Relator do Cade reprova união entre Perdigão e Sadia

Publicado em 09/06/2011 08:58
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça começou a julgar ontem a compra da Sadia pela Perdigão e deu uma forte indicação de que pode reprovar o negócio que criou a BRF - Brasil Foods.

O relator do processo, conselheiro Carlos Ragazzo, reprovou a operação e indicou que se o seu voto prevalecer a união entre as empresas deverá ser desconstituída em dez dias após a publicação do resultado do julgamento no "Diário Oficial". Segundo ele, a razão é que haveria risco de aumentos nos preços dos produtos vendidos pelas duas empresas aos consumidores, como carnes, frangos, perus e outros.

"A operação não envolve artigos de luxo. Trata-se de provimento de comida", disse Ragazzo durante o julgamento. Segundo ele, eventuais aumentos nos preços dos produtos vendidos pela BRF vão influenciar diretamente na inflação e podem comprometer a renda dos cidadãos.

Após o voto de Ragazzo, que durou mais de cinco horas, todos os conselheiros fizeram elogios à sua conclusão. Mas houve pedido de vista do conselheiro Ricardo Ruiz. "Eu tenho dificuldade para encontrar contribuição da minha parte para melhorar o voto do relator", disse Ruiz. "Eu não tenho dúvidas sobre a conclusão, mas são 500 páginas e vou pedir vista para ler o voto", completou.
Com o pedido de vista, a BRF terá mais uma semana para apresentar uma nova proposta para o Cade que impeça a reprovação do negócio. É como se o Cade colocasse a empresa em xeque. Ou a Brasil Foods apresenta uma proposta aceitável ou sua criação será reprovada. Essa proposta deve ser apresentada antes do dia 15, quando o julgamento será retomado.

O Valor apurou que a Brasil Foods está disposta a adaptar sua proposta no que for necessário, mas não fará nenhum acordo e pode ir à Justiça caso a operação seja reprovada. A empresa não teria tido a oportunidade de negociar a proposta inicial com o relator.

Em nota, a BRF disse discordar do posicionamento do relator e considerar o pedido de vistas positivo. "(...) com o pedido de vistas, os demais quatro conselheiros terão mais tempo para avaliar a questão." A empresa acrescenta que apresentou aos cinco conselheiros que analisam a operação uma proposta inicial de acordo. "A BRF está, como sempre esteve, à disposição do Cade para uma solução negociada e acredita numa análise justa e imparcial do caso", diz em nota.

Na sessão de ontem, a proposta inicial que a BRF apresentou foi rechaçada pelo relator. A companhia se dispôs a vender marcas menores, como Excelsior, a fornecer produtos para concorrentes e a dar acesso a canais de distribuição de seus produtos. A advogada da Sadia, Barbara Rosenberg, disse que a proposta poderia levar à criação da quinta maior indústria de alimentos do Brasil "da noite para o dia". A advogada não detalhou os termos da proposta. Apenas ressaltou que ela configura "a clara disponibilidade de solução negociada" por parte da empresa.

Mas Ragazzo considerou a proposta insuficiente. "A proposta está muito longe de minimizar os efeitos anticompetitivos da operação", afirmou. Para ele, o fato de a Sadia e a Perdigão assinarem contratos de industrialização sob encomenda com concorrentes não tira da BRF o poder de ditar os preços no mercado. "Não há transferência de tecnologia ou de ativos (para concorrentes)", apontou o relator. "É possível que esse contrato atrapalhe o concorrente, pois ele teria que pagar para obter os produtos", completou.

No caso de venda de marcas, Ragazzo advertiu que a Sadia e a Perdigão são as únicas classificadas como "premium" nos diversos setores em que as duas atuam. "Elas são a primeira e segunda preferência dos consumidores." As demais seriam marcas de combate. "Um remédio que não inclua as marcas 'premium' certamente seria insuficiente para evitar eventuais aumentos de preços", disse o relator.

Pouco antes de pedir vista, Ruiz disse que a proposta era inadequada. "Você não faz contratos com concorrentes", criticou o conselheiro. Para ele, deixar que a BRF forneça produtos a concorrentes seria como permitir a formação de um cartel.

Após o pedido de vista, os conselheiros Alessandro Octaviani, Marcos Paulo Veríssimo e Olavo Chinaglia fizeram questão de elogiar "a excelência do voto do relator". "Sou professor da USP, mas hoje fui seu aluno", disse Octaviani a Ragazzo. "Gostaria de aguardar a volta dos autos cumprimentando o relator pela excelência do voto", completou Veríssimo.

O recado para a BRF foi claro: ou ela apresenta nova proposta ou os conselheiros devem seguir o voto de Ragazzo e reprovar o negócio.

No início do julgamento, o advogado Paulo de Tarso Ribeiro, que representa a BRF, defendeu que o objetivo principal da nova companhia é a exportação. Ele argumentou que, com o aumento das exportações, há também a elevação de sobras de carne e frango que são utilizadas para atender o mercado interno. Esse acréscimo no mercado interno levaria à redução nos preços aos consumidores brasileiros.

Já o advogado Thiago Brito, que defende a Dr. Oetker, afirmou que a fusão leva a altíssimas concentrações, que em alguns mercados chegariam a mais de 80%, e que o consumidor é muito fiel às marcas Sadia e Perdigão. Portanto, seria necessária a imposição de restrições.
Antes de iniciar o julgamento, os conselheiros negaram um pedido de vista do processo ao representante do Ministério Público no Cade, procurador Luiz Augusto Santos Lima. Ele alegou que não foi notificado para apresentar um parecer e pediu prazo para tanto. Mas os conselheiros verificaram que não há previsão legal para que o MP faça pareceres em processos no Cade. "Não é praxe e há um acordo com o MP de que o pedido (de parecer) seja feito até a entrada do processo em pauta", afirmou Ragazzo.

Contrariado, Lima advertiu os conselheiros que estudará medidas judiciais cabíveis. Uma delas pode ser entrar na Justiça contra o Cade. Se isso ocorrer, a decisão final do órgão antitruste pode parar no Judiciário, como ocorreu com outros casos, como o Nestlé-Garoto - negócio reprovado em 2004 e que está até hoje está sem solução.

BRF cai 6% com parecer desfavorável sobre fusão

As ações da Brasil Foods (BRFS3), maior exportadora de frango do mundo, lideraram as perdas no pregão ontem (08/06) com os investidores à espera da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a aprovação da fusão entre Sadia e Perdigão.

Os papéis da companhia fecharam o pregão com forte queda de 6,27%, cotados a 26,15 reais. No decorrer do dia, as declarações do relator Carlos Ragazzo, que analisa a compra da Sadia pela Brasil Foods, fizeram as ações despencarem até 8,39%, para 25,74 reais (mínima do dia). O temor do mercado era de que o acordo fosse aprovado com restrições.

O dia começou com o Cade negando o pedido de vista do Ministério Público Federal (MPF) para adiar o julgamento da Brasil Foods. Na sequência, vieram os comentários do relator Ragazzo no decorrer da tarde. Ele afirmou que a operação precisa de um "remédio" visando a "efetiva rivalidade" no mercado.

Segundo Ragazzo, o portfólio de produtos da nova empresa poderá gerar efeitos anticoncorrenciais, causando mais danos que benefícios. O relator também defendeu que, separadas, Sadia e Brasil Foods podem elevar suas exportações caso decidam não efetuar a fusão.

Diante deste cenário, ele decidiu reprovar a fusão entre as duas companhias. O julgamento da fusão da BR Foods foi suspenso até o dia 15 de junho porque um dos conselheiros do Cade pediu para rever o processo.

Entenda o caso - O Cade está avaliando a compra da Sadia pela Brasil Foods, antes conhecida como Perdigão, por 3,81 bilhões de dólares. O negócio, realizado em julho de 2009, foi o segundo maior entre 166 acordos do setor no mundo desde o mesmo ano, totalizando 24,2 bilhões de dólares, segundo dados copilados pela Bloomberg.

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Fonte:
Valor Econômico + Exame

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