Brasil e EUA podem chegar a acordo sobre retaliações (Editorial)

Publicado em 15/03/2010 09:27
Como toda disputa, o caso entre Brasil e Estados Unidos, provocado pelos subsídios americanos ilegais aos produtores de algodão, tem a capacidade de revelar muito da situação dos adversários. As visitas ao Brasil, em menos de um mês, da secretária de Estado, Hillary Clinton, e do secretário de Comércio, Gary Locke, foram pródigas em declarações das autoridades americanas sobre a relevância do Brasil no cenário internacional e do valor que os EUA dão ao papel assumido pelo governo brasileiro nas relações diplomáticas no mundo e na região. Traduzindo: os EUA querem manter a briga no terreno onde ela começou, o campo do comércio.

Os americanos estão acostumados a disputas comerciais, causadas pelo protecionismo americano ou por medidas ambientais que resultam em barreiras de acesso. Na maior delas, o México ganhou, no mecanismo de solução de controvérsias do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o direito a retaliar o país em US$ 2 bilhões. O caso foi gerado por normas nos EUA que, contrariando as regras do Nafta, bloquearam o acesso de caminhões mexicanos às estradas americanas.

Segundo observadores da política protecionista dos EUA, os mexicanos foram "cirúrgicos": escolheram produtos das regiões de maior densidade eleitoral dos parlamentares que votaram a medida contra os caminhões mexicanos, fazendo os eleitores sentirem pessoalmente as agruras das restrições comerciais entre parceiros. Ainda não se sabe no que dará essa disputa, mas ela certamente não causou uma crise política entre os dois países.

O Brasil optou por caminho parecido, ao decidir sanções contra os EUA e deixar de fora produtos de grande peso na estrutura produtiva brasileira, dando preferências a bens de luxo e produtos agrícolas (de onde parte o lobby para manter os subsídios ao algodão americano, que deprimem artificialmente os preços mundiais).

É sob essa lógica que se deve entender a decisão de incluir as importações de trigo americano entre as afetadas pelas sanções brasileiras. Sua tarifa de importação foi elevada de 10% para 30%. Boa parte dos moinhos, que até hoje escondem da opinião pública o real montante de seus estoques, para facilitar a especulação com os preços de produtos como pães e farinhas, viram nessa medida uma boa oportunidade de fazer pressão para aumentar o valor cobrado por derivados de trigo.

A desinformação sobre o caso e sobre o mecanismo de retaliação na Organização Mundial do Comércio facilitou o lobby oportunista. Logo, espalhou-se o alarme de que iria subir o preço do pãozinho. De fato, impressiona o valor atribuído às importações de trigo americano que serviu de base ao cálculo das retaliações: dos US$ 591 milhões em importações afetadas pelas sanções, US$ 319 milhões seriam relativos às importações de trigo. Esse número é enganoso, porém.

Seguindo regras da OMC, o Brasil calculou o valor das retaliações com base nas importações de 2008, quando, por quebra de safra no Brasil e na Argentina, as compras de grão nos EUA subiram extraordinariamente. O trigo americano importado tem muito menos relevância agora; já em 2009, as importações de trigo dos EUA haviam despencado para US$ 46 milhões - hoje representam 2% das importações totais.

As importações totais de trigo, por sua vez, devem cobrir quase metade das necessidades do produto no mercado nacional. O trigo, segundo o Ministério da Agricultura, representa menos de 20% do preço final do pão. Muito pouco para justificar a previsão alarmista, divulgada sem critério, de que as sanções contra os EUA podem levar ao aumento de até 16% no preço do pão.

Há focos de atrito no caminho que liga Brasil e Estados Unidos, desde divergências sobre Cuba, Irã, Venezuela e Honduras à decepção com a licitação dos caças da Força Aérea Brasileira e rusgas em torno do etanol e de outras barreiras americanas a produtos brasileiros. Mas, até agora, o tom das autoridades americanas tem confirmado a impressão de que não interessa a Obama abrir, ao sul do Rio Grande, outro foco de conflito para sua política externa.

Se o governo brasileiro evitar bravatas e provocações, não será logo o algodão o motivo de atritos sérios entre os dois países.

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Fonte:
Valor Econômico

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