Crise nos EUA coloca o Fed na berlinda

Publicado em 22/08/2011 09:33
Em "O Poderoso Chefão III", um grisalho Al Pacino, fazendo figura de professor com seu suéter e óculos de leitura, lamenta ser incapaz de escapar da vida do submundo: "Justo quando eu pensava que estava fora, eles me puxam de volta".

Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, o banco central americano, talvez se identifique com o personagem, enquanto se prepara para fazer um discurso muito esperado em Jackson Hole, Estado de Wyoming, sexta-feira.

Há alguns meses, Bernanke e seus colegas do Fed tinham esperança de que economia americana estivesse com uma base sólida e pudesse se curar sem receber mais apoio do banco central.

Mas o crescimento econômico tem decepcionado, o Fed abriu as portas para novas medidas de afrouxamento da política monetária, os mercados estão turbulentos e Bernanke voltou a ser um para-raios contra a ira dos políticos.

A economia é o seu submundo, sombrio e inescapável. Jackson Hole é onde ele se encontra a cada turbulento mês de agosto, traçando seus próximos passos.

O primeiro desafio do presidente do Fed na sexta-feira será explicar a mudança na visão do banco central sobre a economia. Antes da reunião de política monetária de 9 de agosto, a previsão das autoridades do Fed divulgada em junho era acentuadamente mais otimista do que as últimas projeções do mercado. O Fed previa que a economia iria crescer 2,8% em 2011; em agosto, as estimativas do mercado estavam em 1,6% para este ano. Para 2012, as autoridades do Fed esperavam uma expansão de 3,5%; analistas privados, 2,5%.

Durante meses, o Fed de um modo geral deu pouca importância ao fraco desempenho da economia, atribuindo os números a uma reação transitória aos desastres naturais no Japão e aos aumentos no preço do petróleo provocados pela crise no Oriente Médio. As autoridades esperavam que as poderosas forças que desde a Segunda Guerra Mundial sempre fizeram com que a economia americana se recuperasse de uma recessão - ciclos auto-sustentados de maior confiança, contratações e gastos - vencessem os solavancos temporários enquanto o ano avançava.

A narrativa que surge agora é que obstáculos mais fortes podem limitar a recuperação dos EUA por mais tempo do que o esperado - talvez não a ponto de jogár o país em nova recessão, mas o suficiente para manter o crescimento dolorosamente lento. A política fiscal pode ser um entrave à expansão por vários anos. O setor imobiliário não está se recuperando tão depressa. As famílias ainda estão tentando se livrar de dívidas, e o patrimônio dos americanos diminuiu.

As velhas relações que costumavam puxar uma recuperação podem já não ter tanta força. A confiança do consumidor, por exemplo, costumava se recuperar depois que o desemprego começava a cair. Mas isso não está acontecendo. O desemprego teve pico de 10,1% em outubro de 2009. A confiança do consumidor continua afundando - o índice da Universidade de Michigan caiu em agosto para o menor nível desde 1980.

"Estou mais preocupado com o efeito do descontrole do mercado acionário sobre os gastos do consumidor", disse Dennis Lockhart, presidente do Federal Reserve Bank de Atlanta, uma das 12 regionais do Fed, em um discurso na semana passada. "A volatilidade, por si só, pode ter um impacto negativo sobre a psicologia do consumidor, em um momento em que já há redução nos gastos."

A queda nas previsões é o principal motivo que antes levou o Fed a assumir o compromisso de manter o juro de curto prazo próximo de zero até meados de 2013. A medida, que expressa dúvidas de que a economia se fortaleça muito daqui até lá, não deve inspirar muito a confiança do consumidor, mas pelo menos manterá as condições financeiras fáceis.

Estava em jogo a teoria econômica, sempre importante para Bernanke, ex-professor de Princeton. Teóricos que Bernanke segue vêm argumentando há anos que um compromisso de longo prazo para manter o juro baixo é uma arma fundamental que um banco central deve usar para combater o tipo de problemas que atormentam Japão desde a década de 1990.

Há outros pequenos passos que ele pode tomar, como reduzir a taxa de juros de 0,25% que o Fed paga aos bancos que guardam suas reservas monetárias com ele. O raciocínio é: por que premiar um banco por não emprestar dinheiro? Ou então, o Fed pode mudar a composição do seu portfólio de valores mobiliários para reduzir ainda mais o juro de longo prazo.

Um dos obstáculos é que a economia está em um momento especialmente difícil de interpretar. "Não sabemos o que vai acontecer nos próximos dois anos", disse Alan Blinder, professor de Princeton e ex-vice-presidente do Fed. Isso torna mais difícil para o Fed administrar as expectativas do mercado, como está tentando fazer.

Outro obstáculo é o risco de que a inflação não caia, como o Fed espera, ou então que suba, o que pode obrigá-lo a aumentar taxas de juros antes do prazo prometido, prejudicando sua credibilidade.

Bernanke previu corretamente que o preço das commodities recuariria em relação aos seus picos no início deste ano. No entanto, o núcleo da inflação, que exclui commodities, vem avançando mais do que o esperado - uma surpresa para alguns no Fed, dada a fraqueza da economia. Eles também esperam um recuo nessa inflação. Mas será possível que até mesmo pequenos períodos de crescimento na atual economia debilitada, ou a pressão dos preços de outros países, ou um dólar fraco poderiam causar um grande aumento nos preços? A preocupação persistente de que a inflação possa criar raízes, apesar da economia fraca, é uma razão por que o Fed pode escolher um caminho cauteloso nos próximos meses.

Em Jackson Hole, em agosto passado, Bernanke anunciou uma segunda rodada de aquisição de títulos visando impulsionar a economia, medida conhecida como "afrouxamento quantitativo", ou QE2. A declaração do Fed de que está pronto para adotar outras medidas para impulsionar a recuperação claramente abriu a porta para um QE3. Mas que ninguém espere que na sexta-feira Bernanke abra essa porta correndo.

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Fonte:
Valor Online

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