Países traçam cenários para salvar Doha
"Não é razoável imaginar que em um passe de mágica se possa dobrar a exportação sem aumentar mecanismos artificiais distorcivos para seus produtos, ou de esperar redução unilateral de barreiras dos outros países", afirmou o embaixador brasileiro junto a OMC, Roberto Azevedo.
O representante europeu de comércio, Karel de Gucht, em entrevista à imprensa belga, também considerou "desconcertante" inclusive o vocabulário usado pelo presidente americano Barack Obama na área comercial. "Ele fala sobre exportações e não sobre comércio", disse de Gucht, estimando que a escolha não é por acaso. "Comércio é rota de mão dupla, significa aceitar que as importações também dobrem", avisou.
Depois de passar por Washington, o ministro de Comércio da Índia, Anand Sharma, disse ter opinião "similar" com a dos europeus, segundo agências de notícias. Outros negociadores notam que, enquanto os EUA repetem ser a economia mais aberta do mundo, na prática é também a que mais distorce o comércio com dezenas de bilhões de dólares de subsídios para seus produtores, o que é uma das vias do protecionismo.
Brasil e EUA terão bilateral em Genebra para discutir Doha. Outra reunião será marcada fora de Genebra para discutir a compensação americana para o Brasil não retaliar produtos americanos no contencioso do algodão.
A política comercial dos EUA estará de novo sob os ataques dos países na OMC, quando os 153 países membros vão tentar definir o que fazer com a Rodada Doha, diante da recusa americana em negociar. O desafio é uma "sinuca de bico": como criar um processo de negociação que permita a retomada de Doha, sabendo-se de antemão que vai levar a lugar nenhum. "O Brasil e outros 150 países estão interessados em desbloquear Doha o mais rápido possível, mas é evidente a absoluta incapacidade americana de negociar um resultado capaz de ser vendido a seu Congresso", diz Azevedo.
Ilustrando a postura de Obama na área comercial, seu mandato está na metade e até hoje o presidente americano não conseguiu aprovar no Congresso o nome do embaixador junto à OMC.
O consenso em Genebra é de que não há condição alguma de se fazer algo no futuro previsível para reativar Doha. Assim, vários cenários estarão na mesa. Primeiro, seria congelar a negociação global, mas nenhum país vai se arriscar a propor isso formalmente e assumir o ônus político.
Segundo, China, Índia e países pobres defendem um pacote de "colheita antecipada" (do inglês early harvest) para o final do ano - ou seja, tentar garantir os primeiros resultados de Doha. O problema é definir quais temas. Um deles seria assegurar acesso livre para os produtos dos mais pobres nos mercados ricos e emergentes. Mas até nesta área os EUA se opõem, por causa de sua indústria têxtil.
Outra proposta inclui um acordo de eliminação antecipada dos subsídios à exportação agrícola. Mas aí é a União Europeia que recusa. O cenário de os países listarem os temas mais urgentes, para os lideres decidirem, levantado por Celso Amorim, ministro do Brasil, em Davos, tem a rejeição dos EUA. Washington não quer nem ouvir falar de discutir isso no G-20, reunindo as maiores economias. Também a ideia de um compromisso logo para facilitação de comércio (menos burocracia nas aduanas), tem pouco interesse para vários países.
Restariam dois cenários: primeiro, manter a situação atual sem nada em Doha. Isso só beneficia a inação dos EUA, que não têm condições de negociar nada, mas tampouco assumem essa situação e joga a culpa no Brasil, China e Índia.
Segundo, desmontar o pacote já negociado ao longo de oito anos, como Washington exige. Isso confunde tudo, as barganhas voltam quase a estaca zero. Esse cenário também resultará em nada no médio prazo porque os EUA continuam incapazes de reduzir seus subsídios agrícolas, diante do lobby protecionista que tende a endurecer com a proximidade das eleições legislativas de novembro.