e o benefício da impunidade, posto que desonram a categoria.

E quem viva onde não existam as indefectíveis minorias do mal, que atire as próximas pedras!

Maliciosamente, generalizam-se, jogando a carapuça à categoria dos produtores rurais, acusações de práticas que nunca passaram de lamentáveis acidentes, envolvendo estabelecimentos distantes dos grandes eixos da economia, cultura e civilização, todos concentrados próximos aos centros urbanos.

O empresário do campo, que investe e produz no interior remoto, não tem acesso a tecnologias e práticas econômicas que dariam mais lucratividade aos seus negócios, também não estão alerta, e por isso relaxam obrigações a que não poderiam faltar.

A ruptura que anunciamos também contempla o fim da marginalização a que foram relegados.

Vamos socorrer – o verbo é este mesmo, socorrer, no sentido de assisti-los onde estão e conforme suas carências - os agricultores e pecuaristas que erram de boa fé, pois não contestam a lei e a ordem. Antes, precisam adotar sistemas práticos contábeis e legais que os atualizem, tornando-os adimplentes em relação às complexas obrigações trabalhistas, ambientais, tributárias das quais nenhum empresário, de qualquer setor, está dispensado.

Vamos montar brigadas de consultores qualificados que, propriedade por propriedade, peregrinem através dos territórios mais remotos do País. Não irão ensinar a burlar a lei ou fugir dela, mas ajudá-los a implantar sistemas adequados à peculiaridade de cada um, tornando-os excelentes, mais que irrepreensíveis, na atenção às legislações trabalhista, ambiental e outras. 

Em nenhuma hipótese exortaremos à desobediência civil, não desafiaremos a lei instituída, não reclamaremos da sua aplicação e fiscalização, não justificaremos o erro, não pediremos a impunidade.

Cidadãos honrados que trabalham e produzem não precisam de tolerância, mas de respeito e compreensão. Para protegê-los, removeremos as causas da desinformação e da desproteção de que padecem. São companheiros, renegados ao abandono e à desimportância pelo Estado brasileiro, que finge não saber o que lhes deve quando celebra os recordes de produção e os números da balança comercial. Como se os grandes números não representassem a soma de muitas parcelas.

A mão onipresente e implacável que cobra os deveres, que recolhe impostos e pune infrações, precisa ser acompanhada da outra. Aquela que prevê e provê os serviços públicos assegurados pela Constituição e pelas leis e que compreendem direitos que não nos são negados acintosamente.

Será razoável que estejam permanentemente esburacadas e intransitáveis boa parte das rodovias responsáveis por 62% do escoamento das safras, reduzindo substancialmente os ganhos da comercialização?

Quem nos indeniza dos deságios nos preços das exportações?

Será razoável negar garantia de renda ao produtor rural? Discriminado como setor da economia a que se atribui o abastecimento da população, esquecem que contribuímos para as exportações com mais de 170 milhões de toneladas, o excedente de consumo interno.

O produtor rural brasileiro, de que se exige tudo, pode apresentar uma longa e amarga lista de queixas.

Obrigado a admitir o papel considerável da agropecuária na economia nacional – em alguns itens, predominante, como no superavit das exportações – o Estado brasileiro, por sua burocracia e instituições, costuma reagir como se despertasse de um pesadelo.

Renegá-nos. Sempre com profundo mau humor, não nos reconhece. Parece incomodado e considera exótico o fato do agronegócio representar 24% do Produto Interno Bruto, empregar 37% da força de trabalho, gerar 36% das exportações.

Qual a proporção da retribuição do Estado ao setor agropecuário?

Nem um décimo do valor de tão espantosa participação na economia.

São pífias as atenções do Estado brasileiro aos seus produtores rurais.

O próprio plano de financiamento da safra é dramatizado como concessão generosa. Na verdade, todos sabem é o crédito rural é mais significativo e rentável dos investimentos do governo. Nenhum oferece resposta mais rápida e conseqüente. Seja para a economia em geral, seja em benefícios sociais, com a queda relativa do preço dos alimentos. Basta lembrar que nos últimos 10 anos os alimentos da cesta básica caíram em mais de 50% em relação ao valor do salário mínimo.

Além do mais, no Brasil, o crédito rural é focado sempre em defesa do crédito, jamais considera a renda do produtor.

A indiferença atinge igualmente o assalariado rural, que geralmente está fora do alcance da rede de proteção social que atende ao trabalhador urbano. Em conseqüência, a desproteção social dos trabalhadores do campo é um ônus a mais para a empresa agrícola.

Os trabalhadores urbanos contam com os serviços subsidiados de transporte, crédito habitacional, educação e postos de saúde, que, mesmo com toda precariedade, ao menos existem. No campo, até os serviços de transporte escolar raramente atendem aos padrões mínimos de regularidade e segurança.

É inaceitável a desatenção que os ente públicos dispensam aos trabalhadores rurais. A receita tributária gerada pelas empresas agrícolas em que trabalham clama por uma retribuição adequada, sejam municipais, estaduais ou federais, o sistema de vasos comunicantes por onde circula os recursos tributários.

Tal como acontece com os empresários rurais é gritante a desproporção entre o que campo produz e o que recebem seus trabalhadores.

Esta declaração de ruptura também atinge as fantasias caluniosas que reservam aos produtores rurais o protagonismo da vilania na questão do meio ambiente.

A conta da preservação de áreas de cobertura florestal está endereçada a destinatário errado.

Que outra atividade econômica, na indústria e nos serviços é compelida, sem a contrapartida de benefícios fiscais, a privar-se do uso econômico de 20% até 80% do seu patrimônio fundiário, que podia ser usado na atividade produtiva?

A preservação de áreas de proteção ambiental – uma questão de sobrevivência do planeta - é essencial, insubstituível e irrevogável.

Resta a questão: porque motivo os produtores rurais devem assumi-la por sua conta e risco, responsabilizando-se por sua integridade, e expondo-se à pesadas multas pelas ilegalidades cometidas?

Ora, depredadores e especuladores, mesmo que sejam proprietários, não podem usar a condição de empresários rurais.

Ninguém é mais conservancionista, por razões óbvias, de defesa do solo e preservação dos mananciais, do que o agricultor e o pecuarista.

São fatos que explicam porque a agricultura brasileira rompe, corta as amarras, joga ao mar, repudia, condena sem remissão os preconceitos históricos que a isolaram e estigmatizaram. Como é o caso da reforma agrária, que acabou como apelo social. Tornou-se uma assombração viva e perturbadora da produção e da paz social.

O falso conflito, que colocava proprietários e trabalhadores como adversários e concorrentes, não subsistem, a não ser para enriquecer aproveitadores. Proclamam-se revolucionários leninistas, mas operam no mercado negro da chantagem política. Arrecadam verbas do governo e espórtulas generosas em todas as moedas, sempre livres de qualquer prestação de contas.

O vácuo de injustiça e incerteza que perdurou por tanto tempo, está desfeito.

A questão agrária foi superada quando a terra, que se bastava, desde que alguém a semeasse, como se dizia, tornou-se apenas um item da produção rural.

As culturas, qualquer cultura agrícola, qualquer criação, o próprio manejo realizado com os rigores da austeridade ecológica, reclama tecnologia, máquinas, mão de obra treinada, numerosos insumos, uma operação cuja economicidade quase sempre exige operações extensivas, incompatíveis com espaços exíguos.

As disposições legais que regem os contratos entre empresas e empregados, tanto no campo como na cidade, desfazem os mitos, preconceitos e anacronismos.

O pragmatismo do agronegócio definiu a nova realidade.

Empresários e trabalhadores rurais constituem categorias econômicas com seus espaços demarcados por direitos e deveres.

Nossa declaração de ruptura também atinge, infelizmente, a retórica.

Recusamos o delicado favor dos louvores literários. Em alguns momentos, ocupamos espaço na poesia épico, como em Virgílio, nas suas Éclogas. Fomos reconhecidos como um dos fatores a que a vida sob a terra deve o milagre da subsistência. Custam-nos muito recusar a abonação de tais licenças poéticas. Até mesmo quando poderíamos usá-las para, quem sabe, enfrentar a fúria tributarista e a estupidez dos burocratas. Todos parecem estigmatizado pela corrosiva ironia de Voltaire, cuja voz, do longínquo século XVIII podíamos usar como se definisse a postura dos que nos maltratam.

“Encontrou-se o segredo de matar de fome os que, cultivando a terra, fazem viver os outros.”.

Desçamos das metáforas para caminhar com a realidade, áspera porém concreta.

Os consumidores, por exemplo, não nos devem agradecimentos pelos alimentos que consomem, pois pagam por eles, com seu dinheiro suado, os preços do mercado. Preferimos ser recompensados dignamente pelos nossos produtos, como empresários que plantaram, cuidaram e colheram visando auferir lucros legítimos.

As peculiaridades do setor agrícola – relativas objetivamente ao abastecimento, segurança alimentar e até mesmo à segurança de Estado – devem ser equacionadas por políticas próprias de incentivos e compensações, transparentes, sem caráter protecionista ou paternalista, sob forma, por exemplo, de isenção de tributos, como fazem a Grã Bretanha e 34 Estados norte-americanos. No Brasil, infelizmente, a insensatez tributária segue na contramão, onerando a produção de alimentos com impostos e contribuições da ordem de 16,9 %. Bem maio, muito maior, que o total de tributos pagos pelo produtor rural é de, apenas, 0,7% nos Estados Unidos e 5,1% na Europa. 

Devemos ao agronegócio, um conceito que ninguém inventou, mas foi imposto pelas relações de produção, o fim da mística patrimonialista da agricultura.

A propriedade para cultivo já foi penhor de afirmação e qualificação republicana, tão generosamente defendida por Thomaz Jefferson. A propriedade era atributo do cidadão livre.

A evolução do mercado alterou radicalmente as estruturas internas e as relações externas da atividade rural, que se despersonalizou. O produtor rural assumiu o caráter de personalidade jurídica.

A antiga legenda familiar e hereditária foi reduzida ao registro contábil dos bens. Ainda assim, continua sendo, entre todas as profissões, aquela em que mais filhos e netos se sucedem. Eis uma das poucas e estimáveis características da atividade rural que o tempo, a ignomínia e os desestímulos não conseguiram extinguir.

As famílias resistem, gerações após gerações, a todas as dificuldades, das quais, paradoxalmente, a mais difícil é assegurar o reconhecimento de que não exercem um mandato divino. Nem se presumem cidadãos especiais, mas empresários exercitando uma atividade econômica tão nobre e bela quanto comum, expostos às incerteza e dependência do capital, gerência, da tecnologia, das intempéries, do humor dos mercados.

Por mais que corramos o risco da incompreensão, e que sejam consideradas blasfêmias as rupturas que propomos, insistimos nesse caminho. Temos a abonação do humor de George Bernard Shaw, para quem “todas as grandes verdades começam como blasfêmias”.

Os produtores rurais brasileiros não blasfemam. Rompem com os equívocos, porque querem a verdade, só a verdade, nada mais que a verdade, e só a verdade interessa. 

Quanto mais seja reconhecida nossa realidade;

quanto mais transparentes sejam nossas atividades e mais expostas as colunas de haver e dever das nossas contas;

quanto mais sejam verificadas nossas identificações de cidadãos prestantes;

quanto mais se divulguem nossas intenções e opiniões, criticas e projetos;

quanto mais exponhamos nossas concordâncias e discordâncias;

quanto mais se desfaçam equívocos e falsidades que nos envolvem...

Tanto mais e melhor cumpriremos nossa vocação de mulheres e homens de boa vontade, agentes econômicos e cidadãos honrados e patriotas.

Que Deus nos proteja!

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Fonte:
Faep

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