Papa condena aborto e pede a bispos do Brasil que orientem politicamente fiéis

Publicado em 28/10/2010 10:51 e atualizado em 28/10/2010 14:50
Bento XVI afirmou que católicos devem 'usar o próprio voto para a promoção do bem comum'

Em reunião em Roma na manhã desta quinta-feira, 28, o papa Bento XVI conclamou um grupo de bispos brasileiros a orientar politicamente fiéis católicos. Sem citar especificamente as eleições de domingo, o papa reforçou a posição da Igreja a respeito do aborto e recomendou a defesa de símbolos religiosos em ambientes públicos. "Quando projetos políticos contemplam aberta ou veladamente a descriminalização do aborto, os pastores devem lembrar os cidadãos o direito de usar o próprio voto para a promoção do bem comum", disse. 

Ettore Ferrari/EFE - 27.10.2010
Ettore Ferrari/EFE - 27.10.2010
Papa pediu que bispos brasileiros orientem fiéis

Falando a bispos do Maranhão, Bento XVI reconheceu que a participação de padres em polêmicas podem ser conturbadas. "Ao defender a vida, não devemos temer a oposição ou a impopularidade", continuou. O pontífice se posicionou também sobre o ensino religioso nas escolas públicas e, relembrando a história do País com forte presença católica e o monumento do Cristo Redentor, no Rio, orientou os sacerdotes que encampem a luta pelos símbolos religiosos. "A presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia de seu respeito", concluiu.

Leia abaixo a íntegra do discurso de Bento XVI:

"Amados Irmãos no Episcopado,

Para vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (2 Cor 1, 2). Desejo antes de mais nada agradecer a Deus pelo vosso zelo e dedicação a Cristo e à sua Igreja que cresce no Regional Nordeste 5. Nos nossos encontros, pude ouvir, de viva voz, alguns dos problemas de caráter religioso e pastoral, além de humano e social, com que deveis medir-vos diariamente. O quadro geral tem as suas sombras, mas tem também sinais de esperança, como Dom Xavier Gilles acaba de referir na saudação que me dirigiu, dando livre curso aos sentimentos de todos vós e do vosso povo.

Como sabeis, nos sucessivos encontros com os diversos Regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tenho sublinhado diferentes âmbitos e respectivos agentes do multiforme serviço evangelizador e pastoral da Igreja na vossa grande Nação; hoje, gostaria de falar-vos de como a Igreja, na sua missão de fecundar e fermentar a sociedade humana com o Evangelho, ensina ao homem a sua dignidade de filho de Deus e a sua vocação à. união com todos os homens, das quais decorrem as exigências da justiça e da paz social, conforme à sabedoria divina.

Entretanto, o dever imediato de trabalhar por uma ordem social justa é próprio dos fiéis leigos, que, como cidadãos livres e responsáveis, se empenham em contribuir para a reta configuração da vida social, no respeito da sua legítima autonomia e da ordem moral natural (cf. Deus caritas est, 29). O vosso dever como Bispos junto com o vosso clero é mediato, enquanto vos compete contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças morais necessárias para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Quando, porém, os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas (cf. GS, 76).

Ao formular esses juízos, os pastores devem levar em conta o valor absoluto daqueles preceitos morais negativos que declaram moralmente inaceitável a escolha de uma determinada ação intrinsecamente incompatível com a dignidade da pessoa; tal escolha não pode ser resgatada pela bondade de qualquer fim, intenção, consequência ou circunstância. Portanto, seria totalmente falsa e ilusória qualquer defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até à morte natural (cf. Christifideles laici, 38). Além disso no quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais inerme que um nascituro ou um doente em estado vegetativo ou terminal? Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático - que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana - é atraiçoado nas suas bases (cf. Evangelium vita, 74). Portanto, caros Irmãos no episcopado, ao defender a vida não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambiguidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo" (ibidem, 82).

Além disso, para melhor ajudar os leigos a viverem o seu empenho cristão e sociopolítico de um modo unitário e coerente, é "necessária - como vos disse em Aparecida - uma catequese social e uma adequada formação na doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o "Compêndio da Doutrina Social da Igreja"" (Discurso inaugurai da V conferência Geral do Episcopado Latino Americano e do Caribe, 3). Isto significa também que em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum (cf. GS, 75).

Neste ponto, política e fé se tocam. A fé tem, sem dúvida, a sua natureza específica de encontro com o Deus vivo que abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio da razão. "Com efeito, sem a correção oferecida pela religião até a razão pode tornar-se vítima de ambiguidades, como acontece quando ela é manipulada pela ideologia, ou então aplicada de uma maneira parcial, sem ter em consideração plenamente a dignidade da pessoa humana" (Viagem Apostólica ao Reino Unido, Encontro com as autoridades civis, 17-IX-2010).

Só respeitando, promovendo e ensinando incansavelmente a natureza transcendente da pessoa humana é que uma sociedade pode ser construída. Assim, Deus deve "encontrar lugar também na esfera pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social, econômica e particularmente política" (Caritas in veritate, 56). Por isso, amados Irmãos, uno a minha voz à vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa, e mais concretamente do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do Estado.

Queria ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu respeito. Eles têm um valor particular, no caso do Brasil, em que a religião católica é parte integral da sua história. Como não pensar neste momento na imagem de Jesus Cristo com os braços estendidos sobre a baia da Guanabara que representa a hospitalidade e o amor com que o Brasil sempre soube abrir seus braços a homens e mulheres perseguidos e necessitados provenientes de todo o mundo? Foi nessa presença de Jesus na vida brasileira, que eles se integraram harmonicamente na sociedade, contribuindo ao enriquecimento da cultura, ao crescimento econômico e ao espírito de solidariedade e liberdade

Amados Irmãos, confio à Mãe de Deus e nossa, invocada no Brasil sob o título de Nossa Senhora Aparecida, estes anseios da Igreja Católica na Terra de Santa Cruz e de todos os homens de boa vontade em defesa dos valores da vida humana e da sua transcendência, junto com as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens e mulheres da província eclesiástica do Maranhão. A todos coloco sob a Sua materna proteção, e a vós e ao vosso povo concedo a minha Bênção Apostólica."

Feministas dão aval a recuo de Dilma sobre aborto

"Eu entendo e faria a mesma coisa." Quem fala é Rose Marie Muraro, patrona do feminismo nacional, e o tema é o recuo da presidenciável Dilma Rousseff (PT) sobre a descriminalização do aborto. "Há oito anos [de governo] para isso, ou quatro que seja. Não é o fim do mundo", diz.

Como Muraro, outras feministas --petistas declaradas, intelectuais e integrantes de ONGs-- manifestaram à Folha apoio à candidata, mesmo que isso signifique apoiar alguém cujo discurso enverede pela rejeição de uma das bandeiras mais caras ao movimento de mulheres.

A defesa intransigente da liberação do aborto perdeu espaço frente à "onda conservadora", dizem. O coro é que, sob pressão religiosa, não é hora para o assunto.

"Numa campanha eleitoral só traz esse tema quem quer queimar o movimento feminista", afirma Maria Laura Pinheiro, ex-secretária-adjunta da SEPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e coordenadora da comissão tripartite que fez o projeto de lei da descriminalização do aborto, em 2005.

A questão é "secundária no processo eleitoral", classifica Clara Ant, assessora licenciada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora na campanha de Dilma.

Se não abarcou essa demanda feminista durante sua campanha, pelo menos Dilma trata a questão como de saúde pública, defende Maria Lucia da Silveira, socióloga e militante da Marcha Mundial de Mulheres.

"O correto é dizer sou contrário à criminalização. E é o que ela está falando", diz.

Afirmar que aborto não é caso de polícia é, justamente, o discurso adotado recentemente por Dilma, depois que a candidata foi bombardeada por setores religiosos e recuou da defesa da descriminalização do aborto --posição declarada há três anos.

Se não fosse a polêmica criada em torno do assunto, a eleição seria a "melhor das oportunidades" para tratar da legalização do aborto, defende Natalia Mori, da ONG Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria).

O aborto, porém, não foi a única ausência sentida. "Ainda caminhamos para a construção do que significa ser uma candidatura que apoie os direitos das mulheres. Dilma e Marina [Silva, PV] muito pouco fizeram. Mas se aproximam mais que os demais candidatos", diz.

As feministas consultadas rejeitaram que o apoio à Dilma, mesmo que sem a defesa da legalização do aborto, seja voltar atrás em suas bandeiras.

"Não cabe num programa de governo a legalização do aborto. Uma coisa são as nossas bandeiras, outra é o programa de governo", diz Suely de Oliveira, ex-secretária de articulação institucional da SEPM e colaboradora do programa de Dilma.

Para Oliveira, cabe ao Congresso a discussão do tema. Dilma, por outro lado, como potencial gestora, deveria focar no atendimento a quem aborta.

Rosane da Silva, secretária nacional da mulher trabalhadora da CUT (Central Única dos Trabalhadores), conclui o assunto da seguinte forma: "Mesmo o Lula, presidente da República, não fez a revolução no mundo do trabalho, ele fez o que era possível e estava dentro dos parâmetros da legalidade. E é assim que a companheira Dilma vai se comportar".

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Fonte:
Estadão.com.br

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