Para uma família de políticos, questão agrária está dentro de casa nas Filipinas

Publicado em 01/04/2010 10:06
Desigualdade na distribuição de terras é um grande problema no país. Propriedade da família da ex-premiê Corazón Aquino é centro de discórdia.
Assim como seu pai antes dele, Buenaventura Calaquian trabalhou nos campos de cana de açúcar da Hacienda Luisita, uma plantação de propriedade da família da ex-presidente Corazón Aquino. Na antiga e algumas vezes sangrenta batalha pelo controle das terras daqui, Calaquián, de 58 anos, saiu-se melhor que a maioria. 

Nos últimos anos, ele tem ocupado ilegalmente 1,5 hectares, onde cultiva arroz e vegetais. Passa a maior parte dos dias observando seus campos de uma cabana provisória, cujo telhado de palha é forrado com caixas de papelão abertas. Pequenos lucros das vendas de tomates permitiram que ele comprasse 50 patos, que nadam num riacho vizinho. 

“Nunca quero voltar à cana de açúcar”, afirmou Calaquián enquanto sua esposa, Maria, de 46 anos, usava um único balde para carregar água do riacho até diversas fileiras desiguais de tomates, de novo e de novo. “Isto é melhor”. 

Apesar da declaração do governo de que o programa de distribuição de terras, que já dura duas décadas, tem sido um sucesso, a maioria dos agricultores das Filipinas ainda não conseguiu ver benefícios significativos. A desigualdade na distribuição de terras, o principal problema deste país, continua concentrando poder econômico e político nas mãos de grandes famílias de proprietários – e estimulando insurgências armadas, incluindo a mais longa rebelião comunista da Ásia. 

O problema da terra atraiu nova atenção desde que o filho de Aquino, Benigno Aquino III, declarou sua candidatura para as eleições presidenciais de 10 de maio, incorporando o legado de campanha de sua mãe, o de “poder do povo”.
 
Embora Corazón Aquino tenha tornado a reforma agrária uma prioridade, ela permitiu que famílias de proprietários eviscerassem seu programa de distribuição. Críticos dizem que não há exemplo maior do fracasso da reforma agrária do que a propriedade de sua própria família.

Durante os últimos cinco anos, a família tem combatido na Suprema Corte uma diretiva governamental para distribuir a Hacienda Luisita, de 4.050 hectares – a segunda maior propriedade de uma família nas Filipinas, cerca de 130 quilômetros ao norte de Manila –, a dez mil agricultores. 

Em 2004, os militares e a polícia mataram sete pessoas durante uma manifestação de agricultores lutando por terras e salários maiores. Desde então, a Hacienda Luisita Incorporated conseguiu preencher apenas 40% da propriedade com cana de açúcar; o restante foi cultivado por agricultores individuais ou permanece ocioso. 

Criticado pela posição de sua família, Benigno Aquino, de 50 anos, principal candidato às eleições presidenciais, anunciou recentemente que a família iria transferir as terras aos agricultores após se assegurar de que as dívidas estivessem pagas. 

“A terra será deles, limpa e livre”, disse Benigno Aquino, numa entrevista em Manila. Mas seu primo, Fernando Cojuangco, diretor de operações da holding de empresas que administra a plantação, afirmou que a extensão da família Cojuangco, donos dessa plantação desde 1958, não tem intenção de abrir mão das terras ou do negócio de açúcar. 

“Não, não faremos isso”, disse Cojuangco, de 47 anos, numa entrevista local. “Acho que isso seria irresponsável, pois sinto que o correto a fazer é continuar com o que temos aqui. O cultivo de açúcar tem de ser feito – é o tipo de negócio que tem de ser feito no estilo plantation”. 

Ele descartou a visão generalizada de que Corazón Aquino, sua tia, havia tornado a reforma agrária uma peça fundamental de seu governo. “Existe algum documento dizendo que isso era uma peça fundamental? Sempre fiz essa pergunta, mesmo a seus membros do gabinete. Por acaso existiu uma reunião do gabinete onde ela disse que isso era uma peça fundamental?” 

Em 1987, quando Corazón Aquino, nascida Cojuangco, começou a colocar em prática a redistribuição de terras, o governo estimou que 10% da população controlava 90% da terra de agricultura do país. 

O governo diz que, sob o programa, já redistribuiu 4 milhões de hectares de terras privadas e 3 milhões de hectares de terras públicas, permitindo que cada família agricultora recebesse 3 hectares com empréstimos governamentais. O governo afirma que os proprietários que renunciaram a suas terras receberam compensações; por plantações de cana, o pagamento é de aproximadamente mil dólares por hectare. 

No ano passado, o governo estendeu o programa para redistribuir um milhão de hectares de “terras problemáticas”, que as autoridades haviam sido incapazes de distribuir “graças à resistência de alguns grandes proprietários”, explicou Nasser C. Pangandaman, secretário do Departamento de Reforma Agrária. 

Pangandaman descreveu o programa como um sucesso. Contudo, a maioria dos grupos de agricultores, acadêmicos e homens de negócios questionam os números do departamento. “O departamento nunca nos ofereceu um inventário claro e crível das terras que foram distribuídas”, afirmou Rafael V. Mariano, congressista membro do Anakpawis, um partido político com base em sindicatos. 

Além disso, os legisladores, cuja maioria vem de grandes famílias de proprietários de terras, incluíam exceções e lacunas no programa, dizem os críticos. “Graças a essas lacunas, os donos de terras conseguiram encontrar inúmeras maneiras de recuperar suas propriedades”, disse Roland G. Simbulan, professor de estudos de desenvolvimento e gerenciamento público na Universidade das Filipinas. 

A maior lacuna, segundo os críticos, era um programa de compartilhamento de ações e lucros, com o qual Corazón Aquino concordou sob pressão de grandes proprietários. Ao invés de redistribuir suas terras, cerca de 12 famílias, incluindo a sua própria, puderam transformar agricultores em acionistas. 

O governo acabou descobrindo que os Cojuangcos haviam violado o acordo, ao deixarem de dividir os lucros com os agricultores, e ordenaram que a terra fosse redistribuída, disse Pangandaman, do departamento de reforma agrária. 
Cojuangco afirmou que a ordem foi um ataque de motivação política contra sua família. A empresa familiar tratava bem os trabalhadores, proporcionando seguro-saúde, casas para alguns, empréstimos sem juros um salário mínimo garantido, continuou ele.

Os agricultores da Hacienda Luisita votaram a favor do programa de divisão de ações e lucros em 1989. Porém, graças ao declínio da indústria do açúcar e à mecanização, a quantidade de trabalho disponível diminuiu tão drasticamente que alguns agricultores estavam trabalhando apenas um dia por semana no final da década de 1990, segundo trabalhadores agrários e autoridades sindicais. 

Desde a manifestação de 2004, muitos foram incapazes de voltar ao trabalho na hacienda, da mesma forma que não possuíam os fundos para comprar sementes e fertilizantes necessários para cultivar as terras que ocupavam. 

Numa comunidade chamada Paunawa, Esmeraldo Alcantara, de 42 anos, era um dos inúmeros desempregados frustrados colhendo gravetos para vender por cerca de 30 centavos o fardo. 

“Se eu tivesse terra e capital, seria o ideal”, disse Alcantara, que controla um lote de um hectare onde ele já desistiu de plantar. “Como não tenho, voltar ao trabalho na hacienda seria melhor. Mas também não posso fazer isso”. 

Uma placa na entrada da vila adverte motociclistas usando capacetes ou bandanas que fiquem longe – um lembrete da tumultuada manifestação, quando autoridades sindicais, agricultores e apoiadores foram assassinados, algumas vezes por homens em motocicletas (acredita-seque os militares filipinos, que acusam líderes agrários de ligações com a rebelião comunista, estariam por trás desse tipo de assassinato). 

Cojuangco disse não ter medo de entrar na hacienda que sua família controla há três gerações. “Posso ir até lá e entrar nas comunidades”, afirmou ele. 

Lito Bais, chefe do sindicato dos trabalhadores agrários, disse: “Se isso é verdade, então por que ele não está fazendo isso?”. “Acredito que, enquanto os Cojuangcos estiverem aqui, eles nunca desistirão de suas terras”, afirmou Bais. “E, enquanto nós estivermos aqui, nunca desistiremos de nossa luta por esta terra”.
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Fonte:
G1.com

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