Crise no Euro afeta Brasil e China

Publicado em 21/05/2010 09:31
A crise do euro levou o Índice Bovespa a cair 2,51% ontem, para 58.192 pontos, o menor nível desde 9 de setembro de 2009. Somente neste mês, a perda do índice já chega a 13,83%, percentual que, em dólar, sobe para -20,15%. Mas essa perda não é apenas do Brasil. A aversão ao risco provocou uma onda de vendas de ações por estrangeiros em todo o mundo, em especial na Europa, o epicentro da crise, como mostra a queda de 21% no ano na Bolsa de Madri. O movimento atingiu também a China, que enfrenta ainda um processo de desaceleração da economia e cuja bolsa cai outros 21% no ano. O índice MSCI Emergentes recua 10,73% no mês e 7,98% no ano, até ontem.

A aversão ao risco fica clara no saldo de investidores estrangeiros da Bovespa. No mês, até dia 18, o saldo está negativo em R$ 1,7 bilhão e, no ano, em quase R$ 3 bilhões (R$ 2,998 bilhões). Segundo o responsável por clientes internacionais de um grande banco privado, que pediu para não ser citado, os fundos hedge, mais especulativos, estão vendendo mercados emergentes - e por tabela Brasil - para reduzir o nível de risco das carteiras devido ao aumento da incerteza no cenário macro global. Em especial com relação a possíveis problemas com os bancos europeus. Isso ocorre apesar de eles continuarem a ver os fundamentos do mercado e da economia brasileira de forma positiva.

Já os fundos internacionais de ações voltados para o Brasil estão vendendo apenas quando há resgate, avalia esse diretor. Alguns estão também ajustando as carteiras para aplicar mais em ações menos voláteis. "O nível de resgate nesses fundos não tem sido alto, mas deve aumentar", diz, antevendo novos efeitos da crise.

O cenário para o Brasil não mudou, mas há uma nova ameaça de crise sistêmica com o enfraquecimento de uma moeda importante como o euro e a incerteza com o futuro das economias da Europa, diz Antonio Milano, diretor da Fator Corretora. "Como subimos bastante no ano passado e no começo do ano, com expectativa de crescimento forte, Copa do Mundo, Olimpíadas e IPOs (aberturas de capital na sigla em inglês), o gestor externo procura vender onde os ganhos foram maiores", explica.

Outro fator que ajuda a derrubar o mercado é o desmonte de operações de compra de ações com financiamento em dólar, chamado de "cash and carry". O estrangeiro pegava dinheiro nos Estados Unidos ou na Europa pagando juros baixíssimos para comprava ações aqui e ganhava com a alta dos papéis e a queda do dólar em relação ao real. Com o dólar subindo e as ações caindo, a operação deixa de ser atrativa e as vendas derrubam ainda mais o mercado.
Fundos locais também tiveram seu papel, lembra Milano. Apesar de serem poucos, eles acabam ampliando a queda de algumas ações de menor liquidez, mesmo que tenham fundamentos. O caso dos fundos alavancados da GWI foi o mais conhecido do mercado. A carteira GWI Leverage perde 52% no ano até dia 18.

Já no caso das pessoas físicas, a sensação é de perplexidade, diz Milano. "Há um descompasso entre as notícias positivas da economia brasileira, que as pessoas ouvem todo dia, e o mercado, que só cai", afirma. Mas não há um processo de venda generalizada de ações, com exceção dos mais agressivos, que tinham posições alavancadas em operações a termo. Eles tiveram perdas e saíram do mercado. O investidor de longo prazo, que compra as ações e as encarteira, está apreensivo, mas acompanhando e esperando para comprar mais. "Países com mercado interno forte e em crescimento, como Brasil, China e Estados Unidos, devem sofrer menos", diz.

A saída do capital externo da bolsa nos últimos dias está longe de apontar um arrefecimento do encanto do investidor estrangeiro com o Brasil, avalia Odair Abate, estrategista do private bank do Santander. "É apenas um movimento técnico, de curto prazo, com gestores ajustando posições", diz. Para Abate, o mercado exagera ao avaliar o estrago que a crise europeia terá sobre o crescimento mundial e castiga demais a bolsa brasileira. "Não dá para esquecer que a economia americana está se recuperando, e na própria Europa, há a Alemanha."

Sem uma desaceleração aguda do ritmo do PIB global, com redução forte do crescimento chinês, não há motivo para esperar um tombo das commodities. Ponto para a parte "chinesa" da bolsa, que ainda define o rumo do Ibovespa. E o mercado local, diz Abate, emite sinais de crescimento econômico "consistente e vigoroso", que será apenas suavizado pelo aperto monetário e o corte de gastos anunciado pelo governo. "A perspectiva de geração de lucros das empresas listadas na bolsa continua muito favorável", afirma.

Ele estima que a relação preço sobre lucro (P/L, que dá uma ideia dos anos que o investidor levaria para ter o retorno do investimento) do Ibovespa está perto de 11 vezes, um nível baixo para o padrão histórico do índice. "É um patamar muito atraente, e dá para dizer que a bolsa está barata", afirma Abate. "O Ibovespa pode até cair um pouco mais no curto prazo, mas já dá para o investidor começar a comprar".

Há, porém, visões bem mais negativas para o mercado. Frederico Soares, chefe da mesa de operações da HSBC Corretora, diz que a bolsa pode até ter repiques de alta, mas enquanto a crise do euro não estiver solucionada, a aversão ao risco vai continuar. Ele lembra que muitas corretoras e bancos trabalham com projeções gráficas que indicavam 60 mil pontos como um suporte importante do mercado. "Abaixo disso, o Ibovespa pode ir para 50 mil pontos", diz. Ele observa que os fundamentos das empresas continuam bons. "Mas como o estrangeiro tem de reduzir risco, ele vende ações de emergentes de uma maneira geral, independente da situação macro estar boa", diz. Com isso, o mercado perde o chão, porque o que passa a mandar nos preços é o fluxo.

Fonte: Valor Econômico

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