Rússia barra frigoríficos; Brasil vê pressão ligada a apoio à OMC

Publicado em 03/06/2011 08:02
O embargo temporário da Rússia às carnes produzidas em 85 estabelecimentos localizados nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso é uma "resposta" de Moscou ao "corpo mole" do governo brasileiro em defesa da entrada do parceiro na Organização Mundial do Comércio (OMC). Entre as empresas afetadas pela suspensão, anunciada ontem, estão JBS, Brasil Foods, Marfrig e Minerva. A medida entra em vigor no dia 15 deste mês.

Fontes do governo informam que autoridades russas, sobretudo o primeiro-ministro Vladimir Putin, já tinham "deixado claro" ao vice-presidente Michel Temer a disposição de retaliação de Moscou às dificuldades impostas pelo Brasil nas negociações para a OMC. Temer comandou, em meados de maio, uma comitiva em visita ao país e ouviu do premiê que o Brasil tem sido pouco "proativo". O chefe do serviço sanitário russo, Sergei Dankvert, também reforçou o recado.

Entre outros temas, essa comitiva foi à Rússia justamente para tratar do embargo que o país havia imposto a 29 estabelecimentos exportadores de carnes em abril.

A reação dos russos, considerada desmedida, deve provocar uma ofensiva diplomática brasileira para "apertar" as autoridades do parceiro comercial. Antes, porém, uma missão técnica será enviada a Moscou para tentar um acordo sanitário para levantar o embargo às exportações brasileiras de carnes bovina, suína e de frango. Se isso fracassar, avalia o governo, ficará caracterizada a existência de "outras motivações" para a decisão russa, como assinalou, em nota, o secretário de Defesa Agropecuária, Francisco Jardim. Ele também esteve na Rússia em maio e se reuniu com Dankvert para discutir o embargo imposto em abril.

Conforme apurou o Valor, os russos tinham pedido para que a delegação de Michel Temer levasse negociadores a Moscou com poder de fechar a negociação bilateral para acesso à OMC. O Itamaraty teria respondido que a negociação ocorria na OMC, em Genebra, e não mandaria ninguém para que os russos não pressionassem o vice-presidente sobre um tema que ele não acompanha rotineiramente. Representantes russos teriam ficado irritados porque queriam ter tratado do tema durante a visita do vice-presidente.

A embaixada brasileira em Moscou diz não ver, porém, qualquer vinculação entre as tratativas mantidas com as autoridades russas em Moscou sobre as condições sanitárias para acesso das carnes brasileiras ao mercado russo e as negociações em Genebra para a entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio.

Internamente, o Itamaraty está sendo cobrado para adotar uma posição mais dura com a Rússia. Sob reserva, fontes afirmam que a agricultura não pode mais ser "moeda de troca nem boi de piranha" nesse processo político da OMC. "Causa estranheza o fato de as medidas terem sido anunciadas sem consistência técnica, repetindo argumentos anteriormente já esclarecidos", disse o secretário Jardim. "Pela segunda vez, a notificação chega sem nem mesmo ter sido enviado ao governo brasileiro o relatório técnico das inspeções russas feitas no Brasil".

A Rússia não quer ceder na questão das cotas para as carnes brasileiras. Principalmente, na carne suína, a mais prejudicada pelas mudanças -, o Brasil chegou a ter 70% do mercado russo e hoje detém menos de 25%.

O Brasil tem forçado os russos a aceitar um "sistema de transição" para seu modelo de cotas. Mas a Rússia quer manter as atuais regras até 2020, sem uma "convergência gradativa", liberando as vendas somente a partir de 2021.

O Brasil também se sente prejudicado pelo sistema de cotas russo que, no caso da carne suína, favorece a União Europeia e os Estados Unidos, com maiores volumes. As exportações brasileiras estão incluídas na categoria "outros". O Brasil quer que a cota deixe de ter definição geográfica e siga o critério de Nação Mais Favorecida (NMF), isto é, o importador russo que tiver a cota pode comprar do país que bem entender.

Os exportadores de carnes bovina e de frango estão menos insatisfeitos com a situação em relação às cotas, mas ainda assim engrossariam o descontentamento.

A Rússia critica o sistema sanitário brasileiro ao afirmar que o Ministério da Agricultura não tem controles ideais sobre trânsito de animais nos Estados e condições de higiene nos frigoríficos. A missão brasileira se ofereceu para tratar, caso a caso, os frigoríficos ameaçados ou já embargados. Mas os russos quiseram tratar do sistema como um todo, e não por partes.

Em conversa com técnicos do governo, veterinários da missão russa admitiram que seriam mais duros em sua avaliação porque o tema tinha um "viés político", e não técnico. Eles cobraram, como não haviam feito antes, a ampliação dos testes de resíduos em carnes brasileiras, inclusive com pesquisas sobre radiação nos alimentos. As exigências adicionais seriam desnecessárias, caras e demandariam contratação e treinamento de um grande contingente de profissionais.

Os russos também insistem, de forma equivocada, segundo fontes do governo, em pedir o fim da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC) para aumentar a venda do seu trigo no Brasil. As fontes argumentam que, se retirada a TEC, haveria uma avalanche de produto dos Estados Unidos e do Canadá, mais competitivos do que o trigo russo.

Além disso, Argentina e Uruguai têm fortes resistências a abrir o mercado comum dominado por seus exportadores. O Brasil ofereceu, na visita a Moscou, ampliar as compras da Rússia, hoje limitadas ao Nordeste. Com isso, o trigo russo poderia desembarcar em portos até São Paulo, deixando o Sul do país para eventuais compras da Argentina. Mas os russos consideraram a oferta insuficiente.

Decisão de Moscou gera surpresa

Exportadores de carnes do país foram pegos de surpresa pela decisão da Rússia de suspender temporariamente a importação de carnes de 85 estabelecimentos localizados no Paraná, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.

Apesar do número expressivo de empresas afetadas, a expectativa dos exportadores de carne bovina é de que o embargo não traga prejuízos ao setor. Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes (Abiec), Antônio Camardelli, não deve haver perdas pois as empresas atingidas vão exportar a partir de plantas localizadas em Estados não afetados pela medida.

Ele disse que o governo está trabalhando para atender às demandas russas apresentadas após a missão veterinária que veio ao país. Segundo o executivo, o setor está ajudando o governo a dar "prontas respostas" aos questionamentos russos.

Pedro Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), disse que o embargo russo surpreendeu porque há cerca de 15 dias, em reunião de representantes dos dois países em Moscou, ficou acertado que uma nova missão brasileira iria ao país para esclarecer questões técnicas apontadas pelos russos. "Não havia motivo para uma decisão como essa", lamentou.

Camargo Neto evitou estimativas sobre perdas nas vendas. "Acreditamos que o embargo será revertido", disse. Das 21 fábricas que estavam autorizadas a exportar carne suína para a Rússia, apenas uma unidade, em Santa Catarina, não foi afetada pela suspensão. No primeiro quadrimestre, a Rússia comprou 68,22 mil toneladas de carne suína do Brasil.

A Ubabef, que representa os exportadores de carne de frango, solicitou ao ministro da Agricultura, Wagner Rossi, "medidas urgentes com relação à decisão do governo da Rússia".

Para os representantes das indústrias de carnes do Rio Grande do Sul, o embargo russo mais parece imposição de uma barreira comercial não tarifária do que uma questão sanitária. O setor mais afetado é o de carne suína. O Estado é o maior exportador brasileiro do produto, com 38,4% de participação sobre o volume de embarques totais do país em 2010, e destina para a Rússia metade de suas vendas externas.

"Nossa presença no mercado russo é pontuado de restrições a plantas específicas, mas o último embargo generalizado ocorreu em 2005 devido aos focos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul e no Paraná", disse o diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips), Rogério Kerber. Na época, o Estado ficou de dezembro daquele ano até o fim de março de 2006 sem poder exportar para a Rússia. Em 2010 as exportações gaúchas de carne suína totalizaram 207,6 mil toneladas e US$ 544,6 milhões, sendo 50% destinados para a Rússia.

Já as exportações das indústrias de produtos avícolas do Estado para o mercado russo somaram 22 mil toneladas e US$ 36 milhões em 2010, de um total embarcado de 840 mil toneladas e US$ 1,4 bilhão no período, segundo o diretor executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos. O Estado é o terceiro maior vendedor de carne de frango para a Rússia, atrás de Santa Catarina e do Paraná.

Conforme Santos, a decisão russa configura uma barreira não tarifária porque o sistema de inspeção veterinária no Brasil é "modelo" para muitos países. "As empresas brasileiras vendem para 154 países porque investem pesado em qualidade e certificação", disse o executivo, que apesar do susto se diz "otimista" quanto à possibilidade de um acordo antes do dia 15.

Já os frigoríficos de carne bovina do Estado exportam apenas 400 a 500 toneladas por mês para a Rússia, que há alguns anos perdeu para o Irã e para a Venezuela a liderança entre os destinos do produto gaúcho, disse o presidente do Sindicato das Indústrias de Carne Bovina do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ronei Lauxen.

O presidente-executivo da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, disse que "com os russos não há regras". Segundo ele, não existem deficiências sanitários nos três Estados. "Foi uma surpresa total e não entendemos as razões", comentou.

Salazar também é presidente do Sindicarne no Paraná e, de acordo com ele, se a proibição for mantida, o prejuízo para o Estado será de US$ 96 milhões por ano. Mas ele espera que o prazo para que a medida entre em vigor seja adiada e assim seja possível fazer contestações com informações técnicas. No Paraná, 33% da carne suína produzida é exportada para a Rússia, mesmo destino de 13% da carne bovina e de 2,7% dos frangos.

Tanto o presidente da Abrafrigo como representantes das cooperativas têm como certo que, se a posição da Rússia for mantida, a produção será vendida no mercado doméstico e o preço vai cair.

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Fonte:
Valor Econômico

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